Um mapeamento realizado por meio de imagens de satélite, feito pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), mostra que, em apenas um ano, houve um aumento de 2,5 mil hectares de área plantada em três municípios da Chapada do Apodi, que representa um crescimento de 16,27%. A análise foi feita em três municípios – Limoeiro do Norte, Quixeré e Tabuleiro do Norte -, a partir de um algoritmo, que foi aplicado com uso da plataforma Google Earth Engine, tendo como base imagens geradas pelos satélites Landsat 9 e Sentinel 2 e índices espectrais. Com o procedimento, a Funceme, através da Gerência de Meio Ambiente, comparou os dados no intervalo de um ano.
Em julho de 2023, a área cultivada nos três municípios do Interior do Ceará era de 15.811 hectares e, neste mês, o órgão observou que, juntos, os três municípios somavam 18.384 hectares. O município de Limoeiro do Norte teve o maior avanço, saindo de 8.898,97 hectares de área plantada para 11.008,21 hectares. Em Tabuleiro do Norte, saltou de 3.718,39 hectares 4.106,36 hectares e, por fim, Quixeré cresceu de 3.193,96 hectares para 3.269,83 hectares. De acordo com a Funceme, o território dos três municípios foi escolhido para análise, neste projeto piloto, por conta da sua importância econômica. Contudo, o mapeamento não consegue definir qual cultura tem sido desenvolvida nas áreas.
HISTÓRICO
O geógrafo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Leandro Cavalcante, que pesquisa o avanço da agricultura irrigada na região jaguaribana, afirma que os dados apresentados pela Funceme têm coerência com o que tem acontecido nesses territórios. “O cultivo que vem crescendo é o algodão e, na entressafra, a produção de soja, por empresas que vêm se instalando desde 2021. É um processo recente”, pontua.

A velocidade da expansão da área cultivada, contudo, surpreendeu o pesquisador, apesar de fatores ambientais, políticos e sociais terem favorecido, ao longo dos anos, o crescimento do agronegócio na Chapada do Apodi. Primeiro, na década de 1990, com o perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi, houve um investimento maior na banana, que, logo em seguida, atraiu empresas nacionais e internacionais, que apostaram no cultivo de outras frutas para exportação, como melão e abacaxi. A conclusão do Açude Castanhão contribuiu com esse processo, garantindo água bombeada do Rio Jaguaribe, a partir da Barragem das Pedrinhas.
Em 2010, houve uma grande crise hídrica e rebaixamento do nível do rio. “A irrigação foi mais limitada e algumas empresas abandonaram a região”, lembra o pesquisador. Depois desse período difícil, as empresas multinacionais passaram a explorar dois grandes aquíferos: Jandaíra e Açu. “A água vem desses aquíferos. Isso já era feito, mas foi potencializado pela crise hídrica”, explica Leandro.
Então, do ponto de vista ambiental, do acesso à água, a região foi favorável para o desenvolvimento de monoculturas de larga escala, potencializadas, agora, pelo avanço do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF). Por outro lado, a Chapada do Apodi também possui solos naturalmente férteis, bons para irrigação. “Um relevo muito plano por conta da própria característica da Chapada, até mesmo o nível de insolação”, reconhece o pesquisador.
Na outra ponta, Leandro acredita que houve uma política, iniciada ainda no governo de Tasso Jereissati, de grandes incentivos fiscais para a atração de empresas. A medida continuou nos governos que o sucederam. “Hoje, o próprio algodão tem incentivos fiscais, financiamento por bancos federais, licenciamentos ambientais e outorga da água. Então, tem um papel do Governo do Estado muito forte nesse crescimento”.
PREOCUPAÇÃO
Se por um lado, o avanço pode representar um crescimento na economia, o pesquisador da UFRN enxerga que há um deslocamento para outras áreas da Chapada, historicamente ocupadas por camponeses, que conservam outro modo de produzir e outra relação com a terra. “Há, atualmente, uma reconfiguração dos usos da terra na Chapada do Apodi”, enxerga. “Hoje percebemos fortemente a expansão do agronegócio dos grãos, com foco no algodão, mas também de soja, sorgo e milho. É o único lugar do Ceará que se planta soja e algodão em larga escala, nos moldes do que observamos no Cerrado. Isso não existia há algumas décadas”, reforça Leandro.
Quando se trata de expansão de área plantada, o geógrafo alerta que também estamos falando de desmatamento, inclusive de maneira irregular. “Em Tabuleiro do Norte, já registramos o ‘correntão’, onde dois tratores arrastam uma corrente presa a eles, destruindo o que tem pela frente, prática que ocorre na Amazônia e no Cerrado, matando a fauna e flora”, alerta. No Brasil, uso de “correntão” é considerado crime ambiental. “Não tem motivo para comemorar, mas para se preocupar”, completa.
Outro problema que preocupa é o uso de agrotóxicos. Mesmo com a pulverização aérea de veneno proibida no Ceará, a partir da Lei 16.820/2019, as comunidades têm registrado o uso de drones para aplicação dos defensivos agrícolas, conforme o pesquisador. “Isso tem repercussão na saúde e no meio ambiente, como um todo e, direta ou indiretamente, chegam às famílias, contaminam as cisternas. Em Tabuleiro do Norte, já tem causado a mortandade de abelhas, trazendo prejuízo para a saúde e economia local”, adverte.
Por isso, o avanço pode acentuar, na visão de Leandro, os conflitos sobretudo por terra e água. “É nítida a sobreposição de uma territorialidade sobre a outra”, enxerga. O historiador a ativista ambiental Reginaldo Ferreira, que compõe o Movimento 21 de Abril (M21), admite que a situação vem angustiando as comunidades. “A ocupação na nossa Chapada vem há muito tempo, mas observamos, agora, um avanço em área virgem, principalmente após a pandemia, o que tem causado a queda na produção de mel. Além de descampar as flores, o veneno tem matado as abelhas”, alerta.