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11 de maio de 2024

Cheia do Rio Jaguaribe impacta a renda de mulheres pescadoras do Litoral Leste

Nas últimas três quadras chuvosas, o cenário tem causado a morte de mariscos e prejudicando a subsistência de diversas comunidades
Foto: Arquivo Pessoal/ Luciana Santos

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As mudanças climáticas já impactam diretamente a vida do cearense. Períodos mais longos de calor intenso e estiagem ou grande volume de chuvas em curto espaço de tempo são uma realidade, afetando milhares de pessoas em áreas urbanas ou rurais. As comunidades do Litoral Leste já sentem, há três anos, pelo menos, os efeitos da problemática, que tem causado o aumento no volume de águas doces no Rio Jaguaribe. Isso reduziu a quantidade de crustáceos e moluscos disponíveis para captura e ameaça a subsistência, em especial, das mulheres pescadoras.

A situação vem ocorrendo desde a quadra chuvosa de 2022, onde o aumento brusco de água doce tem causado a morte de sururu, ostras e outras espécies, deixando as famílias pesqueiras em situação de vulnerabilidade socioambiental, socioeconômica e de insegurança alimentar. “Há alguns anos tem acontecido esse aumento repentino de água doce, descendo de pequenos açudes. O marisco não sobrevive. Ele depende da água salobra”, explica a pescadora Luciana Santos, da comunidade do Cumbe, em Aracati.

As famílias pesqueiras vêm sofrendo desde o derramamento de petróleo, que atingiu a costa brasileira em 2019. As vulnerabilidades foram intensificadas pela pandemia causada pela covid-19. “São mulheres pescadoras que dependem do Rio Jaguaribe para sobreviver”, alerta Luciana.

A pescadora estima que 800 mulheres vivem em torno do Rio Jaguaribe, seja para subsistência ou para geração de renda. Só no Cumbe, são aproximadamente 130 famílias que trabalham com a pesca artesanal. “Mesmo que não tirem uma renda direta com a venda, o que é pego elas comem e já gera uma economia”, detalha. O quilo de sururu, que é o mais procurado, é vendido entre R$ 18 e R$ 25. “Para nós, é uma renda muito boa, mesmo sabendo de todo o trabalho que dá. Às vezes, a gente consegue pegar de 15 a 20 quilos por dia”, acrescenta.

ROTINA PESADA

Com o céu ainda escuro, elas acordam para “puxar o barco”, aproveitando a maré baixa, e partem para o Rio Jaguaribe, mas sem um local certo para “mariscar”, como dizem. Algumas marisqueiras percorrem mais de 15 quilômetros de barco e andam cerca de duas horas. O sururu, que hoje é o mais rentável, aparece mais na parte da manhã.

Para proteção, usam botas, calças, camisas de mangas compridas, chapéu, protetor solar e luvas. As pescadoras ainda se equipam com uma armadilha, cordas, um “quebra-tripa” de forquilha e sacos para armazenar. A embarcação precisa de motor e gasolina. No rio, se for fundo, são obrigadas a mergulhar para chegar até os mariscos. Mesmo após a captura, o trabalho não acabou. O sururu, por exemplo, passa por várias etapas de limpeza que acabam envolvendo toda a família. No próprio rio, enquanto enchem o saco, o marisco passa pela primeira lavagem. Em casa, mais uma vez. Depois disso, vai sendo destripado e limpo, um por um, novamente.

“Aí vamos colocando no balde e na panela para cozinhar”, descreve Luciana. Depois disso, separam os cascos, lavam mais uma vez, até serem embalados e vendidos. “É muito trabalho”, admite a marisqueira. O processo pode durar, ao todo, até 14 horas.

Foto: Arquivo Pessoal/Luciana Santos

LUTA POR POLÍTICAS PÚBLICAS

Com a cheia do Rio Jaguaribe, as mulheres pescadoras estão preocupadas com a queda do sururu e o impacto do período de reprodução, que pode durar de 7 a 8 meses. “A gente não tem previsão de quando esse sururu vai nascer. Até conseguimos tirar ostra, mas é com o sururu que a gente come, paga uma conta de luz”, reforça Luciana. Para ela, é necessário ser criado um auxílio às marisqueiras em caso desses eventos naturais, como acontece com o Garantia-Safra. “A gente fica totalmente desamparada”, completa.

Em agosto do ano passado, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece) realizou uma audiência pública para debater políticas públicas para as mulheres pescadoras. As marisqueiras, por exemplo, têm dificuldades em serem reconhecidas como pescadoras artesanais, que é o que garante o Seguro Defeso. No Ceará, mesmo assim, o benefício só contempla a piracema e a lagosta.

A partir do debate, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) apresentou o projeto de lei 1221/2023, que cria a Política Estadual de Desenvolvimento Socioambiental Sustentável das Atividades das Mulheres Pescadoras no Ceará. Atualmente, dois estados brasileiros possuem legislação que regulamenta o trabalho das mulheres marisqueiras como forma de promoção em programas de inclusão social: a Bahia e o Pará.

A Bahia, inclusive, instituiu um benefício chamado “auxílio inverno”, no valor de um salário-mínimo, ao pescador e marisqueira que exerçam a atividade de modo artesanal, em regime de economia familiar ou individualmente, ainda que com o auxílio de terceiros. O valor é pago no período em que há maior índice pluviométrico, ventos fortes e/ou tempestades marítimas.

A iniciativa cearense busca oferecer o acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários às mulheres pescadoras. Dentro disso, está também o reconhecimento das condições de saúde específicas das pescadoras. “Essas mulheres realizam movimentos repetitivos que causam a Lesão de Esforço Repetitivo, o LER, e uma série de problemas ergonômicos provocados pela posição de agachamento e outros específicos pelo desenvolvimento desta atividade”, ressalta Roseno.

A aprovação do projeto, como avalia o parlamentar, pode levar as marisqueiras à proteção social, ao pleno acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários; ao acesso à informação sobre estes direitos; ao reconhecimento pelo INSS das doenças ocupacionais das mulheres na pesca e mariscagem; e à desburocratização do registro profissional, com a emissão de RGP.

A Secretaria de Pesca e Aquicultura do Ceará, em nota enviada ao OPINIÃO CE, disse que ações voltadas à identificação e cadastramento das marisqueiras para fins de diagnósticos e criação de planos de negócio estão sendo feitas. A pasta afirma que vai realizar estudos sobre a biologia reprodutiva das espécies de mariscos majoritariamente extraídas no Jaguaribe para poder ter qualquer embasamento científico e se instituir um defeso dessas espécies “e consequentemente elas terem amparo legal com a política do seguro-defeso”, destaca.

A pasta disse ainda que identificou, em cadastro que vem sendo realizado, aproximadamente 1 mil pessoas envolvidas com atividades de captura de marisco e catadores de caranguejo, nos municípios de Aquiraz, Fortim e Aracati. O cadastramento ainda não foi finalizado, pois abrangerá, também, os territórios do Litoral Oeste. O registro completo deve ser finalizado até o primeiro semestre de 2024.

A Secretaria afirma que está desenvolvendo um sistema de cadastro específico para a carteira de pesca do Ceará, que consequentemente incluirá o pescador artesanal, facilitando a celeridade no acesso de políticas públicas.  No caso específico das marisqueiras, o Governo do Estado quer desenvolver o Kit Marisqueira, que vai entregar equipamentos de coleta/pesca e proteção individual.

“Também está em curso a criação de um Grupo de Trabalho coordenado pela Secretaria de Pesca e Aquicultura e com a participação conjunta dos diversos atores dos segmentos da pesca e de instituições sociais para discutir e implementar diversas ações públicas para as mulheres pescadoras do estado do Ceará”, finaliza.

Antonio Rodrigues

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