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22 de abril de 2025

Mesmo com liberação, transferência das águas do São Francisco não acontece neste ano; entenda

A água só será disponibilizada em caso de necessidade. Neste ano, por exemplo, não houve essa urgência pela boa carga de precipitações que ocorreu durante a quadra chuvosa
Barragem de Jati, no Ceará. Foto: Antonio Rodrigues

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Ocorreu na última semana, em Pernambuco, a liberação das águas do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) para o território cearense, situação celebrada pelas autoridades e pela população. Como mostrado pelo OPINIÃO CE na edição desta segunda-feira, 17, no entanto, o custeio da obra ainda gera incertezas para seu pleno funcionamento. Além disso, mesmo com liberação, a transferência das águas do Velho Chico só acontece a partir de 2024, conforme confirmou o titular da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado (SRH), Robério Monteiro, à reportagem.

Uma vez captada na Barragem de Jati pelo Cinturão das Águas do Ceará (CAC), as águas do São Francisco percorrem 53 quilômetros do chamado “eixo emergencial” da obra no Ceará até chegar ao Riacho Seco, em Missão Velha. De lá, segue por gravidade por 13 quilômetros até encontrar o Rio Salgado, que deságua no Rio Jaguaribe e, naturalmente, oferece recarga ao Açude Castanhão — maior reservatório do Estado —, este, que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) pelo Eixão das Águas.

No entanto, a água só será disponibilizada em caso de necessidade. Neste ano, por exemplo, não houve essa urgência pela boa carga de precipitações que ocorreu durante a quadra chuvosa. Em 2023, o Castanhão alcançou seu melhor volume dos últimos nove anos e, atualmente, aparece com 30,86% de sua capacidade. É importante lembrar que há três anos, o reservatório chegou a ficar um pouco acima de 2%.

Robério Monteiro reconhece que a necessidade de captação das águas do São Francisco será analisada. “O Ceará conta com um processo de alocação negociada de água, que é realizada pela Cogerh em parceria com os comitês de bacia. E a própria gestão dos recursos hídricos também fará uma análise de todas as perspectivas, demandas e através do Grupo de Contingência serão tomadas decisões”, antecipa.

“Em 2023, tivemos bons aportes, e a nossa reserva hídrica nos ajuda a tomar decisão com mais cautela. Mas sem dúvida, em um Estado onde as chuvas são irregulares do tempo e no espaço e se encontra no semiárido, toda e qualquer água que entre vai contribuir muito na gestão dos recursos hídricos”, completa o secretário.

Hoje, o volume percentual médio dos reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) está em 49,5%. Além disso, mesmo após o fim do período chuvoso, 57 açudes ainda aparecem com carga acima de 90%. “A transposição funciona por demanda. Este ano não precisamos”, corrobora o gerente regional da Cogerh na região do Cariri, Alberto Medeiros.

Independente da necessidade das águas do Velho Chico, a transferência só aconteceria no primeiro semestre de 2024, no período da quadra chuvosa, pois as calhas dos rios estão úmidas e com algum fluxo natural, que diminui as perdas por infiltração, evaporação e retiradas ilegais. “É uma estratégia da gestão hídrica para obter melhores resultados. Se essa transferência acontecer no segundo semestre, as perdas nos rios e riachos serão consideráveis”, explica Monteiro.

Barragem de Negreiros, em Salgueiro (PE). Foto: Antonio Rodrigues

HISTÓRICO DE IMPASSES

A expectativa em torno das águas do São Francisco se explica também pelo tempo de espera. Apesar de ter sido pensada ainda na época do Segundo Império, o projeto ganhou força em 2005 e as obras só foram iniciadas em 2007 — o Ceará só seria beneficiado 13 anos depois. O Eixo Norte, por exemplo, conviveu com constantes mudanças nos consórcios responsáveis pelas obras. Em 2009, houve a primeira paralisação por desacordo com as empreiteiras. De lá para cá, a obra foi marcada por consecutivas paralisações.

Em junho de 2016, a Mendes Júnior, empresa investigada pela Operação Lava-Jato, comunicou sua incapacidade técnica e financeira de executar os seus dois contratos. Além disso, a empresa deixou dívidas milionárias com fornecedores de alimentos, aluguel de veículos, empresários do ramo de hospedagem, entre outros serviços. O grupo cobrava cerca de R$ 24 milhões. No ano seguinte, isso gerou uma série de protestos que ocasionaram em furtos de equipamentos, depredação das instalações dos canteiros de obras, paralisação do trânsito e interrupção de bombeamento de água no reservatório de Tucutu, em Cabrobó (PE).

Vencedora de outro processo de licitação, o Consórcio Emsa-Siton teve que aguardar a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, suspender uma decisão judicial que impedia a continuidade das obras, no dia 20 de junho de 2017. As contratações só iniciaram em julho e a obra foi retomada em agosto. Porém, a empresa desistiu de tocar as obras do Eixo Norte em abril de 2018.

O Consórcio Ferreira Guedes – Toniolo, Busnello assumiu em maio de 2018 e também teve também que conviver com protestos dos antigos empregados da Emsa-Siton e de empresas terceirizadas, que cobravam salários atrasados. No dia 1º de junho daquele ano, a entrada do canteiro de obras em Penaforte foi bloqueada. A manifestação durou cinco dias. Ainda em 2018, no mês de agosto, técnicos detectaram vazamento no dique da barragem de Negreiros, em Salgueiro (PE). Apenas em novembro, o antigo Ministério da Integração confirmou que os reparos afetaram o cronograma da obra. O novo prazo para a chegada das águas no Ceará foi o primeiro trimestre de 2019.

Já em março de 2019, 1.200 funcionários do consórcio Ferreira Guedes – Toniolo Busnello, entraram em greve, reivindicando contra o descumprimento de uma convenção coletiva que acordou o reajuste de 2,5% e o pagamento do PLR (Participação nos Lucros e Resultados), previsto por lei, pelos períodos de maio a junho e de julho a dezembro. Em abril daquele ano, foi a vez dos representantes de empresas terceirizadas bloquearem o canteiro de obras em Penaforte por duas horas, impedindo a continuação dos serviços.

Por fim, em agosto de 2020, houve o rompimento de um trecho de tubulação da barragem de Jati, que obrigou mais de 2 mil pessoas a serem removidas de suas casas. A recuperação da parede do reservatório foi concluída em 10 dias. Outras estruturas afetadas, como a casa de força e o conduto rompido só ocorreram posteriormente.

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