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21 de março de 2025

Enel impediu o Estado de gerar mais de cinco mil empregos

Vice-presidente do Legislativo cearense, o deputado estadual Fernando Santana falou ao OPINIÃO CE sobre a investigação contra a concessionária de energia elétrica no Estado
Deputado Fernando Santana (PT), em visita ao Opinião CE. Foto: Natinho Rodrigues

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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Enel, instaurada na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) no último mês de agosto, vem criando a expectativa de sanar as dúvidas da população sobre a atuação da empresa responsável pela energia no Ceará. No Estado, a companhia tem sido alvo de críticas pelo preço excessivo nas contas de energia e por irregularidades. À frente da investigação como presidente da CPI, o deputado estadual Fernando Santana (PT) falou ao OPINIÃO CE sobre o assunto.

OPINIÃO CE – Como está a CPI e quais são as perspectivas que você tem para o futuro dela?

Fernando Santana – Passamos dois anos na Assembleia Legislativa debatendo e subindo à tribuna para denunciar a Enel naquela Casa. Durante esses dois anos, nunca fomos procurados pela Enel para nenhuma informação sequer, muito menos um pedido de desculpas ou plano de expansão durante esse período todo de dois anos. Estudamos o contrato de concessão, que é desde 1998, e neste contrato nós identificamos várias irregularidades, irregularidades essas denunciadas pela população. Foi criada uma comissão na Assembleia durante esses dois anos, eu fui o presidente da comissão, meu colega deputado Guilherme Landim [PDT] foi o relator, para estudar o contrato de concessão.

Não era uma comissão para investigar. O Ministério Público criou também uma comissão, e em conjunto, o MP apresentou o relatório dele e nós apresentamos o nosso relatório. No relatório do Ministério Público, há o pedido para mais de R$ 70 milhões em multas, e foram vistas várias irregularidades, em um processo de investigação. No nosso, de estudo, pedimos três situações: a caducidade do contrato, que só pode ser dado pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]; a abertura de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]; e providências a Enel. A Aneel nunca se mostrou favorável à caducidade do contrato, previsto em lei, e nem a Enel apresentou nada que melhorasse, então abrimos a CPI.

Ao abrir a CPI, fomos procurados pela Enel. E a conversa da Enel, como se diz no vocabulário do interior, é uma conversa “muito mole”, de quem não quer melhorar. Tenho dito que “ou a Enel muda, ou a Enel se muda”. Quando digo “a Enel muda”, é porque ela ganha, de nós cearenses, milhões de reais por ano, ou seja, bilhões de reais na soma dos anos em que ela está no Ceará. Portanto ela tem condições de melhorar, pegar parte do dinheiro que ela levou suado do povo cearense e investir em manutenção e extensão de rede, para equilibrar essa insatisfação generalizada que tem da população cearense contra a Enel. Até hoje não vi nada disso acontecer. Eu espero, na verdade, que a Enel se conscientize e que ela mude. Ou para além disso, que a Aneel, que mais parece “um puxadinho” para defender a Enel, obrigue a Enel a mudar. A Enel só respeita a Aneel, porque é a única que pode puni-la de verdade dentro do contrato.

Esses contratos de concessão, na minha visão de lei, foram feitos de forma errada em 1988. Veja agora, estourou um problema em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Piauí onde tem uma concessionária chamada Equatorial, que sofreu com CPI agora, então é um problema generalizado que eu culpo, hoje, a Agência Nacional. Ela tem o contrato em mãos para obrigar a Enel a fazer aquilo que é o certo: prestar um bom serviço e cobrar um preço justo. A Enel presta um péssimo serviço, sobretudo aqui no Ceará, desrespeita a população porque não tem canal de comunicação e cobra caro por isso. Então, estamos no pior cenário de distribuição de energia elétrica que poderíamos imaginar: a concessionária é péssima, então qualquer melhoria vamos sentir, e as outras concessionárias que temos no Brasil parece que são piores que a Enel.

OPINIÃO CE – A qual instância se pode recorrer se a agência não está cumprindo o seu papel?

Fernando Santana – É uma afirmativa minha pela percepção de que a Aneel não tomou nenhuma providência. Aqui ou acolá ela multou a Enel, mas ela é mais um grande advogado da Enel do que um órgão para fiscalizar, obrigar a fazer um bom trabalho e punir quando tem que ser punido. Ao longo do tempo, a Agência Nacional não tomou providências sérias, de cobrar das concessionárias. Com isso, as empresas foram ganhando muito dinheiro. De 2018 para 2019 a Enel teve pouco mais de R$ 300 milhões de lucro. De 2022 para 2023 ela teve mais de R$ 500 milhões. Ou seja, praticamente dobrou o lucro. Mas não dobrou o número de ligações de energia no Ceará. Ela deixou de fazer a manutenção, ela deixou de investir em sistemas e ampliação de rede, e tudo isso aumentou o lucro dela. A Aneel não está vendo isso? É claro que está vendo.

A minha lógica, então, é pressionar a Agência Nacional para tomarem uma atitude através daqueles que são vozes da população: deputados estaduais, deputados federais e senadores. E vejo que ela sentiu a pressão, porque São Paulo e Rio de Janeiro, além do Ceará, foram para cima. É tanto que fui à Agência Nacional com alguns deputados que fazem parte da Comissão, e fomos muito bem tratados lá pela primeira vez. Em fevereiro, quando fui lá e não tinha a CPI, não fui bem tratado lá. Inclusive, disse ao diretor presidente que lá era um puxadinho para defender a Enel, esperei até ser expulso quando eu disse isso, mas não fui. Se a Agência não tomar uma postura diante da nossa pressão, vamos à Justiça Federal, a nossa instância maior, pedir a ela que tome uma providência.

Na nossa justiça do Estado, já estive com o desembargador Doutor Abelardo, fiz uma denúncia a ele, mostrei o relatório, e ao que me consta, pelos estudos que fizemos, a Enel Ceará é campeã no descumprimento de ordens judiciais. Ao final da CPI, vamos apresentar o relatório à Justiça estadual – aí sim como denúncia oficial – e à Justiça federal, buscando que a empresa seja obrigada, judicialmente, a devolver o desrespeito e à má prestação de serviço que ela tem prestado ao povo do Ceará, que não é de hoje.

OPINIÃO CE – Há um movimento nacional no sentido de trocar informações e experiências para esse tipo de investigação?

Fernando Santana – Existe sim. Em São Paulo, participei de uma oitiva que fizeram contra a Enel, com a presença do diretor presidente da Enel. A participação foi muito importante para o Ceará, porque identificamos que o mesmo problema do Estado se vê também em São Paulo, a mesma má prestação de serviço, a mesma reclamação da população, a mesma falta de feedback para a população. Ela lá é concessionária em 24 municípios, e nunca fez uma reunião com os prefeitos. Quando eu trouxe essa informação para cá, houve a mesma informação dos prefeitos, a Enel nunca conversou com eles. Há inclusive denúncias de municípios que passaram três dias às escuras, e nem um telefonema a Enel deu para o prefeito da cidade. É um absurdo, pois os seus maiores clientes são as prefeituras.

Lá em São Paulo, levei uma prévia do nosso relatório e entregamos à CPI, e eles ficaram de devolver para nós o material deles, para fazermos uma ligação. Já entrei em contato também com a CPI do Piauí, que é contra a Equatorial, uma das empresas previstas para comprar a Enel Ceará. Se lá tem uma CPI contra a Equatorial, como podemos aceitar a empresa no Ceará? Quando entrei em contato com os deputados, eles foram muito abertos. Eles têm me dito, inclusive, que não aceitam mais a Equatorial lá. Entrei em contato também com Goiás, onde abriram uma CPI, a Enel saiu e entrou a Equatorial. Ao que me consta, a Equatorial lá está fazendo um serviço pior do que o que a Enel fazia. Então preciso estar em contato para entender: estamos lutando contra uma gigante italiana trilionária que está péssima no Ceará, mas ainda não chega a ser a pior do Brasil.

Em 2028 vamos ter a renovação dos contratos, se não fizéssemos a CPI, as empresas iriam renovar do jeito que está, iríamos sofrer 30 anos para além de 2028. Não aceitamos, então, que o Governo do Ceará não participe desse debate da renovação do contrato. Que não coloque cláusulas de que a agência estadual tenha autonomia. Realizamos uma oitiva com a Arce [Agência Reguladora do Estado do Ceará] e ela nos disse que não tem autonomia alguma sobre a Enel, porque tudo que ela tenta punir, a Aneel vem e passa a mão na cabeça. Queremos também, na renovação do contrato, que o Governo do Estado e a Arce tenham autonomia sobre o contrato.

Descobri, em São Paulo, que a Enel criou um sistema agora para fazer o corte de energia da sua residência por aplicativo. Na minha visão, isso é para demitir funcionário que vai fazer o corte e vai deixar de permitir que o cidadão possa se contrapor ao corte. Quando voltei ao Ceará me deparei com essa realidade aqui. Em Fortaleza já tem, e em Juazeiro, no Interior, também já tem. Daqui uns dias, isso vai ser na casa de todos nós. Ao invés de gastar milhões para melhorar o serviço, ela está investindo para piorar para o consumidor, para a população. Tudo que vemos dessa empresa é um desrespeito.

Recebi nesta semana a presidente da Enel [Marcia Sandra] junto com o diretor Osvaldo Férrer. Não vou dizer que tivemos uma indisposição, mas divergimos de tudo que eles foram lá conversar. Chegaram dizendo que iriam fazer uma proposta de apresentar um plano de expansão, pois não iriam vender a Enel. Bastaram essas palavras para me doer muito. E eu disse: “A Enel não está sendo vendida, não é porque vocês não querem, é porque ninguém quer comprar a Enel. Quem é que quer comprar uma empresa com esse tanto de reclamação e de CPIs no Brasil?”. O pior vilão da Enel é a CPI, porque a Enel não está preocupada com os milhões de reais que ela ganha de lucro no Ceará não, ela está preocupada com a bolsa de valores. Quando uma CPI é instalada, no prazo em que ela estiver aberta, eles perdem dinheiro todo dia. O foco deles agora, então, é acabar com a CPI.

Mas o problema é bem maior do que só ao consumidor. Ao se aprofundar, visualizamos vários outros problemas no desenvolvimento do Estado, como o desrespeito com as empresas de energias renováveis – tem mais de 30 projetos de energia solar represados na Enel -, em que só esses projetos deixaram de gerar R$ 2,2 bilhões de economia para o Estado e 5.400 empregos para o Ceará. Então ela vai ter que prestar conta disso.

OPINIÃO CE – Tem como mensurar o número de empresas que foram prejudicadas de alguma forma?

Fernando Santana – Já perdi a conta das reclamações. Estamos computando na nossa sala da CPI e queremos apresentar ao final. Só de energia solar são mais de 30, mas dos outros segmentos ainda não conseguimos contar. Vou contar um exemplo: tem uma empresa que abriu uma fecularia na cidade do Araripe, ele investiu pouco mais de R$ 10 milhões. Fazem dois anos que o empresário está esperando a Enel ligar a energia dele. Há três meses, o Governo do Estado, como forma de incentivar o empresário, pagou à Enel R$ 800 mil. Eu estava lá quando o empresário reclamou e liguei para a Enel, que me disse: “nós não temos nem previsão de quando vamos começar a obra”. Como não tem previsão se o Estado pagou? O que era obrigação da Enel. Trouxe esse assunto para a Assembleia, e nesta semana começaram a instalar os postes lá. Por que não fizeram antes? Pois o Estado pagou.

Então desses casos, eu tenho centenas de milhares de denúncias. E aí vão empresas de pequeno, médio e grande porte. Lá em Araripe, fazem dois anos que 600 pais de família poderiam estar trabalhando e ganhando o seu dinheiro, e por conta da Enel nós não temos. Esse é o problema, esse é o conflito que temos com a Enel. Se for preciso, vou dedicar os três anos que tenho de mandato só nessa pauta. Está aí, nossa briga em Araripe, já começaram a colocar os postes.

Estava agora em Potengi, em cima do palco, quando a população começou a falar de um poço profundo, perfurado há um ano e meio dentro de uma escola, arrodeado de cabo de fio da Enel, que não vai lá ligar para dar água à população em um distrito chamado Barreiros, distante pouco mais de 10 km da sede. A população vendo o poço profundo, a água que pode levar à sua torneira, e por conta da Enel o distrito não tem a ligação do poço profundo. Não é instalar não, porque a instalação quem faz é outra empresa, a Enel vai lá só puxar o cabo e ligar. Quem faz a Enel são pessoas desumanas. Não consigo ver essa situação e não reclamar, não me queixar.

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