Em geral, projetos de lei de interesse de Bolsonaro conseguem passar na Câmara, mas empacam no Senado. Especialistas ponderam as razões para o cenário
Ingrid Campos
ingrid.campos@opiniaoce.com.br

Discussão que tem envolvido ativamente o Legislativo e o Executivo nas últimas semanas, o projeto que limita em 17% a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis tem encontrado resistência no Senado.
Este é apenas um exemplo de matéria polêmica que passou com tranquilidade pela Câmara Federal e empacou na casa revisora. Apesar de acreditar ser normal que o Senado leve mais tempo para analisar alguma proposta, justamente por ser uma instância de revisão e por ter uma relação mais direta com os entes federados, André Santos, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), destaca que, nesta legislatura, há outros fatores que influenciam nessa dinâmica.
“Politicamente, a gente observa que isso se agravou principalmente depois da eleição do presidente Rodrigo Pacheco por não ter uma aliança muito próxima às pautas que são oriundas do governo, não necessariamente de autoria do governo, mas que vêm da Câmara dos Deputados com o apoio do Executivo”, afirma Santos.
O chefe do Senado e o presidente Jair Bolsonaro (PL) trocam atritos em relação às suas atribuições, sobretudo após o senador se tornar mais independente em relação ao Planalto. Recentemente, o mandatário criticou a suposta “parcialidade enorme” de Pacheco, apesar de não querer “atrito com ele”, em relação a conflito entre o governo federal e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente do Senado chegou a chamar de “anormalidade institucional” uma notícia-crime apresentada por Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Essas foram apenas algumas das declarações públicas que explicitaram essa relação.
“Por outro lado, além dessa relação política entre Senado e Executivo, tem também uma pressão vinda dos estados. O Senado, em tese, representa os estados, então, teoricamente, temos essa variante porque ali a pressão dos governadores tende a ser maior em cima dos senadores. Por isso que pautas como reforma tributária, como a do ICMS, que têm efeito muito imediato em estados e municípios em termos de arrecadação, têm uma dificuldade maior de ter consenso”, completa o analista político.
“Se o governo tem maioria na Câmara, a possibilidade de passar uma pauta que é de seu interesse é maior.”
No Senado, como a composição é feita por representantes dos estados, pode ser que ele não tenha a mesma força política e, por conta disso, as discussões acabam demorando mais, inclusive, para serem postas em pauta. Isso porque há um certo nível de discricionariedade do presidente da Mesa de colocar determinadas pautas”, opina, também, Jackson Nobre, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Teoria Geral do Direito da Universidade Regional do Cariri (Urca).
O docente explica que, em 2018, uma “grande onda” de deputados federais pró-Bolsonaro foram eleitos, grupo que manteve esse posicionamento ao longo do mandato.
“Já o Senado é um pouco mais arredio politicamente ao governo, mas isso é normal, é da democracia. Inclusive, existem alguns elementos como as Emendas Secretas, que trouxe muitos congressistas da Câmara para o lado do governo nesse período em muitas pautas. Hoje o governo tá aliado ao Centrão na Câmara”, lembra.
Nobre, contudo, reforça fala de Santos sobre essa dinâmica no Congresso ser normal, mas cita que, ao longo da história do Estado Democrático de Direito brasileiro, inaugurado em 1988 pela Constituição Federal, houve momentos de fácil alinhamento entre as Casas.
“Um exemplo disso foram as reformas que ocorreram ao longo da década de 90, principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso, e que passaram relativamente rápido porque havia todo um alinhamento entre o Congresso e o governo”, conclui.