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24 de maio de 2025

Josefa Feitosa, a mochileira cearense de 64 anos que escolheu o mundo como casa

O OPINIÃO CE conversou com a Jô, que atualmente está com 64 anos, e ganhou uma peça em sua homenagem, intitulada 'Egoísta', do diretor cearense Juracy Oliveira
Foto: Micaela Menezes/Especial Opinião CE

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A lógica patriarcal da construção da família poderia ter sido uma prisão muito cruel para uma mulher que nasceu para ser livre e desbravar o mundo com uma mochila nas costas – e com cabelo pintado de azul. O tempo, no entanto, não se viu perdido no sonho: foi e está sendo bem aproveitado, desde 2016, quando Josefa Feitosa, mais conhecida como Jô Viajando, natural de Juazeiro do Norte, no Ceará, decidiu encarar todas aquelas amarras e carimbar em seu passaporte mais de 50 países. O OPINIÃO CE conversou com a Jô, que, atualmente, está com 64 anos, e ganhou uma peça em sua homenagem, intitulada ‘Egoísta’, do diretor cearense Juracy Oliveira.

O espetáculo teve apresentações nos dias 15 e 16 de junho, no Teatro Dragão do Mar em Fortaleza. Em julho, a peça chega ao Rio de Janeiro para 16 apresentações.

A também mãe e avó Jô, todos os dias, tinha que lidar com pessoas privadas de liberdade, fazendo-a refletir como era um “pesadelo estar ali” e não poder fazer nada que não fosse de forma vigiada. Ela passou muitos anos trabalhando em presídios pelo Ceará.

“Eu ficava imaginando como seria se estivesse presa num lugar daquele. Eu comecei a imaginar, na verdade, quais eram as coisas que me prendiam, e elas começavam pelo meu lar. A lógica patriarcal e o que se espera da mulher. Eu comecei a achar que a minha casa era uma prisão de portas abertas. Então, pensei em me livrar de tudo que fosse amarras”, revela Jô.

A decisão de ser mochileira ocorreu apenas oito anos atrás, quando Josefa se aposentou e decidiu ir atrás da sua maior urgência: viajar. Deixando os filhos – já criados – sozinhos, ela embarcou. Para ela, enquanto ia envelhecendo, ela ia perdendo tempo e também pessoas. “Família, por exemplo, você se amarra demais. Você começa a achar que as coisas só funcionam porque você está ali. Mas, quando você começa a pensar melhor, você está enganado. As coisas dão certo, sim, sem você”, diz.

Foto: Micaela Menezes/Especial OPINIÃO CE

A primeira parada de Josefa foi em Portugal, mas ainda não foi como ela gostaria que fosse. Mala grande não funciona com Josefa. “Quando eu comecei a viajar, eu ia de mala gigante, bem trabalhosa”, lembra Feitosa, mostrando a mochila azul que carrega por onde vai. Com o tempo, o seu roteiro só aumentou.

Jô também foi à Espanha, fez um curso de inglês na Irlanda e trabalhou como babá enquanto estudava e viajava para outros países como Holanda, Escócia, Suíça, Bélgica e Itália. Depois de encerrar sua temporada na Europa, retornou rapidamente ao Brasil para alugar seu apartamento, se desfazer do que restava e seguir rumo à África do Sul. Desde então, não parou mais de viajar.

Foto: Micaela Menezes/Especial Opinião CE

“Eu costumo dizer que me autocondenei à liberdade. Tudo que me prendia, eu soltei. Nem sei se era eles que me prendiam ou se era eu mesma fazendo isso”, resume. Recentemente, Josefa esteve na Bósnia e ainda está encantada. “Essa coisa do encontro do Oriente com o Ocidente. O que me marca mesmo nos lugares são as pessoas, eu amo uma pessoa que me leva para comer no lugar que ele come, me apresenta a família. Isso me encanta”, complementa Josefa.

A PEÇA “EGOÍSTA”

A inspiração para criar um espetáculo baseado na vida de Jô surgiu quando o diretor, Juracy Oliveira, encontrou sua história em um podcast. Ao ouvi-la, imediatamente concebeu um formato teatral centrado na narração de histórias, o que moldou a peça como um monólogo.

Foto: Micaela Menezes/Especial OPINIÃO CE

“Conhecer a Jô foi uma surpresa, a história de vida dela é inacreditável e, por ter sido criado em uma família com uma maioria de mulheres, a coragem dela me atravessou, me fez lembrar das mulheres que são referência para mim. Essa peça parte de um desejo genuíno de homenagear pessoas enquanto estão vivas, ainda que não sejam famosas”, explica o diretor do projeto.

A coragem de Jô foi também o chamariz para Ana Marlene aceitar viver a personagem. Assim como Josefa, a atriz, que fundou a Trupe Caba de Chegar – o primeiro grupo de teatro de rua de Fortaleza – se lançou nessa aventura em forma de liberdade. Com 45 anos de trajetória artística, encarar o primeiro monólogo da carreira com tanta identificação foi prazeroso para a artista.

“Quando o Juracy me contou a história da Jô, eu fiquei encantada. É uma mulher muito parecida comigo. Mulher preta, 60+, vinda da periferia e do interior, era pobre, batalhadora, funcionária pública. O que eu achei mais interessante foi ela ter a coragem de sair desbravando o mundo, que essa eu não tive ainda. A minha coragem foi de arriscar nos palcos. A força dela me deu muita motivação de enfrentar meu primeiro monólogo. A minha primeira aventura sozinha“, declarou a atriz.

Foto: Micaela Menezes/Especial OPINIÃO CE

O sentimento de Jô sobre uma peça em sua homenagem é de gratidão por estar sendo lembrada ainda “em vida”. “Para mim, isso é um reconhecimento social. Mulher negra, cearense, idosa. Minha vida não dava nem um comercial de rádio e, de repente, está dando uma peça de teatro. Isso mudou a vida de mulheres que nem eu. Eu conheci muita gente que olhava para mim, me abraçava, chorava e dizia: ‘Foi com você que eu comecei a pensar a minha vida de forma direita’. As mulheres estão vendo que é possível. Estão se libertando”.

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