Gosto de Natal. Posso dizer isso com toda a certeza. E não depende de religião, nem de comida, nem de companhia. Gosto porque gosto. Mesmo se não tivesse ninguém para dividir a mesa comigo, não tivesse familiar nenhum, talvez eu fosse atrás de alguém para celebrar. Porque eu amo as cores, os ritos, as luzes. Faz parte de mim. E sou bem insistente com as coisas que eu gosto.
Dos dois Natais que passei ainda como moradora da minha cidade natal, São Paulo, a lembrança mais marcante é da lasanha, dos presentes e do panetone. As fotos registraram e talvez fossem apenas almoços. Eu era muito pequena, assim como nossa família. Meu pai, minha mãe, eu, minha avó e meu tio. No ano seguinte, meu irmão foi acrescentado. E em junho, nos mudamos para o Ceará.
Aqui, tudo era diferente. O clima, a liberdade de ir e vir. Em vez do almoço com uma mesa pequena, em casa, foram acrescentadas as casas e visitas aos muitos tios. Meu pai, nessa época, tinha 13 irmãos. O Natal não possuía toda aquela formalidade de São Paulo. Talvez aquele primeiro Natal cearense tenha sido celebrado no Córrego do Urubu, nas Bodas de Ouro dos meus avós. Em dezembro, ainda teve minha formatura do ABC, com valsa e eu falando no microfone como oradora da turma.
Dos natais dos anos 1990, era uma alternância de locais. A cada dois anos, passávamos em São Paulo, com minha avó, meu tio e um primo, que tinha muitos amigos. Ele era cearense e administrava as casas da minha mãe. Foram natais com muita festa, casa lotada, presentes, com alguns primos extras. Nossa família tem umas trezentas pessoas. Trilha sonora era sempre forró e tudo lembrava o Ceará e o Nordeste. Nas primeiras festas, as lambadas do Beto Barbosa, de quem meu primo era fã. Depois, Mastruz com Leite, Zezé di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo. Na virada do milênio, Morango do Nordeste, Lagosta Bronzeada, Magnificus. Muito churrasco, bebida à vontade. Acabava de manhã.
Essas viagens duravam dois meses. Para driblar o tédio, meu primo trazia palavras-cruzadas e caça-palavras. Meu tio comprava gibis. Os passeios eram poucos, só Ibirapuera e Zoológico. E visitar algumas tias em Santos, São Vicente e Mongaguá.
Lá, a gente não ia na praia, porque era poluída. O melhor programa era conversar com as tias e ver as feirinhas de artesanato. Minha mãe sempre escolhia algo para trazer. Eram potes de temperos pintados a mão, garrafas de licor. Eu me encantava com os porta-joias encrustados de pedrinhas, espelhos e com tampa de borboleta de verdade, assim como as bonecas de pano e as roupinhas para as Barbies.
Na casa da tia Suzi, a ceia parecia de novela. Um peru com farofa, frutas secas, amêndoas de todos os tipos, uma torta de nozes. Brinquedos para todas as crianças, árvore de Natal enorme e enfeitada. Só faltava a neve. E tudo era feito sem gritos, com muita educação e carinho, porque ela amava receber.
Nas festas cearenses, a gente só saia para a casa da tia que morava no Bom Jardim. Lá, era sidra Cereser, missa, televisão, orações e tudo feito com carinho também. A casa cheia, porque meus tios tinham cinco filhas e sempre tinha algum primo vindo do interior para ir atrás de emprego na cidade.
Quando minha mãe resolvia fazer a ceia, também caprichava. Geralmente, eram almoços de Natal. Ela gostava da casa cheia, mesmo pequena. Reclamava do cansaço, mas gostava dos convidados ao redor da mesa. Sempre inventava alguma receita nova.
Os anos 2000 chegaram, meus pais se separaram e os natais passaram a ser com os amigos. Nirvana, Iron Maiden, Guns’n Roses. Muito vinho barato, run com coca. Diversão, alegria. Antes, a missa com um bebê recém-nascido passando de mão em mão na igreja toda, simbolizando o Menino Jesus. E eu sonhando que, um dia, fosse o meu bebê a passear entre todos.
Chegou minha vez de celebrar com minha própria família. Casei em dezembro e, aos poucos, fui aprendendo a cozinhar minha própria ceia. Meus parentes sofrendo enquanto eu aprendia o ponto certo do Chester, da lasanha. Em algumas vezes, deu certo. Em outras, comeram assim mesmo, só para me agradar. Criamos nossa própria tradição de celebrar com suco de uva cada dia feliz.
A primeira metade dos meus natais em família de casa se dividiram entre os plantões do jornal e a igreja, porque eu cantava. Já a segunda, foi inventando calendários de advento que nem sempre conseguia concluir.
No nosso último natal antes da grande transformação, tivemos o privilégio de presenciar mais uma lagarta virando borboleta em nossa casa. Uma monarca fêmea, que batizamos de Natalice, por ter nascido dia 24. Ela veio apressada e logo voou pela janela. Mal sabíamos as mudanças que viriam em um ano tão tumultuado como foi o de 2022.
Depois, ainda nos erguendo, nos aprumamos, compramos nossa sonhada árvore de Natal e fazemos questão de celebrar com direito à comida gostosa na mesa, foto com o papai noel do shopping, que minha mãe ama e faz questão e, quando é possível, ver as luzes no Hotel Excelsior e as redes da Praça do Ferreira.
Para mim, o mais precioso do tempo do Natal é a gratidão por tantas celebrações passadas e a vontade de nunca deixar de festejar o Jesus Menino, que dá sentido a tantas e tantas batalhas que todos os dias nós tentamos vencer. O Natal é abraço, carinho e demonstrar amor. E sempre terá alguém para receber esse amor. Vou celebrar até o dia que eu morrer. Isso é meu e eu não abro mão.