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15 de fevereiro de 2025

O gosto novo de retornar aos livros já lidos

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*Ilustração de autoria do sociólogo, ator, roteirista e desenhista autodidata cearense Breno Taveira.

Não tenho problema em reler livros. Algumas vezes, leio novamente porque não entendi de primeira. Em outras, quero ver o que mudou em mim entre uma leitura e outra. Geralmente, quando passa mais de um ano, a história já fica embaçada na minha memória, a depender do tanto que o livro mexeu comigo. No entanto, raramente os detalhes ficam. Então, em uma nova leitura, muita coisa é novidade.

O livro que eu mais reli é o Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Marquez. Faço questão de ler a cada década de vida. Para quem não conhece, o enredo conta a história mirabolante de uma família no decorrer de sete gerações em uma cidade fictícia. Tem momentos engraçados e muito tristes. O autor, colombiano, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. 

Entre os detalhes da história, situações absurdas, como a de uma menina que carrega os ossos dos pais junto com ela, um velho homem recluso e tímido que estuda alquimia e faz e refaz peixinhos de ouro e até um cigano que viaja o mundo todo e, depois de morto, não aguenta a solidão e volta para a casa dos Buendía. 

A primeira leitura, fiz aos 18 anos. Era universitária, morava com meus pais, não conhecia quase nada da vida. Nessa época, o que ficou de mais forte foi as pitadas de erotismo dos relacionamentos de alguns personagens. Vários tinham mais de uma família. Também as paixões arrebatadoras e proibidas, como a que atraía borboletas, entre uma moça rica e prendada e um rapaz pobre. Minha edição velha era de sebo e tinha ilustrações de Carybé. 

Na segunda leitura, aos 30 anos, eu me peguei voltando àquela menina que eu tinha sido. Já conhecia um pouco da vida. Trabalhava muito, era casada, mãe. Naquela época, de forma meio nublada, eu lembro que o mais marcante foi observar a forma que a matriarca unia aquela família. Mulher de senso prático, Úrsula era uma das colunas dos Buendía. Era ela quem organizava as reformas e todos os movimentos dos filhos, netos e bisnetos. Isso me marcou porque é exatamente isso que eu não era. 

Meu olhar, até hoje, é mais voltado para as coisas que não tem valor para a maioria das pessoas. Sou uma sonhadora distraída com os olhos de criança deslumbrada, muitas vezes. Então, eu pensava: como que eu vou ser essa pessoa que orienta os movimentos se eu não tô conseguindo controlar nem a minha própria vida?

Para piorar a situação, eu morava no mesmo apartamento há quase três décadas. As formigas, algumas vezes, tiraram a nossa paz, assim como na casa dos Buendía. Terminei o livro pensativa e bem desiludida porque nada daquilo que me chamara a atenção na primeira leitura me deixou impressionada dessa vez. Eu era outra. Não era mais a menininha ingênua dos 18 anos, sabia o que era o amor, a paixão e também entendia de coisas práticas, mesmo que eu não gostasse de focar nesses temas e nem fosse a fazedora que a Úrsula era. 

Aos 40, peguei outra edição, comprada sete anos antes, já amarelada pelo tempo. O enredo da minha vida tinha passado por outra grande reviravolta. Divorciada, dois filhos, de volta ao batente no jornalismo e solteira outra vez, me chamou a atenção a solidão das gerações. Nenhum casal durava. Se durava, não tinha mais amor. Quando eu pensava que ia dar certo, acontecia alguma tragédia. Chorei em alguns momentos. O livro se abriu, soltou as páginas, a edição era ruim. Terminei com a imagem do fim na mente, que não vou contar aqui e com vontade de reler logo outra vez.

Ando tentada a ver a série do streaming e, ao mesmo tempo, com medo de ver e estragar a magia que sempre me envolve quando eu faço questão de esquecer para ler de novo. A gente muda tanto. Antes, eu fazia questão de ver antes a adaptação do livro porque ficava logo com as caras dos personagens na imaginação. Foi o que aconteceu com o capitão Rodrigo, do O tempo e o vento. Foi impossível não lembrar do Tarcísio Meira quando li essa saga, escrita por Érico Veríssimo. Inclusive, foi em um dos livros que o Gabriel García Marquez se inspirou para criar o Cem Anos de Solidão. Essa é outra releitura que quero fazer. Devo ter mudado muito nesses 21 anos, desde que li os sete livros dessa história pela primeira vez. E é claro que eu sei disso. Curiosa para saber que gosto vai ter visitar essa saga e também o livro do colombiano, quando eu completar as cinco décadas de vida.

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