Quando eu lancei o financiamento coletivo do livro Cidades Invisíveis, há pouco mais de três anos, eu intuía que Fortaleza poderia ter mais perdas em seu patrimônio histórico entre eu concluir o livro e ele ser publicado. Aqui, não se valoriza a história. Fato. No entanto, não imaginava que teria tanto a ser atualizado, inclusive com os locais que eu falei nas crônicas.
Estamos na terceira tiragem e o Mara Hope teve um pedaço afundado, o Edifício São Pedro está em plena demolição. A Ponte Velha quase foi botada abaixo e caiu uma pedra dela em cima da cabeça de um motoqueiro que quase o matou.
Do Farol Velho do Mucuripe, caiu a parte de cima e os vizinhos levaram pra casa para guardar melhor o pedaço do patrimônio histórico. A Ponte dos Ingleses nem sinal de conclusão da reforma. Já tem sete anos que teve início.
Esses locais estão no meu livro. Mas tem outros que não entraram e eu poderia fazer outra edição contando deles. O Casarão das Pianistas Gondim, na rua General Sampaio, edificação dos anos 1920, mesmo em processo de tombamento, foi demolido e virou terreno para ampliar o estacionamento que já existia.
O bangalô dos Jereissati sumiu e no seu lugar está sendo construído o maior prédio de Fortaleza, onde os carros poderão subir de elevador, que luxo! Eu acho muito é brega, vou nem mentir… Isso até que outro mais alto se erga, porque agora é só pagar uma taxa que em Fortaleza se pode construir do tamanho que quiser.
Tem locais que permanecem fechados e sem uso, sabe-se lá até quando. A Associação dos Merceeiros, o Hotel Excelsior, o antigo restaurante L’Escale. O sobrado que abrigava o Chopp do Bixiga, pertinho do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, foi fechado de tijolos e deve ser derrubado em breve. Será que os vizinhos também? Nas ruas do entorno, outros sobrados também seguem desocupados. Muitos edifícios novos estão sendo construídos. Dá para ter vista pro mar. Quantos resistirão nos próximos dez anos nessa região da Praia de Iracema?
Anunciaram que não dá mais para restaurar o Casarão da Santa Casa, na praça do Liceu. Um dos primeiros bangalôs construídos por Emilio Hinko. Está escorado, com tapumes. Várias plantas nasceram nas brechas. Ali, com seu design hoje ultrapassado, ideia do arquiteto que mais modificou a capital cearense, resiste há quase cem anos. Ninguém sabe quando foi construído. Talvez nos anos 1930, que o Hinko chegou em Fortaleza em 1929. Dizem que foi uma das primeiras obras assinadas por ele.
Quantas famílias moraram ali? Quantos casos de amor e desamor se desenrolaram no tempo que o Bar do Fabiano ocupava o térreo? E as amizades dos tempos da escola, as fugas do Liceu, os copos de bebida. Quantos adolescentes terão tomado seus primeiros goles escondidos ali naquele lugar? Será que alguém se agarrou no andar de cima? Terá funcionado alguma pensão alegre? Mas se era da Santa Casa, devia ser lugar de família… Porém, alguém deve ter beijado na boca dentro e fora daquele bar. Suas paredes devem ter algumas boas histórias a serem contadas.
Como ninguém que tenha poder suficiente se importa com patrimônio histórico, logo, logo, vira poeira e entulho. E em seu lugar nascerá, muito provavelmente, algum prédio de apartamentos. Quadrado, sem nada demais. Aquela área nem é tão valorizada. Foi-se o tempo da Jacarecanga e não é de hoje. Fica só a dor e a lembrança de quem gostava daquele lugar.