Era uma manhã como qualquer outra. Como sempre, eu estava apressada para o trabalho. Mas, distraída, terminei por dar o sinal antes da minha parada. Todos os dias, eu desço na parada em frente à Escola de Enfermagem São Camilo, na rua Padre Mororó. Lá, eu pego o ônibus Antônio Bezerra/Mucuripe para o trabalho.
Sempre achei bonitinha aquela casa amarela, de muro baixo com muitas curvas e enfeites. Parecia parada no tempo.
Então, aproveitei que desci uma parada antes para olhar a casa de perto. Um senhor estava olhando para o tempo, apoiado no muro. Devia ser o dono da casa, pensei. Pela idade, aparentava mais de 70 anos, talvez tivesse morado lá a vida toda.
Puxei conversa.
– Aqui, passa o Antônio Bezerra/Mucuripe ou a parada é mais na frente?
-Ele para aqui mesmo. Tá com um tempo que passou o último. Já, já deve passar outro. – me disse.
Perguntei se ele era o dono da casa e ele disse que sim. Tinha nascido nela. A casa era geminada, com uma estrutura grudada na outra casa, embora a do lado estivesse bem modificada. Dos anos 1940.
Eu achei bonita porque lembrava a casa da primeira versão da novela Éramos Seis, que passou no SBT. Ele continuou, muito conversador, a contar sua vida.
Morava sozinho, as filhas já adultas viviam no Rio de Janeiro. Quando mais jovem, era cantor de banda de baile e passou muitos anos cantando em cruzeiros. Conheceu o mundo rodando neles.
Já mais velho, teve o sonho de gravar um cd com suas canções e pediu a ajuda das filhas. Disse que tinha mais de dez anos e entrou na velha casa para buscar o encarte ou o Cd para me mostrar.
Depois de pouco tempo, voltou com duas pequenas folhas repetidas que eram a capa do CD.
Meu ônibus chegou e eu segui para o trabalho. Guardei a capa do CD e pendurei na minha estante.
Toda vez que o meu ônibus entra na rua Padre Mororó, presto atenção para ver se o vejo da janela.
Já vi ele encostado no muro, na janela de casa. Outras vezes, só estava a carteira de cigarro, solitária no muro, esperando por ele.
Tem algumas semanas que a casa foi pintada de branco. Retiraram o velho portão do muro e a porta gasta, muito provavelmente, original dos anos 1940, permanece fechada. O portão que a guarda, fechado com um cadeado.
Será se foi visitar as filhas? Terá ido passear em algum canto? Estará doente? Ou vendeu a casa?
Qualquer dia, eu desço de novo antes da minha parada e pergunto aos vizinhos o seu paradeiro.
Assim, prestando atenção nos caminhos, vou matando o tempo e ressignificando a necessidade de usar o transporte coletivo para trabalhar. Sigo fazendo o jogo do contente e tentando ver o lado bom. Se é o único jeito, então vamos transformar em arte a vida e as dificuldades.