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8 de dezembro de 2024

Leis de incentivo cultural são estratégicas para o segmento e para empresas

Especialista em captação de recursos para o terceiro setor, Bia Gurgel fala do novo momento para a cultura e da importância econômica da área para o país
Foto: Divulgação

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Promessa de campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a recriação do Ministério da Cultura (MinC) saiu do papel no primeiro mês de sua terceira gestão presidencial. Extinta no governo Jair Bolsonaro, a pasta teve suas responsabilidades assumidas pela Secretaria Especial da Cultura (Secult), órgão do Ministério do Turismo

A mudança refletiu um olhar sobre a pauta cultural a que se somou uma série de investidas contra o segmento e sua lei de incentivo, em especial por parlamentares conservadores. A pandemia agravou a situação do meio. Com cortes de pessoal, como pareceristas responsáveis por avaliar os projetos inscritos na Lei Rouanet, iniciativas emperraram e muitos projetos, dependentes de incentivo público, se viram às voltas com impasses ou mesmo sem condições de serem continuados.

Na quinta-feira, 23, Lula e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, assinaram um decreto que estabelece novos parâmetros para o fomento à cultura no Brasil. O novo decreto contempla tanto as ações de fomento indireto (Lei Rouanet, que atua pelo mecanismo  renúncia fiscal, onde as empresas escolhem os projetos aprovados que querem apoiar e retiram um recibo para poder abater o valor do Imposto de Renda), e suporte cultural direto (caso das Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc, criadas na gestão Bolsonaro), além de outras políticas públicas. “O decreto harmoniza as regras que antes eram uma colcha de retalhos, juntando o que de melhor tinha no projeto da lei Procultura, no projeto da lei do Marco do Fomento à Cultura, no programa Cultura Viva e nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc”, avaliou a ministra.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Bia Gurgel, especialista na captação de recursos para os projetos do terceiro setor, e desenvolvimento da área de responsabilidade social das empresas, atua no mercado ligando produtores culturais a empresas que se decidem por apoiar projetos via leis de incentivo. Em entrevista ao OPINIÃO CE, ela avalia o cenário atual da economia da cultura, que passa por políticas de Estado. Bia Gurgel compara o suporte brasileiro ao segmento artístico e cultural com o de outros países e fala das expectativas em relação à nova gestão do MinC.

OPINIÃO CE: Nos últimos anos, as leis de incentivo à cultura tornaram-se alvos constantes de críticas, com motivações políticas. O retrato que traçam é de derrame de dinheiro público para artistas milionários. Essa é uma visão distorcida da questão. Que tipo de destinação têm os recursos dessas leis e políticas de incentivo?

BIA GURGEL: No Brasil, existem várias políticas de incentivos fiscais, a exemplo do que é ofertado à indústria com isenção ou diminuição do ICMS. Na área de destinação de Imposto de Renda, em específico, hoje no país temos seis leis, e a da cultura é a mais antiga, de 1991. Não vejo a sociedade reclamando que as empresas eólicas não pagam ICMS, isso significa 0% de ICMS para elas. Justificam a isenção delas pela geração de emprego, como se os projetos culturais não gerassem emprego e renda para o país. Segundo pesquisa do próprio Ministério da Cultura de 2018 a cada R$1 real investido em projetos de Lei de Incentivo, retornam R$1,60. 

OPINIÃO CE: O modelo brasileiro de leis de incentivo é encontrado em outros países? Temos algum espelho, nesse sentido?

BIA GURGEL: Em outros países, o incentivo estatal é muito forte, a exemplo de cases como o da Alemanha e da França. Nos EUA, a dedução tributária para a cultura tem o foco na pessoa física, porque lá a pessoa física é mais taxada do que a jurídica.  Já no case da Alemanha, a arte e cultura são principalmente sustentados por verbas públicas, de forma descentralizada e regional. A França, por sua vez, tem uma tradição centenária de incentivo à cultura, reconhecida internacionalmente. No país, o tema sempre foi prioridade do Estado, visto que a cultura é artigo de exportação e até mesmo motor da economia. Agora, uma Lei que delega poder à empresa para escolher o projeto que  receberá recursos via imposto de renda, este modelo é brasileiro.

OPINIÃO CE: Apoiar projetos culturais via lei de incentivo não é oneroso para empresas. Na teoria, é um bom negócio. Na prática, como as empresas trabalham essa questão? É bem recebido ou ainda há resistência?

BIA GURGEL: Hoje, o cenário é diferente principalmente com as políticas de ESG (sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) empresariais. As grandes empresas, principalmente as que estão na Bolsa de Valores, possuem políticas de patrocínio e todo processo desenhado…  As empresas cearenses, hoje, conhecem mais a Lei e apoiam em virtude da mobilização realizada pela Adece (Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará) através de seus decretos. É uma lei estratégica para empresas, principalmente para o setor de comunicação e marketing, porque é permitido inserir a marca nas divulgações dos projetos culturais. Então, se ainda há empresas que não o fazem, é porque o seu potencial de destinação é pequeno. É bom reforçar que, às vezes, a empresa não destina seu IR porque, naquele ano, ela não teve imposto para tal ou entrou em recuperação judicial. 

OPINIÃO CE: O governo publicou um novo decreto que regulamenta o fomento cultural no país. A ministra Margareth Menezes falou em “harmonizar” os regramentos existentes. Qual a expectativa para as mudanças traçadas pela nova gestão federal?

BIA GURGEL: A expectativa é de que o processo burocrático, em todo o seu círculo de etapas, possa enfim fluir. O governo anterior atrasou, não respeitou os prazos e, principalmente, não liberava a execução de muitos projetos captados. 

OPINIÃO CE: A distribuição de recursos na cultura ainda é irregular, com algumas regiões ganhando mais do que outras. O Nordeste, e o Ceará em especial, podem se sair melhor neste novo momento?

BIA GURGEL: Nordeste, Norte e Centro-oeste terão atenção do Ministério da Cultura em relação a essa pauta. O Sudeste hoje centraliza algo em torno de 60-80% dos recursos das empresas, destinados ao incentivo da cultura. Precisamos mudar este cenário.

 

 

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