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8 de dezembro de 2024

Os pensamentos que voam na garupa das motos por aplicativo

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Costumo dizer, todos os dias, que tenho dado trabalho para o meu anjo da guarda. A razão é eu ainda insistir em percorrer algumas distâncias utilizando as motos por aplicativo. Apesar de saber dos riscos e do frio na barriga que sinto descendo algumas ladeiras, não compensa financeiramente pegar um carro em um dos percursos. Poderia ir de ônibus, mas ele demora mais de meia hora. Para o outro trajeto, não há transporte coletivo que dê conta e prefiro pegar um carro apenas na volta.

Nesses quase dois anos de aventura, desde que voltei a trabalhar presencialmente, aconteceram muitas situações engraçadas e outras, nem tanto.

Uma vez, peguei um motorista surdo, o que me deixou quase em pânico. Como ele ia perceber as buzinas? E agora, será se eu cancelo? Preferi confiar em Deus e, com as mãos geladas e trêmula, eu desci da moto no meu destino. Nesse dia, era um supermercado do início da Avenida Bezerra de Menezes. Eu tinha ido caminhar na Avenida Beira-Mar depois do trabalho. Ele fez muito bem o seu trabalho, apesar da minha desconfiança.

Outra viagem desagradável foi quando eu, apressada, peguei a moto sem checar a placa. O motoqueiro passou direto depois do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Foi aí que eu percebi que tinha algo errado. Era para outra pessoa. A sorte foi que ele me deixou no trabalho e eu paguei o proporcional. Essa minha desatenção…

Percorrendo Fortaleza em ruas diferentes das habituais, especialmente quando vou para a terapia das sextas-feiras, encontro os pequenos tesouros: as casinhas antigas em ruas do começo da Aldeota. Nessas horas, lamento pelo dinheiro pouco para comprar e salvá-la da demolição. Ah quem dera poder ter um bangalô charmoso com um pé de jasmim e um murinho baixo… Fico sonhando enquanto tento esquecer o frio na barriga passando pelos buracos, pertinho dos ônibus e caminhões no horário de pico.

Outro dia, a imagem de um senhor fazendo malabarismos com pedras da rua na Avenida Dom Luís me fez sentir uma mistura de medo e pena. No sinal, eu e os outros motoqueiros nos entreolhávamos, sabendo que aquele senhor, aparentemente em situação de rua, poderia nos machucar com aquelas pedras. Bastava que ele quisesse. No entanto, ele fez sua arte e se foi. Descalço, pernas encardidas, emagrecido e com roupas rasgadas. Qual seria a sua história? Com quem aprendeu?

Outra situação triste é a do Papai Noel pedinte, no cruzamento das Avenidas Filomeno Gomes e Francisco Sá, na Jacarecanga. Será que ele já trabalhou em algum evento? Como se tornou pedinte? Tem família?

Eu faço de tudo para esquecer o medo enquanto estou na garupa tentando chegar ao meu destino. Sempre vou pedindo a Deus que não me leve quando desço o viaduto da Avenida Mister Hull, na fronteira com a Caucaia. “Senhor, que eu não caia no Rio Maranguapinho! Já estou tão pertinho de casa… Me ajude a vencer mais um dia”, eu falo em pensamento.Será que sou só eu que fico com o pensamento longe quando estou nesse tipo de transporte? Um dia, eu abandono essa vida louca. Eu juro!

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