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16 de janeiro de 2025

Pequena carta para o meu pai

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“O meu pai é muito valente, matou uma barata!”

Foi morrendo de rir dessa frase do livro de redação, com 10 anos, que comecei a acreditar que podia ser escritora. Esse conjunto de materiais para redação tinha um livro para que pudéssemos colocar os melhores textos e ilustrar no fim do ano. E foi o que fiz.

O senhor disse que eu tinha talento e ia publicar. Demorou quase 30 anos, mas deu certo.

Toda vida acreditou em mim. Mais do que eu.

Quando comecei a vender Avon e Natura, meu primeiro emprego, comprava logo os produtos mais caros para me ajudar. Se tudo desse errado, a gente ia comprar um carro e vender uns bregueços pelo interior nas feiras. Eu, que sempre amei vender, ficava toda empolgada.

Ao realizar o financiamento coletivo do Cidades Invisíveis, comprou 20 livros e fez a maior propaganda. Leu todinho, fez comentários sinceros de melhorias.

Também ia atrás das minhas reportagens assinadas pra ver meu nome no jornal, quando eu comecei a trabalhar. “Mete bronca, Rosinha. Não pare não!”

Nossas parcerias vem desde que eu era criança. Eu ia ser sua secretária quando eu era pequena. Acabei sendo meio office boy na adolescência, porque, quando eu aprendi a andar no Centro, eu trocava os seus cheques no banco, pagava as contas.

Tenho o mapa do Centro na minha cabeça lembrando dos nomes das ruas porque o senhor que me ensinou a me guiar assim.

Lembro dos nossos passeios no Beco da Poeira para comprar roupa e relógios. Nosso rolê de compras juntos. Era short, minissaia, biquíni, tudo adequado pra minha idade de adolescente, sem frescura. Às vezes, o senhor trazia umas sandálias pra mim da Avenida Monsenhor Tabosa. Eu ficava morta de feliz porque sempre acertava o modelo e o número. “Achei bem engraçadinha essa, Rosinha, aí trouxe pra tu”, falava.

Caminhava comigo quase correndo para eu emagrecer. Mandava a real sobre os homens, para eu não me iludir.

Ficava me esperando até 22h na escola para a gente voltar de ônibus pra casa. Vendeu o carro pra pagar o material da minha escola. Passou quatro anos sem transporte para pagar as mensalidades.

Nas fases ruins, o senhor me dava uns carões, eu ficava triste, teimava, mas depois percebia que tinha razão.

Falava para eu ir adiante. Aprender o máximo que pudesse e me colocar em primeiro lugar sempre. Essa lição eu demorei mais para aprender, mas agora tô seguindo à risca.

O senhor sempre me surpreende porque é cheio de camadas. Nossa conversa de junho, mesmo eu te conhecendo há 40 anos, mostrou uma face que eu não conhecia. Teve pólio na infância, mas nunca percebi qualquer sequela. As dores sempre estavam ali, mas não demonstrava. Até hoje, só vi chorando duas vezes.

Eu sei que o senhor é humano. Cheio de falhas, dores, problemas. Todos somos. E sou muito grata. Quero estar mais perto. Perdoe a distância e as diferenças. É que crescer e ser adulto é muito difícil. A gente equilibrar esse monte de pratos e ficar inteiro nem sempre é possível. Eu tô tentando. Aí nem sempre dou conta de tudo que era pra dar.

Outro conselho que você me deu que eu tô seguindo: faça o que der, não se sobrecarregue. Tá bom, pai. Eu tô tentando. Tô chorando agora. Me perdoa, tá? Mês que vem, tô por aí. Obrigada por tudo.

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