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13 de maio de 2025

“Que o próximo governador sente com o setor produtivo e converse”

Presidente da Faec, agropecuarista Amílcar Silveira destaca, em entrevista ao OPINIÃO CE, que setor emprega cerca de 936 mil pessoas no Estado e comenta período da pandemia para produtores, entre outros assuntos

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Natural de Quixadá e atual presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), entidade que representa cerca de 395 mil propriedades rurais, Amílcar Silveira enxerga o potencial cearense no setor, que emprega mais de 930 mil pessoas no Ceará, e cobra do Estado maior diálogo e investimento. Em entrevista ao OPINIÃO CE, na sede da Faec, em Fortaleza, o agropecuarista avaliou os principais desafios de sua gestão, até 2025; pontuou avanços e críticas ao governo de Camilo Santana (PT), que se descompatibilizou do cargo no último dia 2 de abril; e projetou a postura da entidade diante do próximo nome a ocupar o Palácio da Abolição.

OPINIÃO CE – Como dimensionar o potencial do Ceará no agronegócio?

AMÍLCAR SILVEIRA – Gigante. Em 2017, dos dez maiores produtores de leite do Brasil, três eram cearenses. Temos o maior produtor de camarão do País e o maior produtor de melão do mundo. Essa área fortalecida é sinônimo de comida barata na mesa do consumidor. Quanto mais produzirmos a um preço justo e competitivo, mais barato será o alimento na mesa. O nosso setor é importante, emprega cerca de 936 mil pessoas no Ceará. Temos 395 mil propriedades rurais, e isso é um fator impressionante aqui para nossa economia. Inclusive, achamos que é preciso que os órgãos públicos vejam com outros olhos o agronegócio no Estado.

OPINIÃO CE – Como seria essa visão?

AMÍLCAR SILVEIRA – Em outros estados, isso já existe. A economia primária já funciona muito bem. No Ceará, quando se tira a Região Metropolitana de Fortaleza [RMF] e se puxa para a economia rural do Interior, ela cresce submaneira. Precisamos imaginar que o agronegócio seja, em um futuro próximo, um bom negócio para o desenvolvimento do Ceará. Somos 22% da população do Estado que estão nas áreas rurais – não necessariamente que trabalham [no agronegócio]. Nestes 22%, temos 66%¨da pobreza. É um número que não gostaríamos que existisse. Quando falamos apenas da agricultura, temos 5,17% do PIB. Quando se coloca a agroindústria passamos para mais de 14%. É um setor importante, que necessita de um outro olhar, principalmente para a diminuição da pobreza no campo.

OPINIÃO CE – Esse é o principal desafio da sua gestão?

AMÍLCAR SILVEIRA – É uma responsabilidade nossa. Essa divisão de pequenos, médios e grandes produtores para nós não funciona. Acho que produtor rural só tem um tamanho. Na Federação da Agricultura, é isso que estamos colocando. Os pequenos de hoje serão os médios de amanhã e os médios serão os grandes do futuro. São essas pessoas, que estão abaixo da linha da pobreza, que queremos inserir na economia. Se colocarmos esses que estão abaixo da linha da pobreza no mercado econômico, a gente consegue dobrar o agronegócio no Ceará.

OPINIÃO CE – Quais exemplos podem nortear essa ideia?

AMÍLCAR SILVEIRA – Para desenvolver o agronegócio, é preciso crédito e assistência técnica. As pessoas, às vezes, não sabem produzir. Um trator, hoje, é controlado por um joystick. No passado, era uma direção manual. Essas coisas mudaram muito rapidamente, e as pessoas não acompanharam. Temos que forçar uma economia agrária mais forte e, com assistência técnica e crédito, conseguimos melhorar a vida no campo. E já estamos fazendo isso. Na federação, temos hoje 183 turmas de assistência técnica.

Vamos passar para 400, que representa 12 mil produtores que serão atendidos. Para quem tem mais de 300 mil propriedades, fazer 12 mil não parece o bastante, mas é o possível. Nosso orçamento para fazer isso tudo será de cerca de R$ 60 milhões em dois anos. Acho que o Governo, inclusive, deveria ter essa mesma sensibilidade porque é uma forma de mudar a realidade.

OPINIÃO CE – Os setores da indústria (13,35%) e de serviços (5,96%) puxaram o crescimento de 6,63% do Ceará em 2021. A agropecuária, no entanto, teve uma retração de 4,71% no período. O que explicar esse cenário?

AMÍLCAR SILVEIRA – Não foi só a pandemia. Somos, aqui, importadores de grãos. O saco de milho, por exemplo, custava R$ 37 e hoje custa R$ 93. Então, ele disparou, encarecendo nossos produtos. Por qual motivo? Houve uma procura maior da China para comprar produtos derivados de soja e milho e acabamos prejudicados. Esse foi um dos principais fatores. Em 2022, se se materializar o período chuvoso acima da média, com certeza vamos ter uma grata surpresa. Quando existe um inverno em abundância, conseguimos aumentar sobremaneira. Fora isso, estamos melhorando o jogo para que os produtores rurais possam trabalhar.

Uma das medidas é a outorga d’água e licença ambiental, dois entraves que prejudicavam o agronegócio do Ceará. Para ter ideia, era necessário em média 211 dias para uma outorga d’água ser liberada. Hoje, graças à ajuda do Francisco Teixeira [secretário de Recursos Hídricos do Ceará] e do João Lúcio [presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado], vamos fazer isso em até 7 dias. Se for um pequeno produtor, pode tirar de forma declaratória na internet, em 10 minutos.

OPINIÃO CE – Vivemos um aumento no preço dos alimentos em todo o Brasil. Quando será possível uma melhora?

AMÍLCAR SILVEIRA – É difícil prever, mas acredito que de seis meses a um ano. O agronegócio não parou durante a pandemia. Para nós, é fato consumado. O que ela fez foi aumentar alguns insumos, como no caso dos fertilizantes. Isso foi consequência da pandemia e do aumento do petróleo devido à guerra na Ucrânia. O Brasil importa 85% dos fertilizantes e 22% vêm da Rússia. Fomos impactados e isso reflete, infelizmente, no consumo final. No nosso setor, existe uma falha estratégica do Governo.

O alimento é, hoje, questão de segurança nacional e o país que tem alimento em abundância é seguro. O Brasil tem alimentos para mais de duas de sua população. Somos seguros da nossa alimentação, mas importadores de fertilizantes. Isso é um erro estratégico que precisa ser resolvido e estamos ajudando aqui no Ceará. Na região de Santa Quitéria, por exemplo, lutamos para que a mina de fosfato volte a funcionar, até 2025. Vamos ter algumas audiências, em maio, e defendemos um consórcio. Ela representa 7% do fosfato no Brasil e isso é importante.

OPINIÃO CE – Qual avaliação das políticas do governo Camilo Santana [PT]?

AMÍLCAR SILVEIRA – Reconheço no governador Camilo Santana um homem de diálogo, mas para o nosso setor ele deixou muito a desejar. As políticas da gestão dele foram voltadas para o que ele chama de agricultura familiar e que eu chamo de agricultura de subsistência. Nada contra isso. Mas essa política de divisão dos produtores rurais não nos agrada. Acho que o governador Camilo saiu bem avaliado, mas com uma dívida com o agronegócio.

Aliás, disse isso para o senador Cid Gomes, acho que desde Tasso Jereissati até hoje, todos os governadores que passaram têm uma dívida com o setor primário. Espero, sinceramente, que o próximo governador sente com o setor produtivo e converse sobre o futuro do agronegócio do Ceará. Eu, particularmente, reconheço Camilo como um bom governador, mas acho que ficou devendo ao nosso setor. Lamento, até porque Camilo é engenheiro agrónomo. Era para entender, mais que nós.

OPINIÃO CE – Qual a expectativa de diálogo com o próximo nome do Palácio da Abolição?

AMÍLCAR SILVEIRA – A nossa política é para o agronegócio, não é político-partidária. Não vamos entrar nessa celeuma. Vamos procurar construir com o governador que vier uma política para o agronegócio. Não temos ideologia partidária alguma, mas estamos aqui para aplaudir ou criticar quem errar ou acertar. Da maneira que formos consultados para construir isso juntos, vamos fazer. A nossa política é para melhorar a vida do produtor rural e será assim até o fim do nosso mandato.

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