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7 de dezembro de 2024

Rede pública de educação tem número reduzido de psicólogos e assistentes sociais no Ceará

Seduc dispõe de 60 psicólogos e 30 assistentes sociais educacionais, lotados nas regionais na Capital e no Interior
Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Adriano Nobre, em Itapajé. Foto: Divulgação

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A última semana do mês de março de 2023 foi marcada com um assunto preocupante e crescente no Brasil: a violência no ambiente escolar, seja de alunos contra alunos ou alunos contra professores. Em São Paulo, um aluno atacou colegas e professores com uma faca. Uma docente idosa acabou falecendo no episódio. Em outubro do ano passado, um estudante de Sobral levou uma arma para a escola e acabou disparando contra colegas, acidentalmente, dentro da sala de aula.

Os planos de educação nos âmbitos nacional, estadual e municipal preveem que as escolas tenham psicólogos e assistentes sociais, embora não especifiquem o número de profissionais por unidade, como na Lei Federal 13.935/2019. Na prática, no entanto, o sistema não alcança todas as instituições e muitas são até negligenciadas.

Quatro em cada dez escolas de ensino médio em Fortaleza, por exemplo, constataram algum caso de violação dos direitos de crianças e adolescentes entre 2020 e 2021. A maioria (96,7%) classifica que as violências percebidas são de caráter familiar e comunitário e refletem na escola. Entretanto, apenas 35,2% conhecem um fluxo para seguir caso identifiquem sinais de violência ou violação de direitos. Os dados são do estudo divulgado à época pela organização humanitária Visão Mundial.

A pesquisa é a parte final de uma formação sobre comissões de proteção e prevenção às violências dentro das escolas, realizada pela Visão Mundial em parceria com o Centro Universitário Unifametro e a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), entre março e setembro de 2021. Ao todo, 108 profissionais da educação participaram de rodas de conversa e responderam a um questionário on-line.

A especialista em psicologia e saúde pela PUC-SP, Luiza Braga, critica o baixo número de profissionais da área no âmbito escolar. Na rede estadual, segundo a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc) são apenas 60 psicólogos e 30 assistentes sociais educacionais, lotados nas regionais na Capital e no Interior, que trabalham no fortalecimento da relação da escola com a família e a comunidade e estreitam contato com toda a rede de proteção social, de direitos da infância e adolescência, e de segurança. No entanto, o número não contempla todas as 750 escolas estaduais.

“Precisamos dar cada vez mais ênfase à saúde mental. Os casos de bullying, por exemplo, (…) é preciso ver o que está por trás disso. Estamos com um baixo número de psicólogos que dão conta de todo o estado do Ceará. Além disso, ainda há poucas políticas relacionadas à saúde mental em todo o estado. Quando a gente vai mais para o interior do Ceará, algumas cidades não tem nenhuma relevância neste tema. Precisamos focar que na saúde mental e entender que a saúde mental é tão importante quanto à saúde física”, defende a psicóloga.

Ainda segundo Braga, as políticas públicas de cuidado à saúde mental precisam ser contínuas desde a juventude. O ambiente escolar é um local de convívio com alunos e pais para a devida instrução quanto a assuntos delicados. “Por isso, a atuação de um profissional da Psicologia é fundamental para identificar sinais de fragilidade e auxiliar na recuperação”, completa.

A psicóloga e pedagoga, Valéria Freitas, acredita que a saída para o Governo do Estado, a médio prazo, é a criação de concursos públicos na área.

“É praticamente impossível abarcar essa população com um número tão restrito de profissionais. Talvez uma boa alternativa para o governo seja a criação de concursos para profissionais da área e também o estabelecimento de convênios com Psicólogos autônomos e clínicas especializadas que poderiam abarcar a demanda tanto realizando o trabalho nas escolas quanto em seus próprios consultórios”, defende.

Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informou que a formação integral dos estudantes do Ensino Médio na rede pública estadual tem sido um dos princípios pedagógicos assumidos pela política educacional da pasta, que considera os aspectos cognitivos, psicomotores e socioemocionais como imprescindíveis ao sucesso do processo de ensino-aprendizagem.

“Desde 2018, a rede de escolas da Seduc atua com base na Política Estadual de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais, que está em permanente atualização. No âmbito dessa Política, a rede pública estadual conta com o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT). Em 2022, houve a expansão do projeto para todas as escolas estaduais. A ação tem o objetivo de qualificar as relações intra e interpessoais, com vistas a auxiliar os jovens no seu processo de autoconhecimento, bem como a promover a melhoria do convívio escolar e comunitário”, diz o texto.

A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) respondeu à reportagem, que entre as ações que a Secretaria promove está o Serviço de Psicologia Escolar, com atuação em diversas frentes, tais como: acolhimentos individuais, intervenções coletivas, palestras e orientações para todos os membros que compõem a escola. São 12 profissionais de psicologia, além de estagiários, que trabalham diretamente com estas atividades. A capital cearense possui 619 unidades, entre escolas, creches parceiras e Centros de Educação Infantil.

DEMANDA

Em entrevista exclusiva ao OPINIÃO CE, a professora Paula Silva (nome fictício) da Rede Municipal de Ensino revelou que “de forma alguma” o número de psicólogos para as escolas de Fortaleza contempla a demanda.  “O ideal seria que em cada unidade estivesse um psicólogo e, se possível, também um estagiário. São muitas demandas. A escola é muito dinâmica”.

A solução possível, segundo Silva, pode ser a escuta ativa. “Aquela criança ou adolescente vai passar boa parte do seu dia com o professor. É preciso haver uma relação de afeto e respeito mútuo entre ambos, para que eles possam se sentir acolhidos, ouvidos e valorizados. É preciso que se crie dinâmicas onde eles sejam os protagonistas. As atividades devem girar em torno da própria realidade deles”, complementa a professora, que acredita que, para lidar com bullying, a tríade professores, país e alunos devem e precisam caminhar juntos.

“Rodas de conversa, mediação e colocar os pais para serem figuras ativas na escola”, completa Paula Silva. Para fortalecer esse trabalho, a Secretaria informou à reportagem que conta com a Célula de Mediação Social e Cultura de Paz, criada em 2013, concentrando esforços em desenvolver uma política de prevenção e resolução de conflitos escolares para a disseminação da cultura de paz na Rede Municipal, por meio de ações diversas, onde se destaca o Projeto Escola Mediadora que Promove a Paz (Em Paz).

Entre os trabalhos realizados, estão a mediação de conflitos, diálogos sobre comunicação não-violenta, círculos de construção de paz, justiça restaurativa, entre outras.

DISCUSSÃO NA CMFOR

Nesta semana, a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), trouxe o tema para o plenário. Visando garantir o acompanhamento psicológico para os alunos matriculados na rede municipal de ensino, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aprovou o Indicativo n.º 202/2022, que autoriza a Prefeitura de Fortaleza a criar o programa “Posso te ouvir” nas escolas. A proposição é de autoria do vereador Marcelo Lemos (União Brasil).

O programa “Posso te ouvir” tem como finalidade estabelecer estratégias de apoio aos alunos, matriculados na rede pública municipal de ensino, que apresentem características psicológicas que necessitem de acompanhamento. Na justificativa do projeto, o vereador Marcelo apontou a necessidade do acompanhamento psicológico na infância e adolescência, ainda mais em um momento em que a sociedade ainda se recupera da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.

“As questões referentes a saúde mental configura-se como um das mais afetadas e quando o nicho social é composto por crianças e adolescentes a situação agrava-se mais ainda já que os mesmos tiveram que ficar em casa assistindo aula por meio de conteúdos on-line. Sem sombra de dúvidas essa mudança repentina afeta o lado psicológico dos alunos que estão em processo de formação pessoal e educacional. Poder oferecer apoio psicológico em loco é uma ação que pode minimizar os efeitos negativos da covid-19, além de tratar de outras questões relacionadas a infância e adolescência”, ressaltou o parlamentar.

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