Algum de vocês já sofreu algum tipo de tortura física ou psicológica ou as duas coisas de uma vez? Pois bem, eu já. E devo afirmar que não foi nada interessante. Em 1983, com vinte anos, cursando o segundo ano de História na Universidade Estadual do Ceará (Uece), soube por intermédio da impressa das inscrições abertas do Festival de MPB Nossa Voz Nossa Vez sob a direção da Cearte e promoção do Projeto Cultural do BNB Clube de Fortaleza. Acreditem, como estávamos sob a égide do regime civil-militar, as canções deveriam ser escritas na Polícia Federal (PF), em uma fita cassete com dez cópias da letra. Como eu não tinha recurso, lembro que gravei a canção Passeata com apenas voz e violão, em um gravador, na casa de um colega, próximo a minha casa. Participei da segunda semifinal do referido festival. No dia do ensaio final, lembro que o Cesar Barreto e o Dilson Pinheiro chamaram-me e disseram: “Wagner, você vai cantar essa música mesmo?”. E eu disse: Por que não? E eles foram enfáticos: “Você pode ser preso ao descer do palco.” Lembro que eu falei o seguinte: “Mas, se a inscrição foi feita na Polícia Federal, eles já sabem quem eu sou.” Sim, eu interpretei a canção, mas devo confessar – inseguro, tímido e trêmulo.
E, não deu outra, errei a letra e não fui classificado, mas também não aconteceu nada depois da apresentação. Se as alertas dos organizadores do festival deixaram-me inseguro e com receio, você imagina uma garota de dezenove anos, grávida, presa no quartel do Exército em Vila Velha em 1972, já sendo recebida com tapas, com chutes e golpes que abriram a sua cabeça, e segundo ela, na época militante do PCdoB, a jornalista Míriam Leitão. Creio que qualquer pessoa que se utilize da arte, da política ou do uso da força contra um governo qualquer não deve ser tratado assim. Porém, o que dizer de um tal de EB (PL-SP), filho do mandatário que escreveu a respeito do depoimento da jornalista: “Ainda com pena da cobra” e do depoimento do ministro Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do STM [Superior Tribunal Militar], classificando de “notícias tendenciosas” a farta documentação de áudios catalogados do Exército, na época do regime civil-militar pelo historiador Carlos Fico e divulgadas pela referida jornalista.
Ignorar e negar os documentos históricos é uma agressão à memória da nação. Banalizar e desdenhar das pessoas que sofreram algum tipo de tortura, parece-me, inclusive uma atitude não cristã. Pois é, os depoimentos deles estragaram a minha páscoa, sim.