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24 de março de 2025

Projeto no sertão cearense mostra que conviver com o semiárido é combater a fome

Experiência desenvolvida pela Cáritas de Sobral garantiu soberania alimentar e econômica para dezenas de famílias na Zona Norte
Casa de Semente nas Contendas, Sobral. Foto: Alana Soares para Cáritas Ceará

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A superação da fome não passa só pela entrega de alimentos, mas pela garantia da soberania da população. É nesse contexto que a Cáritas Diocesana de Sobral, desde o final do último século, vem trabalhando, a partir da convivência no semiárido, uma lição que só veio a ser aprendida e absorvida na primeira década dos anos 2000. A noção de “combate à seca” perdurou — e ainda perdura — em políticas públicas, enquanto o sertanejo já enxergava, do seu jeito, a importância de adaptar-se às irregularidades das chuvas e, consequentemente, à escassez hídrica.

Em uma série de reportagens especiais, o OPINIÃO CE destaca as ações desenvolvidas no Estado para o combate à fome. Entre as iniciativas estão o Ceará Sem Fome, o Cartão Mais Infância, além de projetos sociais produzidos no Interior do Ceará voltados à população mais carente.

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O trabalho de ação social e comunitária na região Norte do Ceará começou em 1997, período de grande seca no Estado. A partir daquele ano, a Cáritas de Sobral deu início ao Programa de Convivência com o Semiárido (PCSA), que, além da assistência às famílias, com doação de cestas básicas, avançou no desejo de garantir a segurança hídrica. Com isso, esteve no projeto-piloto da construção de cisternas de placa, algo que ainda engatinhava no Brasil.

“Ter alimento passa pela condição de ter água para a família, para consumo humano e produção”, enxerga Zé Maria Gomes Vasconcelos, coordenador-geral da Cáritas de Sobral. A princípio, a entidade atuou em regiões mais vulneráveis de Santana do Acaraú e de Sobral. Com a criação do Programa Cisternas e a parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), passa a trabalhar com as cisternas para consumo humano, de 52 mil litros, para a produção de alimentos e criação de pequenos animais, semente de projetos alternativos comunitários anteriores, que envolviam aves, caprinos e ovinos, que surgiram a partir de 2000.

Com a perspectiva de as famílias garantirem alimento de qualidade, aproveitando o potencial e o aspecto de armazenar e selecionar suas sementes, a entidade deu início ao Programa Casas de Sementes Comunitárias. “São locais onde as famílias se reúnem, fazem um roçado comunitário, produzem as sementes, que são selecionadas e armazenadas para serem reproduzidas no ano seguinte. Os grãos que não servem para reprodução comercializam ou se tornam alimento para animais”, descreve Zé Maria.

Foto: Ivo Sousa para Cáritas Ceará

A ação se fortaleceu com a articulação e apoio de Casas de Sementes e da Rede de Intercâmbio de Sementes (RIS) para manutenção e gestão dos equipamentos, formações sobre sementes crioulas, manejos, agroecologia e incidência nas políticas públicas de segurança e soberania alimentar e nutricional. Ao todo, são 80 casas de sementes comunitárias, com 2.400 famílias sócias, que produzem, selecionam e armazenam as sementes crioulas.

A partir de toda essa estrutura, os grupos produtivos começaram a produzir e criar as suas feiras, que mantêm-se em funcionamento em vários municípios, como Morrinhos, Forquilha, Massapê, Santana do Acaraú e Sobral. Além disso, foi criada a feira virtual e itinerante, que dispõem de vários produtos da agricultura familiar, como cheiro verde, batata, macaxeira, doces e bolos.

COMBATE À FOME

A Campanha da Fraternidade 2023 trouxe “Fraternidade e Fome” como tema. Ela foi o pontapé para a Cáritas Diocesana de Sobral criar um espaço de acolhimento para as famílias em situação de rua. Hoje, o local atende 70 pessoas, com café da manhã. Além disso, dispõe de área para higiene e para lavar roupas. O trabalho começou em 2022, mas se concretizou em março de 2024.

Foto: Ivo Sousa para Cáritas Ceará

Paralelo a isso, a entidade se tornou uma unidade gestora do programa Ceará Sem Fome, coordenando o trabalho de 37 Cozinhas Comunitárias nos municípios de Sobral, Groaíras, Forquilha, Alcântaras, Massapê, Santana do Acaraú e Senador Sá. Ao todo, são ofertadas quase 6 mil refeições diárias para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. “Hoje, estamos avançando em duas frentes: a primeira, de favorecer a geração de renda local, dando preferência à compra de insumos no comércio dos próprios municípios. A outra, foi inserir as cooperativas de agricultores e agricultoras familiares”, detalha Zé Maria.

A Cáritas possibilitou que parte do recurso do programa estadual, cerca de R$ 60 mil, seja utilizado para a compra de itens como cenoura, beterraba, feijão e macaxeira, frutos da agricultura familiar. A agricultora Cleide Pereira, de Forquilha, é uma das beneficiadas. “No Ceará Sem Fome estamos fornecendo o jerimum, que já é uma ajuda”, celebra. Sua família foi uma das primeiras a serem beneficiadas com as cisternas, em 2002, o que mudou sua qualidade de vida. “Tudo o que a gente tem hoje é diferente do que aquilo que a gente tinha”, reconhece.

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