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6 de novembro de 2024

Os Artistas não Morrem

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Em meados dos anos 1980, com a efervescência cultural na Universidade e já envolvido pela música e pelos festivais, conheci, na minha sala de aula o Tarcísio Câmara. Ali, em frente ao Centro de Humanidades da UECE tinha um barzinho. Certo dia, convidado pelos amigos, vi aquele canhoto tocando violão com as cordas de destro. Ao observar o meu olhar nos acordes, deu-me o violão e falou: toca! Eu toquei umas canções de João Bosco que ele gostou e disse: “Quero te mostrar um bar ali”.

Jefferson Santos/Unsplash

Foi assim que virei boêmio (hoje, apenas aquela boêmia doméstica) e frequentador do Bar do Raimundinho. Certa vez, deixei o bar, atravessei a rua Alegre e, diante do Oceano Atlântico, me deparei com o Bar do Estoril e depois com o Cais Bar. Menino, para quem não saía de casa, a sedução foi imediata – pelo ambiente e pelos jovens artistas: músicos, instrumentistas, compositores, poetas, cantores e coisa e tal.

Essas vivências renderam-me algumas composições e uma delas acabou por ser selecionada para o Festival de MPB Nossa Voz Nossa Vez. O Festival e a boemia foram tão importantes que deram coragem de tirar da gaveta as canções e decidir a produzir o meu primeiro disco, Ambiguidades de 1993. Como músicos arranjadores convidei os que já conhecia: Luizinho Duarte, (Carlinhos Ferreira, Édson Távora Filho, Webster Lima, Carlinhos Ferreira) já falecidos, Tony Maranhão e outros que passei a conhecer de shows e noitadas como Cristiano Pinho, Mimi Rocha e Aroldo Araújo. Foi no Cais Bar que conheci o Tarcísio Sardinha. Naquele momento, eu não vendia aula nas sextas a tarde e, obviamente, não dava outra – Cais Bar era o point. E, haja violão. Imperdível, era o chorinho no sábado à tarde. Pois então, foi em um desses chorinhos que vararam a madrugada, me dei conta que o Sardinha não apenas tocava o violão maravilhosamente – parecia em transe, mas roncava simultaneamente. Não acreditava no que via. Se o Roland Barthes estivesse visto isso, pirava! Já finalizando o meu CD, Pão (2001), compôs com o amigo Totonho Laprovitera a canção, Me Liga. Pensei: Essa vai ser gravada como foi composta, e é para o Sardinha. Liguei para o mestre e, ele de pronto falou: “Claro professor, amanhã, no estúdio Vila do Adelson”. No estúdio toquei a canção e, ele como sempre muito generoso, disse gostei. De primeira a executou a bossinha com aquela dissonância e beleza a melódica – aquela genialidade com direito a solo de cavaquinho. No Bar do Vaval, numa madruga, chega o Sardinha já com uns drinks. O Fagner que tem um excelente ouvido e é um grande melodista tentava tirar uma canção mais delicada. O Sardinha, então estendeu a mão e falou: Raimundo, não é assim. Me dê o vilão. Acreditem, o Raimundo passou a viola. E, a canção saiu de primeira. Três dias após a partida do mestre Sardinha, outro mestre amigo, também compositor, arranjador e multi-instrumentista Luisinho Duarte nos deixou. Foi o querido Luisinho Duarte quem fez não só arranjo, mas também tocou o violão de sete cordas e o pandeiro da minha canção, Pão que dei nome ao disco. Obrigado natureza, por ter me permitido conviver temporariamente com esses queridos homens-artistas – simples, generosos e geniais.

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