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26 de abril de 2025

Sorvete de Farinhada: jovem quilombola desenvolve receita que valoriza cultura alimentar da comunidade

A ideia foi colocada em prática durante oito meses no Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia, da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco (EGSIDB).
Fotos: Jeny Sousa

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Reunindo a tradição quilombola e sua cultura alimentar, o Sorvete de Farinhada foi lançado no dia 14 de junho, no Complexo Estação das Artes. A receita foi idealizada na 6ª edição do Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia, da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco (EGSIDB), pelo gastrólogo e líder quilombola Joélho Caetano (21), que é natural da comunidade quilombola Conceição dos Caetanos, localizada em Tururu, no Interior do Ceará. Além do sorvete, o jovem também desenvolveu uma casquinha de sorvete feita a partir da farinha e goma de mandioca.

Com a cultura da mandioca viva, diariamente, o município de Tururu possui mais de seis casas de farinhas centenárias ativas, sendo uma delas pertencente à avó de Joélho, a Dona Bibiu, que é uma das lideranças da comunidade. O líder quilombola cresceu e conviveu de perto nas casas de farinha, espaços onde são produzidos farinha, goma e outros alimentos aproveitados da mandioca plantada no próprio território. O jovem conta que criou o projeto a partir da sua vivência na área cultural da comunidade e do seu trabalho na sorveteria Caetanos Sabores, que fundou quando tinha 15 anos em parceria com sua mãe, Medina Caetano,

“Eu vejo a necessidade de trazer para dentro da minha sorveteria a cultura da minha comunidade, que, até então, tinha zero traços culturais. Então, eu penso em trazer algo para dentro da sorveteria e disso surge a ideia de criar um sorvete”, disse Joélho Caetano.

Com a ideia formulada, o gastrólogo buscou apoio e ferramentas da Escola de Gastronomia para colocar em prática sua invenção. A partir da sua experiência no Laboratório de Criação, Joélho realizou, em quatro meses, pesquisas dentro da sua comunidade, buscando conhecer mais da prática centenária da farinhada. Com o objetivo de promover a visibilidade para a cultura alimentar da região, que possui uma forte presença da agricultura familiar e das farinhadas tradicionais, o gastrólogo desenvolveu um projeto que conta a história de sua comunidade. Os principais objetivos da ideia, além de mostrar a cultura alimentar do território, é apresentar o potencial do quilombo aos outros jovens da comunidade e desenvolver um produto de inovação. 

“Escrevi um projeto, onde, primeiramente, era só para valorizar a cultura da farinhada, e trazer pertencimento da cultura para dentro também da minha sorveteria. Então, quando eu entro no Laboratório, passo a estudar, a entender a cultura alimentar, o que move a cultura alimentar, que seria farinhada, a prática do plantar mandioca. Tudo isso me leva a pensar e querer fazer um sorvete que contasse a história da comunidade, que falasse um pouquinho das práticas alimentares. Eu parto para a ideia de desenvolver um sorvete feito de mandioca”, lembrou o gastrólogo. 

PROCESSO CRIATIVO

Joélho conta, ainda, como foi o processo de produção da receita para criar o sorvete de farinhada, que levou quatro meses de formulação, na prática, tirando o período de pesquisa. Inicialmente, a base do sorvete teria apenas o uso da mandioca. Porém, o ingrediente ainda apresentava um sabor muito neutro, sendo necessária a inclusão de outros produtos artesanais, como a farofa de rapadura, coco e manteiga da terra. Os ingredientes são utilizados porque o sorvete foi feito a partir de alimentos que podem ser encontrados com facilidade na própria comunidade. A receita ainda dispensa o uso de conservantes e produtos industrializados. 

Durante quatro meses, o jovem esteve em Fortaleza, na sede do Laboratório de Criação, onde contou com a mentoria do professor e chef Bruno Modolo, além de ter a participação dos idealizadores da Bellucci, Afra Bellucci e Andrea Bellucci. “Receber o convite para apadrinhar essa pesquisa foi uma honra e privilégio. A Bellucci valoriza a origem da matéria-prima genuína e Joélho, além da matéria-prima carrega sonhos, talento e uma bagagem cultural encantadora. Difícil é não se encantar”, declarou Afra sobre a participação da Bellucci.

O projeto também estabeleceu parceria com o Mestrado em Gastronomia, da Universidade Federal do Ceará, que realizou a avaliação sensorial. Ao final da experiência, foi produzido um documentário da Escola de Gastronomia, contando sobre a produção do sorvete. O idealizador do alimento lembra, ainda, da apresentação do resultado das pesquisas, que ocorreu em março deste ano, quando o equipamento do Estado levou a comunidade quilombola Conceição dos Caetanos para conhecer o produto inspirado em suas práticas. 

“Foi a primeira vez que a gente conseguiu levar um público grande. A escola conseguiu mandar uma van aqui para a comunidade, onde a gente leva toda a comunidade pra ir assistir, porque era algo que eu carregava comigo. O trabalho não é só meu. O sorvete de farinhada é um sorvete desenvolvido por mim, mas dentro da comunidade e para valorizar a comunidade. Então, eu não poderia deixar que eles ficassem de fora deste momento”, ressaltou o idealizador do sorvete.

Parceira da idealização, a Bellucci Gelateria está comercializando o novo sorvete em duas sedes localizadas em Fortaleza, que ficam na Frederico Borges, 624, no bairro Meireles, e em uma das lojas no Riomar Fortaleza, no Papicu. O produto também é vendido na Caetano Sabores, empreendimento de Joélho e sua mãe. Ele fica na comunidade Conceição dos Caetanos. 

LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO 

Inaugurado em 2018, o Laboratório de Criação lança, anualmente, um edital que seleciona três propostas de pesquisas que levantam desafios e problemas da cadeia de produção do alimento no Ceará. A iniciativa busca fortalecer a cultura alimentar do Estado, investindo nos processos de pesquisa que valorizam os saberes e as produções de pequenos produtores nos diferentes territórios, além de acompanhar a execução das ideias durante oito meses, oferecendo todo o apoio necessário através de mentoria, atividades formativas, atividades específicas para cada pesquisa, entre outras ações, que acontecem em formato virtual e presencial.

Para participar do Laboratório de Criação, as propostas precisam ser de pessoas físicas, com idade mínima de 18 anos e que comprovem residência no Ceará por, no mínimo, três anos. A coordenadora de gastronomia, Vanessa Moreira, cita os impactos que o programa tem gerado em seis edições. “A experiência tem mostrado mais impactos positivos com os resultados das pesquisas quando propostos por pessoas que estão ligadas ao território, seja na atuação prática de uma produção ou na atuação política, assim como por empreendedores sociais, que já possuem a experiência da produção e do mercado”, explica.

Sobre o processo de pesquisa para o sorvete de farinhada, a coordenadora revela que a equipe do Laboratório de Criação visitou Conceição dos Caetanos para conhecer a origem do projeto. A pesquisa contou com a colaboração do professor Sandro Gouveia, atual pró-reitor de cultura da UFC, e de Patty Durães, pesquisadora especialista em cultura alimentar quilombola. A marca do sorvete de farinhada ainda contou com uma identidade visual desenvolvida pelo designer Allysson Brilhante. 

“A primeira etapa do processo foram as visitas técnicas às sorveterias da cidade, para fazermos análise sensoriais de sorvetes que tivessem o mesmo conceito. A segunda etapa da pesquisa eram os testes para criar uma base de mandioca para evitar o emulsificante, produto ultraprocessado, e criar o crocante, que combina ingredientes produzidos na comunidade: farinha, coco e rapadura. Para manter a crocância, utilizamos a manteiga da terra, produzida num sítio da comunidade”, detalha.

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