Pracinha da Imaginação, um convite a viver a infância
Era uma vez um lugar encantado, cheio de cores, plantas, brinquedos e livros. Um lugar que atrai crianças e, como mágica, faz com que elas se movimentem, sorriam e brinquem.
Não há como falar sobre a Praça Alcides Peixoto, no Crato, Cariri cearense, sem remeter a um legítimo conto de fadas. Mas, na verdade, o espaço nasceu de uma demanda desafiadora dos tempos modernos: a reconexão das crianças com o mundo real, o resgate do “olho no olho”.
A ideia veio da professora Helena do Amaral. O ano era 2020 e o mundo sofria os efeitos devastadores da pandemia da COVID-19. Helena, passou a observar a neta Clarisse, de cinco anos, totalmente voltada para as telas e decidiu agir. “Surgiu da necessidade de sair de casa, estávamos em plena pandemia e ninguém aguentava ficar mais tempo isolado, principalmente as crianças”, lembra Helena.
A professora abriu a porta de casa e enxergou uma possibilidade. “O espaço já estava ali, ao nosso dispor, inclusive tinha nome de praça mas era coberto de mato e também um estacionamento. Mandei fazer uma calçadinha, debaixo de uma árvore, para sentar com minha neta e lá fazermos as nossas leituras. Foi libertador sentar ao ar livre e apreciar a paisagem da serra, algo que havíamos perdido devido ao vírus que estava circulando”, conta.
Helena cursava uma disciplina optativa do curso de psicologia, a Ludoterapia, quando começou a transformar a Praça. A comprovação científica da importância do brincar foi um estímulo.
O poder da coletividade
O espaço, que era utilizado por Helena e a neta, passou a atrair as crianças da vizinhança e seus familiares. Havia o cuidado de manter o distanciamento e usar máscaras. A pandemia foi sendo controlada e as ideias foram surgindo para criar algo ainda mais especial. “A união da vizinhança foi imprescindível. A vontade de ocupar aquele espaço estava latente em cada morador, mas ninguém conseguia parar para articular a construção da pracinha. Aos poucos, o sentimento de pertencimento foi tomando conta de todos e em tempo recorde construímos”. Houve uma corrente de mobilização popular.
Conseguiram doações, fizeram cotas e rifas, ao mesmo tempo em que reaproveitaram restos de material de construção e a própria natureza.
Os moradores solicitaram ao poder público a instalação de uma torneira e iluminação. O restante veio da própria comunidade. “Cada vizinho ia se responsabilizando por algo para não sobrecarregar ninguém. Procurei envolver a todos, justamente porque sabia como aquele tempo de pandemia estava sendo difícil”, lembra Helena.
Chegaram doações de materiais diversos: cimento, pneus velhos, cabaças, espelhos, fitas, sinos… Cada vizinho se dispôs a pagar ou fazer uma pequena reforma na praça, transformando cada centímetro em algo que estimulasse o desenvolvimento infantil.
A transformação
Troncos de madeiras viraram bancos. Um grande cilindro de cimento virou túnel. As árvores ganharam balanços coloridos. As plantinhas bem cuidadas e floridas passaram a despertar uma sensação incrível se bem estar. O vento que sopra forte no sopé na Chapada do Araripe faz balançar os objetos pendurados no espaço denominado Experiência Sonora. Uma geladeira virou armário coletivo repleto de livros e brinquedos. Tem caminho de pedras, areia, bolinhas de coco e esponja. Cada passo proporciona às crianças uma experiência sensorial. Os pneus foram cuidadosamente pintados e posicionados em um circuito que convida ao movimento. Subir… descer… pular… Tem até uma pia, na altura das crianças, para estimular a higiene das mãos.
Crianças como protagonistas
As crianças participaram ativamente do processo de reconstrução da pracinha que, não à toa, foi batizada de Praça da Imaginação. De fato, os pequenos imaginaram e executaram muita coisa, eles pintaram vasos, plantaram, organizaram brinquedos doados, ajudaram no que foi possível de acordo com a idade. Assim, o conto de fadas veio para o mundo real. “Escolhemos as árvores maiores para que futuramente tenha bastante sombra e abrigue o maior número de pássaros. As flores são as que atraem bastante borboletas e as fáceis de serem cuidadas”, explica Helena. A manutenção continua sendo feita pelos moradores e quando é necessário mão de obra extra, os custos são rateados entre eles.
As crianças sentem que aquele espaço foi pensado para elas e que elas mesmas ajudaram a construir o conto de fadas da vida real. Foi feita, inclusive, uma sinalização própria, lembrando a todos que aquele é um lugar para viver a infância. Há ilustrações, pinturas e nomenclaturas que remetem à linguagem infantil. Tudo feito a muitas mãos, grandes e pequenininhas. Não há dúvidas que a pracinha é uma semente plantada nas crianças sobre a importância do cuidado com o meio ambiente e a valorização do que realmente importa.
A Praça da Imaginação virou palco de socialização e construção de memórias. Todos os dias o espaço é usado e cuidado por crianças e adultos. É lá também que a comunidade realiza eventos. Dia das mães, dos pais, das crianças, São João, Natal, aniversários, rodas de leitura, corridinhas, apresentações artísticas e culturais. Um verdadeiro celeiro de memórias.
A menina Clarisse
A pequena Clarisse, que inspirou a vovó Helena a transformar o espaço comum, já planta suas próprias sementes. A menina, hoje com oito anos, escreveu seu primeiro livro que, claro, será lançado ainda este ano na Praça da Imaginação. “É uma inspiração para mim. Foi um dos locais onde eu aprendi a escrever, ler, a cultivar e entender que temos que cuidar das plantações, realizar alguns sonhos também. Até nas minhas redações escolares eu acrescento a pracinha”, relatou.
Clarisse é uma das muitas pequenas guardiãs do espaço e já chegou a aplicar multa em um adulto por “colocar um objeto em local destinado às crianças”. Tratava-se de um grande reservatório de plástico deixado provisoriamente na pracinha.
Gabriel e Laurinha, os visitantes
Para a minha felicidade, minha mãe, Ana Aquino, é uma das moradoras do entorno da Praça da Imaginação. Quando fomos ao Crato, após a pandemia, eu, Gabriel e Laurinha nos deparamos com o espaço. Gabriel, que ama explorar, jogou o chinelo num canto e percorreu cada centímetro de pé no chão, sentindo e experimentando as inúmeras possibilidades de conexão com a natureza. Fez os circuitos repetidas vezes, catou e pintou pedrinhas, regou as plantas, folheou os livros, brincou dias e dias. “Esse lugar é demais, eu adorei! Tem tudo pra criança”, disse.
Laurinha, observadora nata e cheia de energia, disparou em direção ao balanço. Depois, subiu e desceu nos pneus, fez e refez o circuito sensorial. Já acordava pedindo pra ir pra pracinha, de pijama mesmo. Era café da manhã ouvindo os pássaros e o tilintar dos sinos movidos pelo vendo. “Eu amo essa pracinha, mamãe, quero ficar aqui o tempo todo”, dizia.
Eu, fiquei verdadeiramente emocionada com a potência daquele lugar. Só pensava no poder da coletividade, na opção de cidadãos comuns em realizar. Um exemplo incrível de vida em sociedade e uma esperança imensa no ser humano. As crianças que ali habitam estão crescendo e brincando com liberdade e segurança, estão desenvolvendo habilidades e aprendendo que a vivência coletiva, com respeito ao ambiente e ao próximo, é o caminho a ser seguido. Aquelas pessoas cuidam umas das outras e do lugar onde vivem. Isso é inspirador! Encerro com a frase escolhida pela professora Helena, que citou Raul Seixas quando pedi pra dizer o que representava aquele espaço: ” Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas um sonho que se sonha junto é realidade”.
Continue nos acompanhando no Instagram! Siga @opiniaoce e @leituramaisarte!