Na fala peculiar dos bandidos, o delator é o mais desprezível dos seres. Delator nem é gente, rosnam. Também conhecido como alcaguete ou “cabueta”, numa forma popular no Nordeste, ou dedo-duro, x9 e outras expressões nada lisonjeiras, o delator é alvo de transbordantes repúdio e ódio; nunca do perdão nem da compreensão. No mundo do crime, cabe-lhe unicamente o nojo e o extermínio. É alguém que, para livrar a própria pele, trai a organização e a coloca em risco.
É alguém que contribui com a punição e a extinção do grupo que o acolheu. Milicianos também tratam os “cabuetas” com repulsa. Costumam, se lhes põem as mãos, submetê-los a “tribunais” que invariavelmente os sentenciam à morte. Militantes da esquerda, em épocas de perseguição, também se viram às voltas com personagens assim. De qualquer modo, são figuras que acabam entrando para a História – da pior forma, mas entram.
Foi por esse caminho que gente como “Cabo Anselmo” (José Anselmo dos Santos, 1942-2022, marinheiro que entregou à polícia, à tortura e à morte integrantes de grupos de oposição aos generais que haviam empalmado o poder) conquistou espaços nos registros de um tempo sombrio.
Referências
Pois o bolsonarismo tem agora o seu ícone da traição, um “Cabo Anselmo” para chamar de seu. Marcos do Val, que chegou ao Senado conduzido pelos votos de 863.359 eleitores do Espírito Santo, entregou tudo. Quem costuma comparar Jair Bolsonaro a Jesus Cristo pode ficar à vontade para também comparar Do Val a Judas Iscariotes.
Para que não reste dúvida
Não há relação de parentesco entre Marcos do Val e Arthur do Val, o bolsonarista do MBL que avançou contra mulheres ucranianas, valendo-se da miséria e da guerra para se dar bem sexualmente. Arhur do Val é outra face do estilo “Deus, Pátria e Família” – foi enxotado da Assembleia de São Paulo pela sordidez do comportamento que tem. O sobrenome é só uma rica coincidência.
Não é brinquedo não
O presidente da Assembleia do Ceará, deputado Evandro Leitão (PDT), usou uma imagem lúdica no discurso de posse nesta semana para se referir à necessidade de instituições oficiais e sociedade civil se darem as mãos. Ele disse que se busca formar “grande ciranda em defesa da gente cearense”.
Sequelas
Em seguida, fez crítica braba ao modelo bolsonarista de gestão, tratando da carnificina da covid-19, na qual morreram 700 mil brasileiros – “drama que poderia ter sido minorado, não fosse a gestão criminosa da pandemia por parte do Governo Federal e sua reiterada negação da ciência”. A citação foi feita para ressaltar o papel do Legislativo como fórum de debates e instância de propostas.
Vamos todos cirandar
Pois por falar em ciranda, já no dia seguinte à fala de Evandro, o governador Elmano de Freitas (PT), também na Assembleia, afirmou: “O Estado do Ceará estará de mãos dadas com o Governo Federal, sempre com o objetivo principal de melhorar a qualidade de vida dos cearenses”. Pronto: volta e meia vamos dar.
Lá e cá
A Coluna Roberto Maciel é publicada simultaneamente no portal InvestNordeste (www.portalinvestne.com.br) e no jornal Opinião (www.opiniaoce.com.br). Os textos estão também no site https://bit.ly/3q4AETZ. O jornalista ainda participa do podcast Papo de Cabeça, no YouTube (https://bit.ly/3cP1JHu) e nas plataformas Deezer e Spotify. O podcast é produzido em parceria com o jornalista Maurição Lima e tem notícias, entrevistas e análises políticas.