Especialistas ouvidos pelo OPINIÃO CE apontam que a circulação de desinformação nas plataformas gera dinheiro para gigantes da tecnologia, alvos do PL 2630/20, parado no Congresso
Ingrid Campos
ingrid.campos@opiniaoce.com.br
Com rejeição da base do governo, do Planalto e das big techs, como são chamadas as gigantes da tecnologia, o projeto 2630/20, conhecido como PL das Fake News tem encontrado problemas para avançar no Congresso Nacional.
As últimas ações relacionadas à tramitação da proposta desde abril, quando foi negado o pedido de urgência para o seu andamento, referem-se à apensação de outros textos à matéria original.
À época, o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu que “entrou em campo” para impedir que o projeto tivesse mais celeridade no Congresso, fazendo contato com deputados e senadores. Mas não só a pressão do governo é determinante na paralisação dessa matéria no Legislativo: as big techs têm feito campanhas massivas contra a proposta em várias plataformas.
“De uma maneira geral, a interferência do Estado em uma empresa privada nunca é bem vista por essas empresas porque dado, hoje em dia, é dinheiro, a forma como a desinformação circula nas plataformas gera dinheiro para elas”, explica a jornalista Alice de Souza, autora do O Grande Boato.
A análise é a mesma de Gabriela Farias, doutora em Ciência da Informação. “Até o momento, as big techs se utilizam da liberdade e da falta de regras claras para manipular e moldar a comunicação segundo seus interesses. Temos que observar que essas gigantes controlam diversos nichos dos mercados digitais, tendo acesso a um volume enorme de dados gerados pelos usuários das redes sociais, facilitando o domínio em influenciar o comportamento do indivíduo e suas práticas informacionais”, afirma.
CARTA ABERTA CONTRA A PROPOSTA
No fim de fevereiro, empresas como Meta (antigo Facebook), Twitter, Mercado Livre e Google lançaram uma carta aberta contra a proposta. No texto, as big techs citam que a medida “pode acabar favorecendo apenas os grandes e tradicionais veículos de mídia”, prejudicando “o jornalismo local e independente, além de limitar o acesso das pessoas a fontes diversificadas de informação.”
O trecho refere-se a dispositivo do PL que trata sobre pagamento das plataformas a veículos de imprensa. Para Israel Barros, professor do curso de Segurança da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC), essas empresas ainda temem “a possibilidade de sofrerem processos judiciais caso não atendam às questões impostas pelo PL das Fake News, já que afirmam que o projeto não está ‘claro’ para elas.”
Caso semelhante aconteceu recentemente. O aplicativo de mensagens Telegram teve que indicar um representante oficial no Brasil e remover de links no canal oficial de Bolsonaro que permitiam baixar documentos sigilosos da Polícia Federal para reverter bloqueio imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A determinação visava administrar a circulação de informações na plataforma.
Para os especialistas, as big techs podem adotar comportamento diferente do observado no momento e ajudar governos a controlar a circulação de informações falsas. Essas empresas podem restringir “na fonte a publicação de notícias falsas, discursos de ódio, entre outros, com algoritmos que façam uma verificação se a informação é falsa ou não antes publicada de fato”, indica Barros.
Farias vai além e sugere que as big techs façam “parcerias com as instituições públicas para identificar os conteúdos falsos, pois por meio da arquitetura destas plataformas é possível garantir um ambiente mais seguro e menos suscetível ao alastramento de desinformações. Podem fortalecer, também, educação midiática e habilidades informacionais, além da integridade e transparência na divulgação da informação”, aponta.