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24 de maio de 2025

Os passos que fizeram do Ceará referência em transplantes cardíacos no Brasil

João David de Souza Neto é cardiologista e coordenador da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana. Confira entrevista ao OPINIÃO CE
Foto Tatiana Fortes/Governo do Estado/Divulgação

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“Uma cicatriz que eu tenho muito orgulho, da minha nova vida”. As palavras são da professora Ester Emerick Cheron, de 37 anos, transplantada em 2022, que teve a história revelada na última semana, quando o Ceará conseguiu uma importante marca para a saúde pública Estadual. Ester recebeu um dos 500 transplantes cardíacos no Hospital Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, conhecido como Hospital de Messejana, fundado em 1933 e localizado em Fortaleza.

A marca a qual ela se refere é da cicatriz da cirurgia que a possibilitou uma nova vida. O número em destaque, dos 500 transplantes alcançados, consolida a unidade cearense de referência como o segundo maior hospital transplantador do Brasil, atrás apenas do Instituto do Coração, em São Paulo, com mais de 1.000 transplantes. Ao todo, na unidade cearense, foram 423 transplantes adultos e 77 pediátricos.

O médico cardiologista João David de Souza Neto, coordenador da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana, tem papel fundamental nessa trajetória. Foi ele quem atendeu Ester e outros inúmeros pacientes que ganharam uma segunda chance. Para ter ideia, o cardiologista, formado em Pernambuco, participou dos primeiros transplantes cardíacos no Ceará, entre os anos de 1993 e 1997. Em entrevista ao OPINIÃO CE, o coordenador destaca a importância do feito alcançado pela unidade cearense e enaltece o trabalho daqueles que, na ponta, tornam o sonho de muitos possível novamente.

OPINIÃO CE: Como se dá sua atuação no Hospital de Messejana?

JOÃO DAVID: Sou formado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, em 1975, com especialização em Cardiologia e Medicina Intensiva, e doutorado em Cardiologia. No Hospital de Messejana, já assumi vários cargos. Fui médico da emergência, médico em ambulatório, fui médico da Unidade de Terapia Intensiva, chefe da Unidade de Terapia Intensiva Pós-Operatório, diretor clínico e cheguei até diretor-geral. Criamos, eu com um grupo, a Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca em 1998, que funciona até hoje.

OPINIÃO CE: O Hospital chegou, nesta semana, à importante marca de 500 transplantes cardíacos, o que o credencia como o segundo maior hospital transplantador do Brasil. Qual a importância do feito?

JOÃO DAVID: Representa uma marca. Muito mais que isso, representa uma equipe formada por mais de 30 profissionais, multiprofissionais, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas. São profissionais que trabalham incansavelmente para que a equipe chegasse a esse número e pudesse realizar esse trabalho tão importante, que tem favorecido tantas pessoas que estariam mortas hoje se não tivessem sido submetidas a um transplante de coração. O serviço só tem o sucesso de hoje justamente por isso, porque ele trabalha com a agregação de vários profissionais da área médica e, também, com profissionais que atuam na área administrativa, no transporte, na enfermaria, na terapia intensiva, no centro cirúrgico. Tudo funciona em consonância para o trabalho ser reconhecido.

OPINIÃO CE: Em todo esse processo, como lidar com o lado humano dos pacientes, que estão, muitas vezes, desesperançosos, a exemplo do relato da Ester Emerick Cheron, divulgado na semana passada?

JOÃO DAVID: Nós temos vários relatos semelhantes a este da paciente Ester, que veio de Rondônia. Temos muitos pacientes que vieram de outros estados, como da Bahia, do Pará, do Amapá, com dificuldades de ficar aqui em Fortaleza. Eles se hospedavam em uma casa que criamos em 2001, a Associação dos Transplantados Cardíacos, mas que, infelizmente, devido às dificuldades financeiras e à pandemia, fechou em 2021. Esse movimento fazia com que a gente conseguisse acender a chama de vida em muitos pacientes. Muitos já chegavam desesperançados de ganhar uma nova vida.

OPINIÃO CE: Em algumas campanhas já fixadas no calendário estadual, como o Doe de Coração, fica evidente uma grande procura de pessoas de outros estados pelo Ceará. Como o Estado conseguiu se credenciar com essa marca?

JOÃO DAVID: A doação de órgão é regida pelo Sistema Nacional de Saúde. Doadores são em menor número. Podem doar desde que sejam bem mantidos e que sejam bem diagnosticados para a morte encefálica. A doação de coração foi uma grande impulsionadora da doação de órgãos aqui em Fortaleza. E as campanhas coordenadas pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos contribuíram para isso. Em todas essas campanhas, invariavelmente, o Hospital de Messejana participou ativamente, com sua associação e equipe transplantadora.

OPINIÃO CE: Qual a média de transplantes realizados no Hospital de Messejana? Durante a pandemia, tivemos no Ceará e no Brasil uma redução no número de transplantes. Esse impacto ainda é sentido?

JOÃO DAVID: Nossa média é de 20 a 30 transplantes por ano. Depois da pandemia, no entanto, esse número se modificou. Por toda a nossa capacidade, a que tínhamos de realizar esse número de transplantes, esperamos que ele se repita, como foi em todos os anos antes da pandemia. Em todo o mundo, houve uma queda substancial de transplantes durante a pandemia. Especialmente aqui no Hospital de Messejana, nós tivemos uma queda abrupta nesse número. Isso também se deve ao fato de o Hospital ter se transformado, durante a pandemia, em um hospital de covid, o que, invariavelmente, impediu que nós pudéssemos realizar transplantes. Houve uma queda grande, e agora que estamos nos recuperando.

OPINIÃO CE: Para quem tem interesse em ser um doador, o que fazer?

JOÃO DAVID: Para ser doador de órgãos em vida, basta comunicar à família esse desejo. Quando isso não acontece, havendo a morte encefálica, a família pode autorizar a doação. Isso é o suficiente. O mais importante é que todos sejam conscientizados da importância da doação e de que existem, em todas as cidades, todos os estados, uma fila constante de pacientes com doença renal, doença hepática, doença cardíaca ou doença pulmonar apenas aguardando um transplante para poder sobreviver.

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