O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) decidiu, por unanimidade, afastar das funções o juiz Francisco José Mazza Siqueira, da 2ª Vara Cível de Juazeiro do Norte, pelo comportamento do magistrado durante audiência com mulheres que denunciavam um médico por episódios de violência sexual. Adotada nesta quinta-feira, 10, durante sessão presidida pelo desembargador Abelardo Benevides Moraes, a medida ocorre quatro dias após o Poder Judiciário estadual ser formalmente notificado sobre a conduta do juiz.
O colegiado acompanhou o voto da corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Edna Martins, que pediu o afastamento cautelar e provisório do magistrado pelo prazo inicial de 90 dias. Para a relatora,
“Os fatos narrados evidenciam a incompatibilidade da permanência do magistrado no exercício de sua função pública. A medida é necessária para resgatar a confiança de que o jurisdicionado será julgado por magistrado independente e probo, livre de máculas que denotem infundadas suspeitas sobre o seu exercício funcional”, frisou a desembargadora Edna Martins.
Na apresentação do voto, a corregedora-geral também ressaltou que existe uma outra sindicância em andamento contra o magistrado. Destacou que, no período do afastamento, o juiz fica proibido de frequentar as unidades do Poder Judiciário, bem como ter acesso aos sistemas e manter contato pessoal com outros servidores e magistrados.
A sindicância para apurar a conduta do magistrado foi instaurada ainda nessa segunda-feira, 7, após uma das mulheres apresentar pedido à Corregedoria-Geral da Justiça. Na terça-feira, 8, a desembargadora Edna Martins foi a Juazeiro do Norte para coletar depoimentos relacionados ao caso, onde permaneceu até quarta-feira, 9.
ENTENDA O CASO
No dia 26 de julho, o juiz Francisco José Mazza Siqueira prsidia uma audiência e fez as declarações, quando 10 mulheres denunciavam o médico Cícero Valdizébio Pereira Agra por abusos que haviam ocorrido em 2021, durante atendimentos.
Durante o relato das vítimas, o magistrado rebateu as afirmações, alegando que mulheres são bicho da língua grande e que chutam as partes baixas. Chegou a dizer que, enquanto professor, era assediado por mulheres, em tentativa clara de deslegitimar o depoimento das autoras. O advogado do grupo informou que uma das vítimas pediu para não depor mais depois das falas do juiz, demonstrando claramente o constrangimento a que essas foram submetidas mais uma vez.
O caso, no entanto, só teve repercussão no início desta semana, deixando muitas pessoas revoltadas. Por conta do comportamento inadequado do magistrado, a OAB Ceará, encaminhou ofício ao TJCE , em caráter de urgência, pedindo providências urgentes para investigar a conduta do juiz Francisco José Mazza Siqueira.
O presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas, disse que o comportamento do juiz é incompatível com o Código de Ética da Magistratura Nacional. “Recebemos com grande consternação e revolta, a notícia veiculada em vários meios de Comunicação, na qual, em audiência realizada no dia 26 de julho, mulheres vítimas de abuso tiveram seus relatos questionados pelo juiz Francisco José Mazza. Tal comportamento configura violência institucional”, disse.
MAIS INDIGNAÇÃO
“O magistrado não resguardou a dignidade das partes, revitimizando-as através de seus posicionamentos machistas, misóginos e completamente inadequados para uma audiência daquela natureza. Não podemos admitir tal comportamento e estamos aqui para cobrar uma ação efetiva neste caso”, afirmou Christiane Leitão, vice-presidente da OAB Ceará presidente da Comissão da Mulher Advogada.
Mulheres parlamentares também ficam indignadas com o caso. A senadora Augusta Brito divulgou uma nota de repúdio ao juiz. Em parte da nota, a senadora afirma que o magistrado revitimizou as testemunhas em um momento de fragilidade para todas elas. É lamentável que um representante do Poder Judiciário se preste a um papel como esse. Como senadora da República vou oficiar ao Tribunal de Justiça e ao Conselho Nacional de Justiça pedindo a imediata apuração do ocorrido e a punição do responsável por este crime contra nós, mulheres”, disse Augusta Brito.
A Procuradoria Especial da Mulher da Alece, por meio de sua procuradora, a deputada estadual Lia Gomes, também emitiu nota. “Os comentários fomentam um discurso discriminatório contra as mulheres, culpabilizam as vítimas e as expõem a mais uma violação de direitos. Falas como essas, expressas por uma autoridade que deveria garantir justiça às vítimas de abuso sexual, apenas dificultam que mulheres em situação de violência realizem denúncias, reforçando a cultura de descredibilização da vítima. Essa cultura precisa ser desconstruída e os órgãos do poder público devem garantir a segurança das vítimas que denunciam seus agressores”, disse a nota compartilhada nas redes sociais da procuradoria.