Em discussão na Câmara, semipresidencialismo traria ao País dois diferentes líderes máximos. Especialistas discutem se a política brasileira está preparada o regime
Ingrid Campos
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Rodrigo Rodrigues
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Modelo de organização da estrutura política, o semipresidencialismo está no debate público como alternativa ao regime vigente no Brasil, o presidencialismo. A estrutura é realidade em países como França e Portugal para garantir a governabilidade destas nações, mas será que teria sustentação no Brasil?
Para responder ao questionamento, o Congresso Nacional criou um grupo de trabalho que ouvirá pelo menos 37 especialistas na questão, favoráveis ou contrários. Ao OPINIÃO CE, a especialista Raquel Cavalcanti afirmou existirem pontos positivos e negativos na mudança de regime político, traçando os desafios para sua implementação em um país que viveu dois processos de impeachment em 20 anos.
Em caso de alteração de regime, o presidente eleito pelo povo continuaria existindo por se tratar de uma cláusula pétrea da Constituição, mas perderia a função de chefe de Governo, mantendo-se apenas como chefe de Estado. Na função, o presidente pode representar o País externamente e coordenar as Forças Armadas, por exemplo.
Raquel, que é doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que o modelo, se implementado, “teria sustentação”, mas avalia certa resistência da sociedade brasileira, entre outras razões, pelo fato de o Brasil ter o “presidencialismo muito ligado a nossa história.”
“Tivemos um movimento democrático que foi visto no Diretas Já, logo após a Ditadura Militar [1964 – 1985], que representou um anseio da população para votar no presidente da República. Então, a questão é saber se esse elemento histórico pode ser abandonado pelo povo, que passaria a ter um presidente com não mais o mesmo poder.”
Elivaldo Ramos, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Conselho Consultivo implementado no Congresso sobre o tema, destaca que, apesar de complexo, o processo está integrando vários setores em sua discussão e defende, após possível aprovação no Legislativo Nacional, a realização de um referendo sobre o assunto para o aval popular.
“O presidente é o chefe de Estado, mas também é o chefe de Governo. Então ele se envolve nas querelas típicas do dia a dia: briga com a oposição. Se tem CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] que envolva a gestão, é investigado. Fica bravo com as coisas… E isso é natural em se tratando em chefe de Governo. O problema no Brasil é que ele é as duas coisas. E aí ele desperta polêmica, levanta debates, mas têm as Forças Armadas a serviço dele. É igual querer ser juiz e jogador num jogo de futebol, por exemplo”, explica Ramos.
GRUPO DE TRABALHO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Em março deste ano, a Câmara criou um grupo de trabalho para analisar a adoção do semipresidencialismo – no qual o presidente da República compartilha o poder com um primeiro-ministro, eleito pelo Congresso Nacional – que pode representar o meio termo entre o atual sistema e o parlamentarismo, com maior poder do Legislativo.
Conforme o coordenador do grupo e autor de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), o modelo só seria adotado a partir de 2030. Segundo o parlamentar, um relatório sobre o tema deve ser apresentado em junho próximo.
O período de quase dez anos até a implementação é importante para que seja garantida a soberania dos próximos governos, defendem entusiastas do modelo. É tempo suficiente, afirma Ramos, de ter dois mandatos de um (a) novo (a) mandatário (a) sem a mudança e do País se acostumar com o novo modelo.
Entre os membros do conselho consultivo criado para auxiliar o grupo de trabalho, também estão o ex-presidente Michel Temer (MDB), e a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, por exemplo. Temer defendeu em evento em Portugal, este mês, o sistema, acrescentando que o presidencialismo teria fracassado.
Os defensores da mudança de regime, como Temer e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acreditam que o semipresidencialismo seria uma saída mais ágil para as crises de apoio político dos governos. No modelo atual, a única saída para um presidente que perde a maioria no Congresso é o impeachment.
Na história da recente democracia brasileira, o País vivenciou dois desses processos: dos ex-presidentes Fernando Collor (PTB), em 1992; e Dilma Rousseff (PT), em 2016. O tema voltou a ganhar força em 2021, quando mais de 100 pedidos foram apresentados contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como explica o professor da USP, criar a figura de um primeiro-ministro no Brasil já seria um caminho porque este iria “se queimar” nas articulações de Governo no lugar do chefe de Estado, evitando um processo de impeachment. “O risco institucional também é que, em algum momento, quem governa não consegue implantar o seu programa porque tem uma oposição muito dura ou porque não tem maioria fica tentado a dar um golpe de estado”, diz Elivaldo.
Lira propôs a implementação do semipresidencialismo como saída amigável da crise. No entanto, o parlamentar diz que o tema só será pautado no Congresso a partir do próximo ano. “Juridicamente, seria muito difícil, mas diante de uma situação de abalo da Democracia, a mudança de regime seria possível. Acredito que, de certa forma, [o semipresidencialismo] poderia trazer mais estabilidade, já que as crises recentes que tivemos foram crises de estabilidade entre presidente e Congresso Nacional. O regime iria resolver um pouco isso porque o Congresso passaria a ter mais poder”, conclui Raquel.
FISIOLOGISMO DE SIGLAS
Na avaliação do consultor Roberto Carlos Pontes, em entrevista recente ao site da Câmara dos Deputados, um problema para a adoção do semipresidencialismo no Brasil é a fragmentação partidária, tida como uma das maiores do mundo. Segundo o especialista, isso dificulta a formação de uma base de sustentação e pode gerar mais acirramentos entre presidente e Congresso.
Atualmente, o País tem 23 partidos com representação na Câmara. O número de aliados, argumenta Pontes, é baixo. Na Itália, por exemplo, parlamentarista, o número de partidos é apenas nove. A maior representatividade na Câmara é do Partido Liberal (PL), sigla de Bolsonaro, que concentra 15% (77 dos 513 deputados) da força total de parlamentares.
Para Ramos, o ideal é que o número de partidos com representação no Congresso, não necessariamente todos os ativos, seja reduzido antes de qualquer mudança. Dispositivo que trabalha essa ideia já existe e chama-se de cláusula de barreira, que restringe ou impede a atuação de uma legenda no Legislativo com baixo percentual de votos. Para o professor da USP, um número menor de partidos ainda propicia um ambiente mais honesto e dentro da legalidade de negociação entre o chefe de Governo e os parlamentares.
“O presidente precisa aprovar o seu programa, mas se ele tiver apoio do maior partido no Congresso, ainda sim ele tem cerca de apenas 15% do apoio necessário. Uma coisa é uma coalizão de até três legendas e outra é uma de 20 legendas. Ele precisa de muitos mais partidos. Isso causa instabilidade enorme.”
“Assim, não há mais apoio programável. Terá que ser conquistado a cada votação, e isso tem um preço que, em geral, podem resultar em negociações diversas que passam do campo da licitude, explica o docente, destacando ainda um processo de “fabricação de maioria de governo”, que pode ser dentro dos procedimentos legais ou por meio de “compra” dos legisladores. Para Ramos, um modelo de saísse um pouco do “presidencialismo clássico absoluto” resolveria essas questões.