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26 de abril de 2025

O Velho Farol do Mucuripe

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*Esse texto faz parte do livro Cidades Invisíveis, publicado pela autora em 2021 e que permanece à venda por meio do instagram @eukellygarcia. Ilustração foi feita especialmente para a obra pelo artista plástico cearense Vando Figueiredo.

Qual a serventia de um farol? Não seria para orientar os marinheiros sobre a posição da costa? Eu conheço um que se tornou praticamente invisível depois que se tornou obsoleto, o Farol Velho do Mucuripe, em Fortaleza. Hoje, ele não passa de um monte de ruínas em que dormem muitas lembranças de namorados que aproveitaram a sua vista para fazer juras de amor, acredito eu. Depois de ter sido condenado pela Defesa Civil e ter desmoronado a sua cúpula, a Secretaria de Turismo do Estado prometeu um restauro para breve. Foi feito um escoramento e a comunidade que ali reside também não deverá mais sair dali. Haviam planejado uma desapropriação, mas desistiram, para alegria de quem mora ali, com uma das vistas mais lindas da cidade.

Esses dias, fui pesquisar mais sobre os chamados “olhos do mar”, na visão poética do cantor Ednardo e descobri que temos algo em comum, assim como ocorreu com o navio Mara Hope. Em 1983, quando nasci, ocorreu o seu tombamento histórico. O Farol Velho é a segunda edificação mais antiga da cidade ainda de pé. Perde apenas para a Igreja do Rosário.

Estive por lá em 2012, logo quando comecei a ser repórter de rua pela segunda vez. Sonhava em ver de perto aquele prédio. Mesmo sabendo que estava bem deteriorado, até porque era uma matéria de denúncia. Mesmo sabendo que era extremamente perigoso. Eu sabia que aquela era uma oportunidade única. Talvez nunca mais pisasse naquela área da cidade.

Quando fui lá, fiquei tão impressionada com a estrutura  que cheguei em casa ainda matutando. Um prédio de 1846 viu toda aquela região ficar totalmente outra. Possivelmente,  fosse só areia e coqueiros ao redor daquele Farol por muito tempo. Na inauguração, era a época ainda do império. Passou boa parte do Segundo Reinado, atravessou muitos mandatos de presidentes e funcionou até 1957, quando foi construído outro, mais moderno, em uma região mais alta. Em 2017, esse outro deixou de ser usado e construíram um ainda maior. O sexto maior do mundo. Um colosso.

Naquele 2012, eu ainda sonhava que poderia levar meu filho para se admirar com aquela vista e aquela arquitetura. Cheguei toda empolgada pra mostrar uma foto e ele desenhou um parecido. Tinha só 4 anos. O desenho deixei no meu Facebook.

Cá estou eu, muitos anos depois sem nenhuma esperança de ver de novo o farol velho. Naquele tempo, ainda não existiam as facções e tivemos que ir com a polícia. Há alguns anos, ele perdeu a cúpula e algumas partes desmoronaram, por conta da ação do tempo. Implacável. O afeto que a população do Titanzinho tem por aquele lugar fez com que guardassem o que o tempo tombou, assim como as lembranças de antigas brincadeiras, de amores e segredos. 

Para mim, virou cidade invisível. Ainda bem que há fotos. Pinturas. E que pude guardar, aqui dentro, sua vista. 

 

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