Fortaleza chega a 2022 da mesma forma que 2021: sem Carnaval. Decisão, porém, é acertada apontam especialistas e gestor de Cultura da Capital
david mota
ESPECIAL PARA OPINIÃO CE
david.mota@opiniaoce.com.br
GIOVANA BRITO
ESPECIAL PARA OPINIÃO CE
giovana.brito@opiniaoce.com.br
O Carnaval 2022 realizado pelo poder público que não acontecerá este ano ainda é um debate que remete, por exemplo, a fatores econômicos.
Diferente dos outros anos, quando já era esperado ter os dias de folga em isolamento social, por conta das restrições impostas pela covid-19 e menos probabilidade de festividades, há expectativa de que a população de Fortaleza trabalhe normalmente durante os dias de feriado, sobretudo em virtude de recomendações do Governo do Estado, com os olhos voltados à crise sanitária. Os próximos dias podem fazer retroceder os avanços que vêm sendo alcançados no controle da pandemia, caso haja comemorações.
Entre as capitais que mudaram os planos para o Carnaval deste ano estão São Paulo e Rio de Janeiro. Os respectivos prefeitos cancelaram os desfiles das escolas de samba, que foram transferidos para abril. A previsão é de que ocorra a partir do dia 21, feriado de Tiradentes. Em levantamento sobre as decisões das capitais brasileiras e do Distrito Federal (DF) realizado pelo OPINIÃO CE, chega-se ao entendimento de que todos optaram pelo cancelamento do Carnaval de rua. A possibilidade da ocorrência de novas variantes virais aumenta com a persistência da transmissão.
Além disso, a evolução da pandemia depende da proporção da população suscetível à infecção. A epidemiologista Lígia Kerr alerta. “O clima festivo do Carnaval, a frequente associação com bebidas alcoólicas e a aglomeração são combinações perfeitas para o vírus, seja ele o mesmo, ou uma nova variante, iniciarem um processo de transmissão intenso. A variante Ômicron BA.2 ou outras variantes ainda desconhecidas podem retornar o aumento de casos e óbitos. Vale lembrar que as novas variantes tendem a passar pela imunidade natural ou da vacina”, explica a também professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O impacto da decisão afeta os diversos setores da economia. Só no ano de 2020, o esperado seria uma arrecadação de R$ 479 milhões no Ceará, conforme previsão da Secretaria de Turismo (Setur) do Estado, número cerca de 10% maior em relação ao ano de 2019.
Artista e carnavalesco, Mateus Perdigão relata o sentimento com a perda. “Existe um impacto muito grande quando o Carnaval de rua não é feito, principalmente do ponto de vista econômico, por exemplo, para os blocos para as agremiações e para os setores que também tiram alguma renda. Também na elaboração fantasias, na confecção de instrumentos, com o pessoal que trabalha com produção de palco, de som, logística também. Tem toda uma cadeia de trabalho afetada.”
Não apenas na economia, a cultura no Ceará ganha representatividade com as comemorações, com ritmos como axé, forró, samba e swingueira e a ocupação de espaços como Praia de Iracema, avenida Domingos Olímpio e Praça do Ferreira, envoltos no Maracatu, nos desfiles carnavalescos e nas marchinhas. “Para além do ponto de vista econômico, existe uma perda cultural e simbólica muito grande, porque o Carnaval ocupa a cidade, leva as pessoas para a rua. Então, muda um pouco a relação cotidiana da gente com a coisa pública”, defende Perdigão, um dos nomes à frente do bloco Luxo da Aldeia.
“A gente está acostumado a sair de casa para o trabalho ou resolver afazeres em outros locais, como lazer em shopping center, e a gente passa a ocupar a rua também no Carnaval. Essa relação com a rua toma outro significado. A gente está ali não só como um local de passagem, mas um local de constituição de memórias e construção afetivas e tudo mais. Uma construção perpetuada e passada tradicionalmente”, relata.
Embora a Prefeitura de Fortaleza tenha optado por não promover festas públicas, é esperado que a ocupação hoteleira alcance 75%, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Ceará (Abih-CE). O último carnaval realizado na Capital, em 2020, teve 80% de ocupação, segundo a entidade. Já em 2021, a taxa foi de 45,54%. No Ceará, o turismo representa um dos setores que mais sofreram perdas, pois representa a principal fonte de renda de muitas famílias.
Em nota apresentada pela Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) à reportagem, a pasta diz que os recursos de quase R$ 14 milhões que seriam destinados ao evento, previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) da Capital, foram reorientados para ações de segurança alimentar, saúde e apoio à cultura. A decisão de cancelar a festa novamente foi tomada com base nas orientações da autoridade sanitária responsável no Ceará: o Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus. A Prefeitura afirma que mantém diálogo frequente com grupos, blocos e agremiações carnavalescas de Fortaleza, para prestar apoio à cultura e aos trabalhadores da área.
INFORMAÇÕES DO MINISTÉRIO DO TURISMO
De acordo com o Ministério do Turismo, Fortaleza é o terceiro destino mais procurado do Brasil e segundo do Nordeste, por quem quer viajar no Carnaval este ano. Apesar de não poder oferecer o Carnaval como atração nos próximos dias, a capital cearense aposta no recebimento de alto número de turistas. Segundo a Fraport, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de Fortaleza, a estimativa é de que, em média, 14 mil pessoas por dia movimentem o terminal aeroportuário, entre a última sexta-feira (25) e a próxima quarta-feira (2).
Segundo o secretário- executivo de Turismo de Fortaleza, Cláudio Ricardo Gomes de Lima, a tendência no Brasil é o turismo interno. O gestor fiz também que a Capital está bem servida pois oferece bastante atrações para os turistas. “A nossa sorte é que Fortaleza contém muitos atrativos, tem uma infraestrutura muito robusta de hotéis, bares e restaurantes, além de atrativos turísticos, como a beira-mar nova, talvez a mais bonita do Brasil”, destacou.
Objetivando manter o turismo local – que contém mais de 50 atividades e corresponde a cerca de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) da Cidade – em alta, a Secretaria Municipal do Turismo de Fortaleza (Setfor) aposta em novos atrativos. “Com alguns diferenciais que a Secretaria está implantando como políticas públicas, por exemplo, Fortaleza hoje possui o selo Pet Friendly, que a gente sabe que a decisão de levar um pet numa viagem hoje decide o destino. Tem vários hotéis, restaurantes e bares que já aceitam pet, que já tem também uma estrutura para receber o pet, isso também é um atrativo”, salientou o secretário.
Um atrativo natural que a Capital e as demais cidades da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) possuem e que mantêm o turismo em alta é o turismo náutico. Várias modalidades são praticadas na costa de Fortaleza, como kitesurf, windsurf, stand up paddle, canoa havaiana, além dos passeios de barco. Apesar do segmento ser de extrema relevância para a economia e a falta do Carnaval impactar esse setor, Cláudio Ricardo defende a não realização do evento festivo nesse período pandêmico que ainda vivemos.
“Não dá pra gente dizer que a pandemia acabou. Estão surgindo novas variantes. A prudência nesses momentos é sempre o melhor caminho. Movimentar a economia todo mundo quer, mas devemos fazer isso com o devido cuidado. Não adianta encher a cidade de gente e na sequência lotar os hospitais, tendo um impacto muito maior. É um processo de recuperação, vem numa crescente, e à medida que a vacinação aumenta, voltaremos aos estágios anteriores muito mais rapidamente”, afirmou.