Um esgotamento irregular na Praia dos Crush, na Praia de Iracema, vem preocupando movimentos, moradores da região e parlamentares. O Coletivo Nossa Iracema denunciou o esgotamento irregular em uma galeria pluvial no local, que teria sido realizado de maneira clandestina. Segundo André Comaru, idealizador do Coletivo, ao OPINIÃO CE, a Prefeitura de Fortaleza desentupiu a galeria pluvial onde foi feito o esgotamento, no início do mês, permitindo que as águas contaminadas da galeria chegassem ao oceano. “Abriu o esgoto dentro do mar, a céu aberto, no meio do dia, no momento em que tinham surfistas, banhistas e pessoas com deficiências do programa Praia Acessível da Setur”.
“Tivemos muitos relatos de pessoas que ficaram doentes por conta da abertura do esgoto. (…) O contato básico do ser humano com coliformes fecais pode causar diarreia, vômito, febre, infecção intestinal, entre outras consequências”, contou André.
Os problemas envolvendo o local não são recentes. Em maio, o surfista Eduardo Turturi, profissional da saúde, teve que ser internado no mesmo dia em que entrou em contato com as águas da Praia de Iracema. Ao OPINIÃO CE, ele contou que estava surfando na praia, quando acabou engolindo um pouco da água do oceano. No mesmo dia, o surfista, que é médico, foi internado. “Eu estava perfeitamente bem de saúde, surfei lá na quinta e na sexta. Na noite de sexta já desenvolvi o quadro”, disse. “Tiraram sangue das minhas artérias para fazer cultura bacteriana e acharam as bactérias circulando no meu sangue”, afirmou. Eduardo passou quatro dias no hospital, tomando antibióticos endovenosos.
Segundo o profissional da saúde, a infecção trouxe consequências que permanecem ainda hoje no seu corpo. “Acabei tendo problemas cardíacos e tive que colocar um marca passo (…). Segundo o cardiologista que me atendeu, as bactérias lesaram os meus vasos sanguíneos”. Ele explicou que, após o episódio, nunca mais voltou a surfar no local, e mostrou preocupação com a população do local. “Tem um serviço social ali, que leva idosos paralíticos, bem mais perto [da galeria do que] de onde eu me infectei, porque eles não entram muito no fundo”, explicou.
“Estou preocupado com essas pessoas, não só comigo. Penso nas pessoas que são imunossuprimidas, que tem facilidade para incorporar uma infecção”.
OUTROS IMPACTOS
De acordo com André Comaru, a fauna e a flora também são afetadas com a contaminação. “A região é uma região de coral, onde habitam diversos seres como tartarugas, botos cinza, arraias, polvos e diversidades enormes de peixe”. Como explicou, em duas comunidades da Praia de Iracema, o Poço da Draga e a Graviola, existem pessoas que vivem da pesca. “Todo esse conteúdo de descarga que chega prejudica diretamente a saúde da fauna e flora, e isso vai de encontro com toda a circularidade do ecossistema”, apontou.
Um estudo realizado pelo Laboratório de Microbiologia Ambiental e do Pescado (Lamap) da Universidade Federal do Ceará (UFC) no dia 2 de outubro, mostra que as águas do trecho já estavam contaminadas devido ao esgoto. “Os valores estimados da bactéria Escherichia coli [bactéria encontrada no trato gastrointestinal dos seres humanos] na amostra de água indica contaminação por esgoto nesse trecho”, diz o laudo recebido pela professora Oscarina Viana de Sousa, do curso de Ciências Ambientais da UFC. Em mensagem encaminhada por André ao OPINIÃO CE, a professora teria informado que tentarão realizar uma nova coleta.
Conforme André, os problemas com as galerias pluviais não são recentes. O coletivo entrou com uma petição pública junto ao Ministério Público Federal (MPF) em outubro de 2020, falando da problemática de três galerias da Praia de Iracema. “Em cima disso, escrevemos um projeto chamado de Nossa Iracema na Década do Oceano, que apresentamos para várias secretarias como a Agefis [Agência de Fiscalização de Fortaleza], Secretaria da Infraestrutura [Seinf], Secretaria de Turismo [Setur], Secretaria da Juventude [Sejuv], o gabinete do vice-prefeito [Élcio Batista] e a Cagece [Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará]. Em audiência pública, apresentamos o projeto”.
O projeto, como explicou André, apresenta melhorias de cunho sócio ambiental para a praia. São elas:
Ações emergenciais
- Sucção da água acumulada para tratamento no reservatório da Cagece e destinação para os emissários;
- Limpeza da região;
- Fiscalização de ligações clandestinas para a regularização e ligação à rede de esgoto de Fortaleza;
- Verificação e conserto de possíveis vazamentos na rede de esgoto do município;
Outras propostas
- Instalação de rede de contenção de resíduo sólido na saída da galeria para o mar;
- Instalação de grades de contenção nos bueiros da região (bueiros inteligentes) + pintura educativa;
- Plano de educação ambiental para frequentadores da praia;
- Plano de capacitação de comerciantes do entorno;
- Instalação de placas de sinalização educativa sobre Fauna e Flora marinha;
- Projeto de jardins verdes para filtrar a água infectada.
Conforme o idealizador do Coletivo, no entanto, se passaram três anos, e mesmo com a petição no MPF e com a realização de reuniões junto ao secretariado da Capital, “nada foi feito a respeito”. No ano passado, como pontuou André, a obra de qualificação da Praia de Iracema foi apresentada. “O orçamento e a licitação foram aprovados, e a obra não trouxe nenhuma das melhorias”, destacou.
O coletivo realizou um ato na Praia de Iracema no último dia 15 de outubro, visando chegar a uma conclusão para contornar a situação. Na ocasião, estiveram presentes representantes da Prefeitura de Fortaleza: o vice-prefeito Élcio Batista (PSB); o secretário da Seinf, Samuel Dias; e o secretário da Setur, Alexandre Pereira.
RESPOSTAS À REPORTAGEM
Ao OPINIÃO CE, a Prefeitura de Fortaleza informou que o esgotamento sanitário tem a operação sob responsabilidade da Cagece, mas que a Agefis recebeu imagens de vídeo inspeção realizada na Praia de Iracema, “e trabalha para identificar e autuar os responsáveis pela infração”. A gestão afirmou ainda que a Seinf está realizado serviço de reforma e ampliação da rede de drenagem existente na Av. Beira Mar, próximo a Rua João Cordeiro.
“Para auxiliar na execução desses serviços, a água acumulada dentro da rede de drenagem foi transferida com a utilização de bombas e caminhões de sucção para o sistema de esgotamento sanitário da Cagece, evitando que essa água seguisse o curso natural para o mar. O serviço aconteceu no último final de semana”.
Sobre as ligações clandestinas, a Prefeitura afirmou que todos os imóveis servidos pela rede pública de esgoto devem estar interligados à ela, sob pena de autuação. “Caso a ligação do esgoto seja direcionada às galerias de águas pluviais ou a qualquer corpo d’água sem o devido tratamento, o responsável estará sujeito a aplicação das penalidades previstas no Art. 770 do Código da Cidade”. Segundo a Prefeitura, de 2022 a setembro de 2023, a Agefis realizou 3.371 fiscalizações em relação a denúncias de imóveis não interligados à rede de esgoto.
A Prefeitura informou ainda que realiza um trabalho permanente de vídeo inspeção das galerias pluviais com auxílio de uma câmera que capta imagens que posteriormente são analisadas por profissionais para a limpeza da tubulação. Segundo a Gestão, em ação coordenada pela Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), mais de 580 toneladas de resíduos foram retiradas de galerias até o dia 15 de outubro deste ano.
Em nota enviada à reportagem, a Cagece informou que a fiscalização do descarte correto de esgoto é de responsabilidade dos órgãos ambientais, mas frisou estar prestando apoio técnico e operacional à ação realizada pela Prefeitura de Fortaleza na Praia de Iracema.
DEBATE ENTRE O LEGISLATIVO
O assunto chegou aos parlamentares cearenses. Dentre eles, destacam-se os posicionamentos de dois deputados estaduais e dois vereadores de Fortaleza. Da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), Adriana Gerônimo (Psol) e Gabriel Aguiar (Psol) participaram do ato junto ao Coletivo Nossa Iracema no local. “Existe um verdadeiro esgoto a céu aberto que leva dejetos humanos e demais poluentes para a água do mar que milhares de pessoas tomam banho e que uma riquíssima biodiversidade marinha reside. Não dá para achar isso aceitável”, declarou Gabriel, em suas redes sociais.
“A situação é que a rede de coleta de água da chuva (pluvial) está totalmente contaminada de esgotos ilegais devido à falta de saneamento básico e a grandes poluidores que criminosamente fazem conexões clandestinas”.
Segundo o parlamentar, no entanto, “esse problema não é de hoje e nem se resume ao trecho da Praia de Iracema”. “É a mesma situação da Barra do Ceará até a Sabiaguaba. Há alguns anos, fizemos um vídeo-denúncia sobre o mesmo problema, mas no trecho da Praia do Náutico.” Na sua avaliação, Fortaleza possui recursos suficientes para barrar a contaminação das águas por esgotamentos clandestinos. “Como um dos principais cartões postais do Ceará, Fortaleza deve ser exemplo para outras cidades de como gerir as necessidades urbanas sem impactar os recursos naturais”, opinou o vereador.
Já da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), Renato Roseno (Psol) e Larissa Gaspar (PT) abordaram o assunto. O primeiro, durante sessão plenária, alertou para imagens que mostram a escavadeira abrindo o caminho do canal ao oceano. “Aquela situação salta aos olhos pelo absurdo”. Segundo o deputado, foi feita uma denúncia e a solicitação de apuração do caso.
“Nós tomamos conhecimento disso a partir do Instituto Nossa Iracema. Quero me somar ao Instituto, à população da Praia de Iracema, e a todas as pessoas que obviamente sabem que a balneabilidade é um indicador importante para o saneamento ambiental”.
Roseno pontuou que vai exigir à Prefeitura de Fortaleza e ao Governo do Estado que as ligações clandestinas de esgoto sejam interrompidas. “Deve haver responsabilização e recuperação da balneabilidade daquela praia”, completou.
Já a deputada Larissa Gaspar, assim como Gabriel, também participou do ato organizado pelo Coletivo no último dia 15. Larissa cobrou da gestão municipal a identificação e responsabilização daqueles que realizaram o despejo irregular de esgoto. A petista recomendou ações que poderiam frear a contaminação das águas. “(…) Sejam colocadas telas nos bueiros das galerias para evitar o carreamento de lixo, que seja feito um trabalho efetivo de educação ambiental junto à população de Fortaleza. Recurso disponível tem, falta vontade política”.
“Inadmissível que em plena década do Oceano a cidade de Fortaleza tenha que conviver com crimes ambientais que poluem nossos oceanos, atingindo a vida marinha e humana”.
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