E esse negócio de Marco Temporal, hein?! Na verdade, uma interpretação defendida por conservadores e pelo setor ruralista de que os povos indígenas “só têm direito àquelas terras ocupadas ou disputadas juridicamente quando foi promulgada a Constituição de 1988”. Ano passado, o STF julgou o Recurso Extraordinário de reintegração de posse movido pelo estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng e contra a Funai.
No entanto, segundo “laudos etnográficos da Funai, (a área) foi tradicionalmente ocupada pelos Xokleng e seus ancestrais e indígenas das etnias Guarani e Kaingang”. Na semana passada, foi feito um pedido de vista pelo ministro André Mendonça, e o julgamento ficou suspenso mais uma vez. Indígenas de várias etnias acompanharam a sessão com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. O ministro do STF Alexandre de Moraes refutou a tese do Marco Temporal, ou seja, “não aceita a tese de limitar a demarcação de terras indígenas à data da promulgação da Constituição de 1988, mas abre uma nova discussão.
O Estado é obrigado a indenizar as pessoas de boa-fé que tiveram o título de propriedade concedido”, que, segundo ele “não tinham como saber, 100 ou 160 anos depois – a culpa, a omissão, o lapso do poder público”. Pois é, se os proprietários rurais não têm culpa da omissão do Estado, imagina, os descendentes indígenas que tiveram as suas terras invadidas, tomadas e os seus ancestrais mortos pelos antepassados dos brancos pela ambição da propriedade privada. No século XVIII, Rousseau já alertava no seu “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”: “A propriedade privada é o fundamento da desigualdade entre os homens”.
Um século antes, John Locke, um dos pais do liberalismo, defendia que a legitimidade da propriedade da terra era o trabalho, ou seja, a sua utilização. Os conceitos de terras ocupadas pelos indígenas e as regras de sua posse estão no artigo 231 da Constituição Federal que estabelece: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Outro problema do descaso dos políticos e do Estado: os constituintes de 1988, deliberadamente, não estabeleceram um Marco Temporal na Constituição de 1988. Diante do imbróglio, não tem como não lembrar do “Funeral de um Lavrador” de Chico Buarque e João Cabral: “Esta cova em que estás, com palmos medida/ É a conta menor que tiraste em vida/ É a parte que te cabe deste latifúndio”. E agora, Josés Xoklengs, Tukanos, Guajajaras…?