Não falta quem defenda que bons resultados dentro de campo dependem de uma boa administração. No caso do Fortaleza, a afirmação faz total sentido. Marcelo Paz está no clube desde 2015 e preside o tricolor desde novembro de 2017. É um dos dirigentes mais bem avaliados do futebol brasileiro. Além da boa gestão de Paz, outro ponto deve ser essencial para a manutenção do bom trabalho no Leão do Pici: a transformação do clube em uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
A mudança foi pauta de uma conversa do presidente do Fortaleza com o OPINIÃO CE. “É uma SAF diferente, nasce sem intenção de venda de controle. Zero intenção disso. Ela nasce com objetivo de que a gestão do clube siga evoluindo, para que a gente consiga seguir bem dentro de campo”. Duas experiências no futebol brasileiro serviram de referência para o clube. “O Athletico Paranaense é um grande case para a gente, um clube que a gente se inspira muito. O América MG também já fez o mesmo caminho de SAF, uma SAF sem vender ações”, enumera.
“A gente acredita que é um passo para evoluir, para deixar o clube ainda mais moderno, para que a gente tenha condições de seguir crescendo e seguir deixando o Fortaleza em alto nível”, justifica Marcelo Paz.
A discussão para o processo de transformação do Fortaleza em uma SAF vem desde julho. No mês, foram realizadas três plenárias para discutir a mudança do modelo de gestão no clube. À época, Marcelo Paz pontuou que o processo demoraria cerca de 60 dias. O passo a passo, como explicado pelo dirigente, foi o seguinte: finalizar os estatutos da SAF e da Associação; apresentar o estatuto da SAF para inclusão de possíveis emendas e melhorias; votação do estatuto na Assembleia Geral dos Sócios; e votação para a mudança ao modelo SAF, também na Assembleia Geral dos Sócios.
No último dia 16 de setembro, o Conselho Deliberativo do clube aprovou por 98% dos votos – 76 favoráveis e apenas um contrário – a convocação da Assembleia Geral de Sócios para decidir sobre a aprovação do novo Estatuto e, consequentemente, a criação do Fortaleza SAF. A Assembleia ocorreu exatamente após uma semana, no dia 23.
A mudança do Estatuto foi aprovada por 1.195 dos 1.256 presentes na ocasião. Com a aprovação, foram criados os Conselhos de Administração e Fiscal da SAF, já com os integrantes de cada conselho definidos. Conselho de Administração: Geraldo Luciano Mattos Júnior (presidente); José Rolim Machado (vice-presidente); Fabiano Barreira da Ponte; Francisco de Queiroz Maia Junior; Wendell Fabio de Miranda Regadas. Conselho Fiscal: Bruno Acioli Lins (titular); Hiago Marques Brito (titular); Marcos Henrique Carvalho de Almeida (titular); Bergson de Oliveira (suplente); Alberto Betrian Blasco (suplente); e Lauro Chaves Neto (suplente). O modelo de gestão pede ainda a criação do cargo de CEO do Fortaleza, com expectativa de ser ocupado por Paz.
ESTABILIDADE
Como lembrou Paz, quando ele chegou ao clube em 2015, o Fortaleza se encontrava em um “momento esportivo ruim”. “Estávamos na Série C, nosso rival Ceará, tetracampeão estadual, e o torcedor do Fortaleza estava desesperançoso”. O presidente recordou que qualquer membro da diretoria era alvo de críticas. “Se esperava justamente a mudança da diretoria, de práticas que gerassem uma mudança, que formassem um time vencedor”.
“Era muita cobrança, desconfiança, ridicularização às vezes, de diminuir a gente como pessoa… Era um começo de trabalho, eu era muito jovem, então tudo isso foi de muito aprendizado, ajudou a criar uma casca para suportar o que veio pela frente”, relembra.
Em 2017, após oito anos na Série C, o clube conquistou o acesso. Foi neste ano também que, no mês de novembro, Paz assumiu o lugar que era ocupado pelo agora senador Eduardo Girão, um apaixonado pelo Fortaleza que presidiu o clube e teve um papel fundamental na virada de chave do Tricolor. Na primeira temporada na Segunda Divisão, novo acesso e a conquista do título.
Desde 2019 na Série A, o Leão do Pici se tornou um dos clubes mais fortes do futebol brasileiro. “O maior desafio é busca a estabilidade, ter um ambiente que ano após ano tenha vitórias, conquistas e crescimento”, disse, “Crescimento eu falo de estrutura, material humano, de parte administrativa, categoria de base, de imagem, expansão internacional e, logicamente, que é o que mais importa, o resultado esportivo”, completou.
“É muito difícil chegar a esse status, e se manter é mais difícil ainda. Os desafios vêm e a motivação tem que estar lá em cima. Os adversários também se prepararam, se organizam, investem, buscam vencer… então é um grande desafio, mas o ideal é manter essa estabilidade”.
Ainda conforme o dirigente, o sucesso do Fortaleza nos últimos anos já pode servir como parâmetro a outros clubes. “A gente já pode servir de parâmetro, não como um clube nacional, não temos torcida grande no Brasil inteiro, mas com a sua grande torcida regional, com gestão de pessoas locais e sem investimento de capital externo conseguiu prosperar no futebol brasileiro e atingir um nível alto”. Como apontou o presidente, o Fortaleza é o sétimo do ranking de clubes da CBF [Confederação Brasileira de Futebol].
O QUE É A SAF
A SAF, como é conhecida no Brasil, diz respeito à transformação do time de uma associação a um clube-empresa. Na Europa, onde estão localizadas grandes ligas do futebol mundial, boa parte dos clubes já aderiu à modalidade de gestão, seja por desejo ou necessidade.
No Brasil, apesar de exemplos que antecedem a sanção da Lei 14.193, a Lei da SAF, a modalidade ganhou repercussão apenas recentemente. Desde que a matéria passou a valer na legislação brasileira, alguns clubes têm aderido à “safização”. Dentre eles, times tradicionais como o Botafogo, Vasco, Bahia e Coritiba.
Diferente de como será a SAF do Fortaleza, no entanto, algo muito comum no processo de criação de uma SAF é o aporte financeiro imediato de uma empresa que assumirá a gestão do time: no Botafogo, a Eagle Holding; no Vasco, a 777 Partners; no Bahia, o City Group; e no Coritiba, a Treecorp Investimentos.