Pelo menos três propostas que versam sobre a redução da jornada de trabalho estão em tramitação no Senado Federal. A ideia já vem sendo testada no País, pois empresas realizam experiências piloto de redução da jornada. Na Casa Legislativa, as matérias incluem garantia de manutenção do salário em caso de redução da jornada, a atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o incentivo à adoção da medida por parte das empresas.
Uma das propostas, o Projeto de Lei (PL) 1.105/2023, apresentado pelo senador Weverton (PDT-MA), inclui a possibilidade de redução das horas trabalhadas diárias ou semanais na CLT, possível por meio de um acordo ou convenção coletiva. A redução, ainda segundo a matéria, seria sem perda na remuneração. O autor da matéria destaca o impacto positivo que a flexibilidade traria à saúde dos trabalhadores.
“O principal ganho é o aumento da produtividade, aliado a uma vida física e mentalmente mais saudável. Isso não é pouca coisa em um mundo com tanto adoecimento mental, em que vemos um aumento de casos de depressão, ansiedade e doenças físicas provocadas pelo estresse”, disse o parlamentar trabalhista.
Ainda como ressalta ele, o PL não obriga a redução, mas a permite, por meio de acordo. Ao mesmo tempo, como destaca, o trabalhador fica protegido, já que não pode haver corte de salários.
O texto já havia sido aprovado de forma terminativa pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) em dezembro de 2023 e poderia seguir diretamente para a análise da Câmara dos Deputados. No entanto, um requerimento do senador Laércio Oliveira (PP-SE), aprovado pelo Plenário, determinou que o projeto seja analisado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A justificativa de Laércio é de que ela precisaria ser analisada pela CAE devido à importância do assunto para todo o setor produtivo. Na Comissão, a relatoria é do senador Eduardo Gomes (PL-TO), mas não há previsão para quando o texto será votado.
O senador Paulo Paim (PT-RS), relator do PL 1.105 na CAS e que defende a aprovação do texto, afirma que proposta abre a possibilidade de gerar novos postos de trabalho. A preocupação do parlamentar tem como fundamento a realidade apresentada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No primeiro trimestre de 2024, o desemprego atingiu, no País, 8,6 milhões de pessoas. A redução da jornada de trabalho, na avaliação dele, poderia contribuir para diminuir esses números. Conforme estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salário, tem potencial de gerar mais de 2,5 milhões de novas vagas no Brasil.
REDUÇÃO DE JORNADA
Paim também é autor de uma proposição sobre o tema. Em 2015, ele apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece a redução da jornada de trabalho semanal, de forma que a duração não ultrapasse oito horas diárias e o total semanal seja diminuído gradualmente. Limitado a 40 horas, a partir da aprovação da emenda, seria reduzido em uma hora a cada ano, até chegar às 36 horas semanais. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), entretanto, a PEC 148/2015 não chegou a ser votada e acabou arquivada, em 2022. No ano passado, o senador pediu o desarquivamento e a proposta voltou a tramitar. O texto aguarda análise na CCJ, sob relatoria de Rogério Carvalho (PT-SE).
“Os resultados dos testes recentes realizados em outros países e no Brasil apontam que a redução da jornada de trabalho semanal ocasiona no aumento significativo de produtividade e na melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Todos ganham”, explica Paim.
SAÚDE E TRABALHO
No ano passado, o Ministério da Saúde (MS) incluiu na lista de doenças de trabalho a síndrome do burnout, esgotamento provocado pelo excesso de trabalho. De acordo com estudo da ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), associação que estuda o estresse no mundo todo, o Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados. O levantamento mostra que 72% dos brasileiros estão estressados no trabalho.
Outra proposta que tramita na Casa busca incentivar as empresas a adotarem a jornada reduzida. O Projeto de Resolução do Senado (PRS) 15/2024 institui o “Diploma Empresa Ideal”, destinado a empregadores que adotem melhores práticas de trabalho, como a diminuição da carga horária sem perda salarial. A premiação seria concedida anualmente pelo Senado, e a indicação dos candidatos ficaria a cargo dos senadores. Autora do projeto, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) acredita que o setor produtivo do País precisa se modernizar.
“O modelo que temos de trabalho atualmente é muito ultrapassado. Precisamos evoluir também. A redução da jornada de trabalho envolve qualidade de vida para os colaboradores”, ressaltou ela.
Para elaborar o projeto, a senadora se embasou em pesquisa do DataSenado que ouviu a opinião dos brasileiros a respeito de carga horária, produtividade e qualidade de vida dos trabalhadores. O estudo mostra que, para 61% dos entrevistados, a carga horária menor não afetaria as empresas, ou até traria lucros a elas. Para a maioria, aliás, a redução de jornada deve ser incentivada, inclusive pelos governos. A matéria da senadora sul-matogrossense aguarda despacho para as Comissões.
DEFESA
Quem defende a ideia afirma que a diminuição da carga horária – além de beneficiar os empregados – pode trazer ganho de produtividade para os patrões. Em conjunto com o gabinete de Soraya Thronicke, o Senado realizou uma pesquisa de opinião, por meio do Instituto DataSenado, em abril deste ano. Conforme o estudo, 85% dos trabalhadores brasileiros acreditam que teriam mais qualidade de vida com mais um dia livre por semana e sem corte de salário. Além disso, 78% afirmam que conseguiriam manter a mesma qualidade de trabalho. Conforme os entrevistados, o tempo livre seria dedicado principalmente à família, ao cuidado com a própria saúde e à capacitação.
A reivindicação é histórica, não é um tema novo no Congresso Nacional. Durante a Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, a carga horária menor para os trabalhadores brasileiros – até então de 48 horas semanais – foi um dos principais pontos de embates entre parlamentares. Na época, além de Paulo Paim, então deputado constituinte, outro parlamentar que lutou pela causa foi o então deputado e hoje presidente Lula (PT).
Em discurso no Plenário antes de uma emenda que reduzia a carga para 40 horas semanais, em agosto de 1988, ele afirmou que a redução da jornada, ao lado da estabilidade no emprego, era a questão “mais atacada pelo poder econômico” na Constituinte. O petista argumentou ainda que a adoção das 40 horas seria uma forma de melhorar as condições de trabalho, além de permitir mais tempo para lazer e a criação de milhares de empregos.
A maioria dos constituintes, no entanto, votou pelas 44 horas, vigentes até hoje na Constituição. A regra está no art. 7º da Carta, que determina “duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
Outra proposta sobre o tema data dos anos 1990. De autoria do então deputado cearense Inácio Arruda (PCdoB), a PEC 231/1995 previa a redução gradativa da jornada de trabalho, que passaria de 44 horas para 40 horas. O texto estabelecia também que a remuneração pelo trabalho extraordinário teria um acréscimo de, no mínimo, 75% sobre o valor da hora normal. A proposta acabou arquivada por não ter sido votada ao final da legislatura.
COMPARAÇÃO COM CARGAS DE OUTROS PAÍSES
Em relação às cargas semanais de trabalho de outros países, o Brasil possui uma das maiores médias de horas trabalhadas por semana. Conforme levantamento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o País possui uma média de 39 horas semanais trabalhadas. No ranking, está abaixo apenas de Colômbia (39,1h), Costa Rica (39,9h) e México (43,4h). No outro lado do espectro, aparecem nações como Países Baixos, Dinamarca e Alemanha, com médias de horas semanais trabalhadas inferiores a 28h. Na Alemanha, o levantamento mostra uma média de 25,94h.
Na América do Sul, o Congresso do Chile aprovou, no ano passado, uma lei que diminui a semana de trabalho para 40 horas. Antes, o trabalhador fazia uma jornada de 45 horas semanais. Neste ano, a jornada de trabalho será reduzida para 44 horas. Após três anos, o limite será de 42 horas, e após cinco, chegará a 40 horas.
No Brasil, a semana de trabalho de quatro dias está sendo testada no 4 Day Week Brazil, versão brasileira do projeto criado por uma entidade neozelandesa sem fins lucrativos, a 4 Day Week Global, que visa incentivar a adoção da jornada reduzida por todo o mundo. Um total de 21 empresas estão participando, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, consultoria especializada em bem-estar no trabalho. A experiência teve início em janeiro deste ano e será finalizada neste mês de julho.
Segundo Renata Rivetti, diretora da Reconnect, o projeto trouxe um olhar de que é possível trabalhar “de uma forma melhor”. “Hoje, a gente trabalha muito, mas nem sempre bem. A gente tem excesso de reunião improdutiva, retrabalho, muitos processos repetitivos”, explicou. De acordo com ela, a ideia é de que as empresas consigam discutir formas de os trabalhadores serem mais produtivos. A expectativa é que o projeto seja estendido. As empresas participantes, ao final da experiência, vão decidir se querem continuar adotando a semana de quatro dias ou se preferem seguir um novo modelo.
“A gente vai fazendo pesquisas para elas entenderem o cenário do que está acontecendo. E, após isso, queremos lançar um segundo projeto e conversar com outras empresas, começar a trabalhar mais a metodologia”, ressaltou Renata.
Relatório parcial do 4 Day Week Brasil, produzido pela Reconnect at Work em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) em abril, revelou os primeiros impactos positivos na saúde física e mental dos funcionários participantes. De acordo com a pesquisa, 82% se sentiram mais dispostos a realizar tarefas. Além disso, 64% disseram que a sensação de exaustão frequente por causa do trabalho diminuiu.
Com informações de Agência Senado.