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4 de outubro de 2024

“Pode ser que o rompimento gere um segundo turno no Ceará”

Cientista política e socióloga, Carla Michele Quaresma analisa o fim da aliança entre PDT e PT e os desdobramentos para as eleições
Foto: Arquivo Pessoal

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As eleições de 2022 estão se aproximando, e o cenário estadual e nacional estão com disputas cada vez mais acirradas. Objetivando entender melhor o contexto atual político, o OPINIÃO CE conversou com a cientista política e socióloga Carla Michele Quaresma. Disputa ao Governo do Ceará, ao Senado e à Presidência da República, comportamentos sociais e participação da mulher na política foram dialogados na entrevista. Confira.

OPINIÃO CE – Como a senhora analisa a repercussão atual da cisão entre PT e PDT?

Carla Michele – Esse rompimento de uma aliança construída de forma muito exitosa no Ceará acontece em meio a uma dificuldade de encontrar espaço para as mais diversas lideranças que se formaram ao longo dos últimos anos. O ex-governador Camilo Santana [PT] é uma dessas grandes lideranças. Então, é difícil manter um um grupo político com tantas lideranças querendo ter interferência nas decisões, principalmente em períodos eleitorais. Era um grupo coeso, que se acostumou com a indicação de candidaturas a partir de uma intervenção dos Ferreira Gomes.

Com a autonomia e o espaço que o Camilo foi ganhando, se constituindo como um quadro político importante do Ceará, com um índice de aprovação muito alto, ele quis ter mais participação e ativa na aliança. Isto não foi possível, e daí essa ruptura. Mas eu olho também por um outro aspecto. Os números indicavam que as intenções de voto no candidato governista poderiam não ser suficientes para que a campanha fosse para o segundo turno no Estado. Então, há um projeto político que, em virtude do tempo, desgastou-se e não deu mais respostas. Problemas muito sensíveis na área de saúde e segurança se tornaram mais evidentes.

Houve uma dificuldade muito grande, por parte desse grupo governista, de apresentar uma candidatura que fosse competitiva, que conseguisse levar a campanha para o segundo turno. As pesquisas estavam apontando uma ampla vantagem do Capitão Wagner [União Brasil], e o rompimento fez com que aparecesse um nome novo, até inusitado. Até o momento de anúncio, não era o nome esperado do PT. Mas se gerou um nome novo, uma alternativa para as pessoas que estavam descontentes com um projeto político capitaneado pelos Ferreira Gomes.

Pode ser que o rompimento gere um segundo turno no Ceará.

OPINIÃO CE – O Ceará tem apelo Bolsonarista?

Carla Michele – É mais uma coligação que demonstra a fragilidade dos partidos políticos no Brasil. São estruturas sem ideologia e pouco programáticas. Então, numa mesma aliança, você tem um candidato a governador que apoia a uma candidatura a Presidente da República, no caso do Capitão Wagner, que manifestou apoio à senadora Soraya Thronicke. A Kamila, que é candidata ao Senado Federal, é do partido político que hoje apoia o ex-presidente Lula. E o vice-governador na chapa do Capitão Wagner é do PL, que é o partido do Presidente da República e obviamente tem que se alinhar ao bolsonarismo.

Inclusive como estratégia de sobrevivência política, o Raimundo Gomes de Matos durante muito tempo foi parlamentar pelo PSDB, e o PSDB foi minguando no Ceará, perdendo as suas principais lideranças. Então, com essa ascensão do bolsonarismo, a partir de 2018, muitas lideranças políticas acabaram migrando para ficar nesse abrigo bolsonarista, como uma tentativa de sobrevivência.

Veja: numa mesma chapa existe o apoio a uma senadora que é crítica do presidente Bolsonaro, que partiu dessa onda bolsonarista, mas se afastou, e hoje é crítica do presidente Bolsonaro, a candidata ao Senado, que é de um partido político que apoia o ex-presidente Lula; e o candidato a vice-governador apoia o presidente Bolsonaro. Isto demonstra uma fragilidade muito grande dos partidos políticos no Brasil que não são ideológicos, que não são programáticos, em sua grande maioria.

Foto: Arquivo Pessoal

Mas o Capitão Wagner tem um capital político que é anterior ao presidente Bolsonaro. Ele conseguiu construir uma trajetória política independente do bolsonarismo. E, se é verdade que o eleitor do Bolsonaro e sua grande maioria votam no Capitão Wagner, o eleitor do Capitão Wagner é muito disperso, por sua vez. É um eleitor que, algumas vezes, é também eleitor do presidente Bolsonaro, mas ele tem eleitores que votam no ex-presidente Lula, também.

Foi providencial para o Capitão Wagner o lançamento de uma candidatura do próprio partido político, porque isso gera uma uma posição mais confortável pra ele.

OPINIÃO CE – Se está falando muito em violência nestas eleições. Como a senhora vê essa questão? Não só a segurança dos candidatos, mas também dos eleitores…

Carla Michele – Essas campanhas eleitorais nunca mobilizaram somente a razão. Os eleitores são muito movidos por sentimentos. Claro que nos centros urbanos isso é menos sensível, menos perceptível. As pessoas são menos afeitas a essas discussões nos grandes centros urbanos, mas a utilização das mídias sociais acabou gerando também essa possibilidade que as pessoas se manifestem mais. E, obviamente, que repercute também em atos de violência.

É muito provável que com o acirramento e com o andamento da campanha eleitoral haja também um aumento no número de casos de violência envolvendo eleitores entre si, eleitores com candidatos, candidatos com eleitores. Isto será muito recorrente nesse pleito.

OPINIÃO CE – Baseando-se nas eleições de 2018, onde o ponto forte da eleição de Bolsonaro foi o uso da Internet, qual o peso da influência de Rádio e TV nessas eleições?

Carla Michele – Sem sombra de dúvidas, os candidatos se utilizarão muito mais das mídias sociais na propagação das suas ideias, das principais plataformas, do dia a dia das campanhas eleitorais. Mas há segmentos expressivos da sociedade que têm um acesso limitado ou simplesmente não têm acesso à Internet. Para esse público específico, o horário gratuito de propaganda eleitoral é importantíssimo. Além disso, é a partir do horário gratuito de propaganda eleitoral que as pessoas costumam perceber que estão em ano eleitoral. Então, elas começam a se envolver mais com os assuntos políticos.

OPINIÃO CE – Hoje o Senado conta com 234 candidaturas, onde 70% são homens e 30% mulheres, aproximadamente. Na visão da senhora, qual a grande dificuldade de chegar num percentual de 50/50?

Carla Michele – A política nasceu como atividade eminentemente masculina e permaneceu assim durante muitos séculos. Foi somente no final do século XIX que essa demanda para a participação política proveniente de mulheres foi incorporada. É um caminho ainda que precisa ser percorrido. No Brasil, a partir dos anos 1990, foi adotado um modelo de cota de gênero, que vem gradativamente proporcionando esse aumento de representatividade feminina, mas obviamente que ainda há um desafio muito grande. As mulheres são sub-representadas e mesmo existindo uma determinação legal de que 30% dos recursos do fundo de campanhas eleitorais sejam destinados às candidaturas femininas, mesmo com esse incentivo de contagem em dobro de votos de mulheres para fins de distribuição dos recursos públicos para as campanhas para os partidos políticos, ainda há um desafio muito grande.

Os partidos não fazem o investimento necessário, que também é determinado pela legislação. Um percentual de investimento em participação fomenta a participação feminina. Ainda há uma dificuldade muito grande dos partidos terem essa compreensão, pois os partidos são formados em sua grande maioria por homens, e as diretorias são exclusivamente masculinas. Houve um um aumento muito tímido no percentual de candidaturas este ano. É provável que isso repercuta no número de cadeiras, que haja alguma alteração da representação, principalmente do Congresso Nacional, mas, se nós considerarmos que as mulheres representam a maioria da população, ainda há muito caminho a ser percorrido para se chegar a essa representatividade.

OPINIÃO CE – E como você se sente sendo uma mulher ocupando esse espaço de fala como uma especialista?

Carla Michele – Esse espaço, inclusive da análise do campo da política, esteve durante muito tempo ocupado somente por homens. Nas próprias faculdades de Ciência Política, os cursos são muito exíguos, e as faculdades têm a maioria dos alunos do sexo masculino, Há uma dificuldade grande ainda das mulheres terem disposição para enfrentar o campo da política, mesmo como analistas ou cientistas do campo da política. E também nos principais meios de comunicação. O universo da política parece ser um universo complexo, que envolve muito jogo, e as mulheres ainda são consideradas, por causa de uma cultura extremamente machista, incapazes de analisar esse campo e de perceber esses movimentos que são muito relacionados à questão de gênero, ao que é ser homem na sociedade brasileira.

OPINIÃO CE – O que você espera das eleições?

Carla Michele – As eleições representam um momento muito importante para a democracia, porque é esse também o principal período de prestação de contas, em que esses candidatos devem dizer o que eles já fizeram, quais são as grandes contribuições que deram. Então, algumas eleições funcionam como um plebiscito, por isso é imprescindível que os agentes do campo da política tenham mais atenção na condução de seus mandatos. Mas ainda: é um mecanismo distante para grande maioria da população, de entendimento, de compreensão, por exemplo, de como funciona a lógica do voto proporcional, de entender a importância dos partidos políticos, de elaborar melhor a construção do que deva ser o ideal de sociedade.

Entender que esse ideal de sociedade pode ser construído pela atividade política, perceber que o momento eleitoral ainda é um momento difícil para grande maioria das candidaturas, por causa da ausência de investimentos. Ainda há um desafio muito grande. Mais do que isso. Passado o período eleitoral, é importante o monitoramento dos mandatos. Ninguém acompanha mandato. Muitas vezes, a grande maioria dos eleitores nem sequer lembram quais foram os candidatos escolhidos. Um dos grandes desafios para além das eleições é ter a cultura política da participação fomentada no país.

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