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4 de outubro de 2024

O sonho de 42 mil pessoas no Ceará que virou dor de cabeça

Cerca de 40 mil enfrentam dificuldades para pagar o Fies. Economistas explicam que a situação de retração econômica e a falta de facilidades para renegociar agravam o cenário

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Para os 42.272 cearenses endividados com as parcelas do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) os dias parecem passar devagar e um tanto mais caros. Isso se dá porque a renegociação das parcelas do Fies está temporariamente suspensa.

O motivo, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), é a lei que altera alguns pontos da Medida Provisória 1090/2021 (MP 1090/2021) e precisa ser regulamentada para que os bancos possam se adequar aos novos percentuais de desconto.

No Ceará, os inadimplentes têm um saldo devedor de R$ 2,3 bilhões e o valor das parcelas atrasadas soma R$ 279 milhões. O calo da dívida do Fies é realidade nas contas da produtora de conteúdo digital, Juliana Teófilo. Ela cursou Comunicação Social na Universidade de Fortaleza (Unifor).

“Devo ter em torno de R$ 40 mil para pagar ao banco. Meu financiamento foi de 100% e não acho que foi um bom negócio. Infelizmente, a área da comunicação é subvalorizada e, mesmo formada, ganho pouco. Pagar o Fies é um desafio todos os meses”, revela Juliana, entristecida.

Ainda segundo a produtora, nem por parte do Governo Federal ou do banco houve vontade de facilitar para quem renegocia. “A gente renegocia para não ficar com o nome sujo na praça, mas não existe uma real vantagem econômica”, acrescenta. Em todo o Estado, são 125.212 contratos do Fies, segundo o FNDE.

Micaela Santos, designer e fotógrafa, deve cerca de R$ 12 mil e está com o nome negativado por conta das parcelas do Fies.

“Tive o benefício entre os anos de 2016 e 2017, quando o governo [Michel] Temer modificou o financiamento e cortou bolsas, não me permitindo renovar para o ano de 2018. Vi pelo aplicativo do Serasa que minha dívida está chegando a R$ 12 mil. Na época, meu Fies tinha sido de 100%. Pensando melhor hoje em dia, eu não faria novamente, porque foi uma dívida muito grande para, no fim das contas, eu não poder dar continuidade pelo corte do Governo Federal da época.”

Micaela tentou renegociar sua dívida, mas não conseguiu. “Li que tinha saído uma notícia anunciando a renegociação, mas não consegui realizá-la porque tanto no site quanto no banco dizem que está suspensa.”

RETRAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO IMPACTA
Para o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Davi Azim, há uma correleção muito forte com o mercado de trabalho. Quando a economia está em crescimento significa, certamente, que há mais ofertas de emprego. A pandemia, a guerra a e inflação alta traduzem um mercado de trabalho menos aquecido, evidencia.

“Como resultado, temos esses milhões em dívidas do Fies. Além disso, algumas formações não encontram alocação no mercado de trabalho nesse momento”, pontua.

Na avaliação do professor mestre em economia Fran Bezerra, recém-formados que já chegam no mercado de trabalho inadimplentes registram um cenário bastante negativo no Ceará.

“Pessoas terminando seus cursos ou terminaram há pouco tempo já enfrentam o início de carreira com um endividamento elevado e sem condições de pagar. Com isso, essas pessoas ficam com dificuldade de obter crédito, de fazer concursos públicos e, consequentemente, impedidas de ascender financeiramente”, salienta o professor.

AMPLO PERÍODO DE CARÊNCIA
Segundo o professor, a fórmula para resolver isso seria um amplo processo de renegociação em que se desse um bom prazo de carência para que esses estudantes começassem a pagar.

“Além disso, seria importante que suavizassem as condições dessas renegociações para que não tenhamos, em breve, uma bolha de endividamento que se torne até impagável com alto custo social e econômico. Esses mais de 40 mil cearenses inadimplentes que devem ao Fies se somam a outros que estão com o nome sujo no Ceará”, completa.

À ESPERA DE REGULAMENTAÇÃO
Em nota ao OPINIÃO CE, a Caixa Econômica Federal (CEF) informou que a retomada da Renegociação do FIES aguarda a regulamentação das novas condições pelo Comitê Gestor do FIES (CG-FIES), em razão da conversão da Medida Provisória 1.090/2021 em Lei.

“Esclarecemos que as solicitações de renegociação que foram efetuadas no SIFESWeb até 21/06/2022, com o primeiro boleto de adesão pago até a data de vencimento, terão as condições renegociadas mantidas. Na regulamentação, a ser publicada pelo CG-Fies, será informada a data de liberação para novas adesões à renegociação”, disse a instituição.

Também em nota, o FNDE confirmou a suspensão sem previsão de retorno. “A renegociação do FIES está temporariamente suspensa. A suspensão acontece porque a lei que altera alguns pontos da Medida Provisória 1.090/2021 precisa ser regulamentada e os bancos devem se adequar aos novos percentuais de desconto. Os novos prazos serão divulgados em breve.”

Segundo o fundo, no Nordeste, 231.062 contratos estão com atraso no pagamento das parcelas, o que corresponde a R$ 11,8 bilhões de saldo devedor (valor total a ser pago até o final do contrato). Já os valores das parcelas em atraso somam R$ 1,4 bilhão. No Brasil, são 1.022.916 de contratos atrasados.

O QUE DIZ A LEI
A lei federal 14.375/22 prevê desconto de até 99% na renegociação de dívidas do Fies. O texto estabelece que estudantes inadimplentes que estejam inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou que foram beneficiados pelo Auxílio emergencial poderão receber o desconto máximo do valor devido.

São diferentes categorias de desconto, a depender da situação na qual o estudante se encontra. A primeira delas abrange estudantes com débitos do Fies vencidos e não pagos há mais de 90 dias em 30 de dezembro de 2021. Eles terão desconto de até 12% do valor principal para pagamento à vista, ou parcelamento em até 150 parcelas mensais.

Outro grupo são os de estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias em 30 de dezembro de 2021, que não estão no CadÚnico e nem receberam o Auxílio Emergencial. Essa categoria terá desconto de até 77% do valor total da dívida, por meio do pagamento à vista do débito.

Por último, o maior abatimento vai para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias em 30 de dezembro de 2021, que estejam cadastrados no CadÚnico ou que receberam o Auxílio Emergencial. Eles terão desconto de até 99% do valor total da dívida, por meio do pagamento à vista da cobrança.

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