Criscério de Almeida, 53, morador do Centro de Fortaleza, está sentindo na pele os efeitos do calor que atinge o Ceará e outros estados brasileiros. Segundo ele, no cenário atual, “ninguém aguenta sair na rua”. Nem em casa o fortalezense consegue um refresco, já que a partir do meio dia, quando o sol “bate” na cerâmica de dentro de seu apartamento, a parede fica “tão quente que dá para fritar um ovo”, revela, em entrevista ao OPINIÃO CE. A alternativa encontrada por Criscério foi visitar o Parque da Liberdade, ou Parque das Crianças, ou ainda “Éden”, como ele chama, localizado no Centro de Fortaleza.
“Do meio dia até às 17h, tem que ficar em praça ou em outro canto. E o melhor [canto] é o ‘Éden’, aqui no Parque das Crianças”, afirma Criscério. O morador do Centro conta que, hoje em dia, as praças geralmente são quentes, mas que o lugar que costuma frequentar é diferente neste ponto. “Aqui [Parque das Crianças] pelo menos tem água, é mais fresco, as árvores são antigas, são maiores e dá mais sombra”.
Além do Parque das Crianças, Fortaleza conta com pelo menos 25 parques urbanos, sendo 14 em áreas com lagoas, além de três microparques. Parques e microparques exercem, entre seus diversos papéis, o de amenizar os efeitos da forte onda de calor que assola o País.

Ao OPINIÃO CE, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informou que há expectativa para que esse número de espaços públicos aumente. Em relação aos microparques, 27 novos devem se juntar aos três já existentes. Entre 2020 e 2023, nos primeiros três anos do prefeito José Sarto (PDT) à frente da gestão municipal, foram entregues os microparques José Leon, na Cidade dos Funcionários; o Seu Zequinha, na Barra do Ceará; e o Aconchego, no Conjunto Ceará I. Dos demais 27 a serem implantados, sete devem ser entregues ainda neste ano. Segundo a pasta, beneficiando aproximadamente 150 mil pessoas, os seguintes bairros receberão as novas unidades:
- Jacarecanga;
- Presidente Kennedy;
- Vila Velha;
- Conjunto Ceará II;
- Siqueira;
- Conjunto Esperança;
- Mondubim;
- Parque Dois Irmãos;
- Aracapé;
- Parque Manibura;
- Jangurussu;
- São Bento;
- Messejana;
- Lagoa Redonda;
- Vicente Pinzón;
- Cais do Porto;
- Sapiranga;
- Jardim das Oliveiras;
- Parangaba;
- José Walter.
A iniciativa trata-se da transformação de uma área degradada em um espaço verde público para o lazer e contato com a natureza. Conforme a Seuma, as áreas escolhidas estão, geralmente, próximas a escolas, “dando mais acesso aos estudantes da rede de ensino pública a um local de natureza, ou equipamentos municipais de saúde”. O projeto, pensado inicialmente para a primeira infância – primeiros cinco anos de vida -, alcançou também pessoas em outras etapas de suas vidas.

Por ter exercido um impacto à população dos bairros onde foi inserida, aliás, a iniciativa conseguiu reconhecimento internacional. Em 2022, venceu o prêmio internacional AIPH World Green City Awards, na categoria “Living Green for Health and Wellbeing”, do inglês “Viver de forma verde para a saúde e o bem-estar”. Já neste ano, foi eleito um dos três melhores projetos sustentáveis do mundo, pelo Seoul Design Award for Sustainable Daily Life, na Coréia do Sul. A seleção avaliou iniciativas de designers e organizações de diversos países cujos projetos tenham contribuído para “um meio mais sustentável e harmônico”, como informou a Seuma.
Em junho deste ano, o prefeito José Sarto assinou a ordem de serviço para a implantação de microparques em áreas da cidade ambientalmente degradadas. O investimento é superior R$ 11,9 milhões.
IMPACTOS DO CALOR
O calor sentido na cidade de Fortaleza, intensificado neste final de 2023 pela ação do El Niño, é um dos problemas que os parques e os microparques urbanos tendem a minimizar. Em novembro deste ano, o Ceará vem apresentando máximas em torno de 39°C. Marcelo Soares, professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), e doutor em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que o calor pode gerar impactos para além da saúde, como na economia. “Nós temos muitos ambientes ao ar livre, por exemplo o próprio Centro de Fortaleza. O comércio é todo baseado ao ar livre e as pessoas vão evitar ir nesses ambientes por causa do calor intenso, então ele gera problemas econômicos também de perda de produtividade dos trabalhadores, que passam a se sentir mais cansados”, explica.
“Fora isso, vai ter uma série de outros problemas. Por exemplo, ele aumenta a taxa de incêndios, que aí gera a degradação, gera problemas respiratórios. Leva a perda de recursos hídricos porque aumenta a evaporação. Há o aumento do consumo de energia também, o que é um problema que pode gerar apagões. Enfim, são vários efeitos, digamos que socioeconômicos e ambientais variados.”
O professor Alexandre Queiroz Pereira, do departamento de Geografia da UFC e integrante do Laboratório de Planejamento Urbano e Regional (Lapur), também da Universidade cearense, destaca, por sua vez, que as cidades devem ser pensadas e planejadas para mitigar os efeitos do calor na população. Segundo ele, a primeira medida que deve ser realizada pelos municípios é aumentar ou preservar os espaços verdes, ou seja, os espaços arborizados. Uma outra perspectiva é evitar o aterro ou a canalização de rios e o desmatamento de matas ciliares, “que é a vegetação que bordeia rios e lagoas”. Essas providências, como destaca a Seuma, fazem parte das mudanças estruturais e ambientais previstas nos projetos tanto dos parques como dos microparques urbanos que estão sendo implementados em Fortaleza.

CALOR NÃO É O MESMO PARA TODA A CIDADE
Conforme Alexandre Queiroz, o calor é sentido de forma distinta entre as mais diversas populações da cidade. Enquanto em bairros elitizados, como Aldeota, Meireles e Cocó, são comuns temperaturas mais amenas, na periferia da Capital essa situação é menos comum. O professor afirma, ainda, que há pesquisas que mostram esse cenário. “Pesquisas no nosso departamento de geografia já comprovaram, ao analisar as diferenças do tecido urbano de Fortaleza, a partir da coleta de dados diária em várias épocas do ano, que de um bairro para o outro pode haver uma discrepância de mais de cinco graus”, disse.
“Você tem bairros cercados por parques, como por exemplo aqueles bairros ali no Cocó, que estão próximos ao Parque do Cocó. Ali, as condições de formação de um microclima vão dar uma amenidade climática diferenciada e localizada, com uma média de temperatura menor do que por exemplo, em bairros populares, de ocupações, às vezes, informais, onde você pega um lote de habitações de 10 por 20 [metros], e você tem todo aquele lote ocupado, com duas ou três habitações ou uma mesma habitação com três ou quatro famílias”, completou.
Nessas moradias, como aponta Alexandre, não existe “espaço para recuo ou para jardins”. “Você tem só construção, e essas construções estão uma ao lado da outra, formando uma massa de residências”. Regiões da cidade como os quadrante noroeste e sudoeste de Fortaleza, desde a Barra do Ceará ao Grande Bom Jardim, são uns dos locais em que há este tipo de ocupação.

RECUPERAÇÃO
Além da construção de novos espaços, há uma preocupação em garantir a revitalização de áreas já tradicionais em Fortaleza. A Lagoa do Mondubim, por exemplo, foi entregue em agosto deste ano. Além disso, parques urbanos, como o Rachel de Queiroz e o Passaré, já foram revitalizados pela Prefeitura, em parceria com o Governo do Estado, e contam com uma estrutura completa para atrair os fortalezenses e incentivar o uso do espaço público. A gestão municipal também já requalificou o Parque Lagoa da Viúva, no bairro Siqueira.
Atualmente o Município realiza obras de urbanização e proteção de áreas verdes na Lagoa da Messejana, Lagoa da Itaperaoba, Lagoa do Urubu, Lagoa do Opaia e Lagoa do São Gerardo.
Na Lagoa da Messejana, por exemplo, segunda maior lagoa de Fortaleza, as obras acontecem entre a avenida Frei Cirilo e a rua Granja Castelo, com a urbanização de toda a área. Os moradores devem receber um espaço totalmente requalificado, com restauro do guarda-corpo da lagoa, instalação do madeiramento do piso do novo píer, reforma das calçadas, concretagem da pista de skate, reforma da quadra poliesportiva, além da instalação de uma nova Areninha. O investimento é de R$ 9,5 milhões. O objetivo é garantir mais conforte e opções de lazer à população da capital cearense.