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25 de março de 2025

“O Brasil é um paraíso para se investir em futebol”, diz Serginho Amizade, ex-jogador de Ceará e Fortaleza

O ex-atleta, atualmente professor universitário de Educação Física, conversou com o OPINIÃO CE sobre futebol
Serginho Amizade, em visita ao OPINIÃO CE. Foto: Rodrigo Rodrigues

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Jorge Sérgio Carneiro Rêdes, “Serginho Amizade”, ex-jogador do Ceará e do Fortaleza, onde atuou durante a década de 1970, conversou com o OPINIÃO CE sobre futebol. O cenário cearense no esporte, a “safização” do futebol brasileiro e a Seleção Canarinha foram alguns dos assuntos que o professor de Educação Física da Faculdade Nordeste (Fanor) abordou.

OPINIÃO CE – Queria que você falasse sobre essa ideia de investimento do Fortaleza para minimizar os efeitos das viagens, que foram muito intensas para o clube em 2023.

Serginho Amizade – Essa crítica foi nacional. A própria imprensa esportiva dos outros estados reconhece o esforço que o Fortaleza fez para manter a equipe e as dificuldades de logística que o Fortaleza enfrenta em ter que jogar no Brasil, que é de tamanho continental. O Fortaleza está classificado agora em 2024 para a Copa Sul-Americana, e se ele quiser ter um resultado bom ele vai ter a necessidade de novamente se deslocar muito.

Veja bem como está funcionando a tabela já no início deste ano: você tem a Sul-Americana começando logo, o Campeonato Cearense, a Copa do Nordeste, Copa do Brasil e depois você tem o Campeonato Brasileiro. Se o Fortaleza for tendo sucesso nessas copas, o que por um lado é muito bom, por outro lado tem o estresse da quantidade de jogos.

Eu coloquei a possibilidade do Fortaleza comprar um avião, porque seria um investimento, ao meu ver, que poderia diminuir essas questões de estresse, de espera em aeroporto, de demora nas viagens… Eu penso assim.

OPINIÃO CE – Como você vê essa mudança de cenário no futebol nordestino, de valorização dos clubes cearenses?

Serginho Amizade – Eu acho que tem a ver com a evolução do Estado e da cidade de Fortaleza. Têm vários fatores de desenvolvimento do Estado do Ceará e da própria cidade de Fortaleza que tem a ver com isso, e o futebol ‘vem junto’. Você passa a ter uma visão moderna de como lidar com essas questões de desenvolvimento do clube. O Ceará foi quem abriu essas portas, e conseguiu evoluir durante um tempo, até que em 2022 começou a ter problemas dentro da diretoria, com crise interna. 

O Fortaleza pegou um grupo de pessoas que pensam bem o futebol. Eles pensam bem e eles têm um reconhecimento, que eu vejo como algo de grande importância. Depois que subiu para a Série B, o Fortaleza teve uma presença importantíssima que foi o Rogério Ceni, tanto do ponto de vista técnico e tático da equipe, quanto do ponto de vista da organização. Por que isso? Porque o Rogério Ceni é um Vencedor, ele detesta perder. Ele tem as suas dificuldades de relacionamento com as pessoas, mas ele foi campeão do mundo, foi sempre campeão no São Paulo, que é um clube organizado, e no Fortaleza ele cuidava de tudo junto ao Marcelo [Paz], que é um educador de formação, foi comentarista esportivo, como eu estou, inclusive, na TVC. Ele tomou a frente disso.

Essas coisas todas tem a ver com o desenvolvimento do futebol no Ceará, digo o desenvolvimento do Estado no ponto de vista político-administrativo. E aí vai tudo junto, o futebol é uma coisa que foi junto [com o desenvolvimento].

OPINIÃO CE – Estamos passando por um momento de profissionalização no futebol brasileiro, com a criação de SAFs. Você vê uma projeção de crescimento das equipes do Brasil?

Serginho Amizade – O Brasil é um paraíso para você investir em futebol. Porque você tem uma temperatura anual em que é possível você jogar futebol do Oiapoque ao Chuí. Embora os campos de futebol estejam rareando, o futebol ainda é a prática esportiva mais desenvolvida no país, e toda hora têm jogadores surgindo. Então é um paraíso. Principalmente para se pegar jogadores novos, que não são jogadores que têm um vício, no qual você pode treinar o jogador da maneira que você quer, dentro dos sistemas europeus de treinamento.

Mas o Brasil é um país que exporta tudo que a gente tem de bom para comprar o espetáculo depois. Você vê aí os campeonatos europeus na televisão, e a gente manda os nossos melhores jogadores embora, vende barato e depois quando eles estão velhinhos, a gente repatria eles porque nós realmente gostamos de futebol. Então a gente traz os velhinhos porque eles são capazes de trazer os melhores espetáculos.

Foi-se o tempo em que você tinha a Seleção Brasileira jogando aqui dentro. Quando eu era menino, você tinha todo mundo jogando aqui dentro. O time de 1970, você tinha Garrincha, Pelé… Esses caras todos você via na esquina da Rua. Hoje em dia mudou, e a gente não sabe mais fazer o espetáculo. Mas a gente continua a produzir os jogadores, porque eles jogam na rua. As areninhas complicam o aparecimento de jogadores, porque vai ter sempre um professor de Educação Física dizendo assim: ‘agora todo mundo de frente para a parede tocando a bola na parede que ela vai te devolver’. Quando você aprendia futebol na rua, você aprendia o movimento, livre de criar. Perdemos em criatividade.

Hoje em dia se corre muito. O pessoal chama de intensidade. A imprensa estabelece uma comunicação com o técnico, aí o cara pergunta: ‘como é que está a intensidade da equipe?’. Aí ele responde que está todo mundo correndo, se esforçando.

OPINIÃO CE – Hoje em dia, o Brasil tem um conjunto de jogadores jovens que se destacam na Europa, como o Vinícius Júnior, Rodrygo e Lucas Paquetá, e tem também promessas como o Endrick e o Vítor Roque. O Brasil não continua despontando nessa questão de futebol arte e um pouco mais dinâmico?

Serginho Amizade – Sim, continua. Porque tem uma ‘molecada’ danada que aprende jogando na rua mesmo. Ou às vezes até aprende dentro de uma escolinha, porque o talento é uma coisa fantástica. O drible, por exemplo, como é que você vai chegar para o seu aluno de futebol e falar assim: ‘bom, você está parado aqui com a bola, tem um adversário na sua frente, agora você finge que vai pra esquerda, não vai, finge que vai para a direita, não vai, e joga a bola por debaixo da perna dele’… Isso é uma coisa impossível de alguém aprender, isso você só aprende na prática, brincando com a bola e crescendo, você aprende com o movimento dos outros, aprende vendo. Esses jogadores nós vamos ter sempre. Como eu falei antes, nós jogamos futebol do Oiapoque ao Chuí. Temos esse país todo jogando futebol.

OPINIÃO CE – Como você vê esse movimento de técnicos estrangeiros no futebol brasileiro?

Serginho Amizade – A sensação que eu tenho é de que os portugueses estão descobrindo o Brasil de novo. O Abel [Ferreira], por exemplo, o técnico do Palmeiras, ele quer dar aula para a imprensa. É um bom técnico de futebol, é inegável que os seus resultados sejam muito bons, embora ele seja impaciente e queira brigar com todo mundo.

Eu vejo da seguinte maneira: como o Brasil vinha já há algum tempo sem ganhar as Copas [do Mundo] e sem ganhar as competições externas – tanto que o futebol europeu de clubes está na frente da gente, com 33 a 26 mundiais -, isso fez com que nós saíssemos de uma posição mais confortável, e ficamos numa posição desconfortável. Daí, começou a se questionar essa questão dos técnicos brasileiros não terem uma formação de entendimento do jogo, que também tem sua importância, a gente não pode negar isso.

Por exemplo: um jogador tem diante de si duas ou três situações. Aí não basta a rua, porque ele vai ter que passar a bola, e o passe é diferente do drible. Você tem que perceber, você tem que ter a relação espaço-tempo para dar o passe onde deve ser dado. Estou dizendo isso porque vemos o caso do Ganso, por exemplo, ainda foi em frente um pouco, mas ele anda em campo, para você ver o Ganso correr é uma dificuldade.

E aí tem essa questão técnica, né? Por exemplo, o [Fernando] Diniz, o técnico do Fluminense, que se deu mal na Seleção porque não teve tempo de trabalhar, ele vem há muito tempo trabalhando em equipes e que ele pensa taticamente o jogo, ele encontra soluções, por exemplo. O Fluminense é um time que tem um jeito bonito de jogar.

OPINIÃO CE – Você acha que falta uma referência de comportamento e de gestão de carreira para os jogadores dessa geração para a próxima Copa do Mundo?

Serginho Amizade – Eu acho que o mundo era diferente. A internet nem engatinhava ainda e a gente tinha a Seleção Brasileira de 70. A internet é de 1982 mais ou menos. Em 1971, quando eu vim morar aqui no Ceará, meu irmão me falou: ‘faça o curso na IBM’, que era uma linguagem da época em que o computador ocupava o andar inteiro, hoje em dia você tem uma coisa pequenininha, né?

O que é que ocorre: esses jogadores jogavam no Brasil, e o Brasil era uma coisa pequena. Embora fosse um continente, você tinha uma ideia pequena de mundo. Por exemplo, quando o Brasil foi campeão em 58 na Suécia, parecia que a Suécia era em outro planeta. Aquela coisa distante. Agora não, agora o sujeito toma uma Coca-Cola aqui e arrota no Japão. Tudo bem rápido.

Então os nossos jogadores, como a gente não tem uma administração muito voltada para tratar esse espetáculo como deve, eles estão indo embora muito cedo. Você pega vários jogadores que estão surgindo que não têm tempo de virarem ídolos aqui. O Endrick, o Vini Jr, o Rodrygo e outra ‘meninada’ que já foi, que você nem sabe direito para onde foi.

Esse povo está com uma sensação de mundo, já. Eles já jogam no mundo. É meio complicado você puxar esses jogadores que não tem uma formação para isso. Todos os clubes brasileiros, nas escolinhas, carecem dessa formação. Você tem que ensinar sim na Educação, você tem que formar o jogador também. Por que eles [clubes europeus] estão comprando jogadores no Brasil com 14 ou 15 anos? Por que eles levaram o Messi com 12 anos? para formar de acordo como eles pensam lá.

Aqui, em uma partida de futebol, se o árbitro apita alguma coisa, toda a equipe vai para cima dele. Daí o cara da imprensa que está comentando fala que o árbitro ‘não se impõe’. Não tem quem se imponha, você pega um grande clássico, por exemplo, quando o juiz marca uma falta e todo mundo vai para cima do árbitro reclamar, o cara está perdido ali. Não é fácil levar um jogo de futebol à frente não.

Então eu penso o seguinte: nós temos um trabalho de formação com esses jogadores e o nosso futebol precisa mudar enquanto organização. Ele precisa mudar para que os nossos jogadores fiquem aqui. Por exemplo, você teria coragem de comprar ações de um clube por  R$ 100 mil?. É instável demais, não tem clube nenhum em situação de estabilidade. A gente tem que mudar, a gente tem que criar credibilidade, que é fundamental. O nosso futebol não tem credibilidade, salvo alguns clubes aqui e acolá em alguns momentos, mas não tem credibilidade.

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