Moradora há mais de 20 anos da rua Nogueira Acioli, no Centro da capital cearense, Karla Rodrigues, de 47 anos, precisa se locomover a pé todos os dias para vender seus lanches em vários pontos do bairro. Com sacola pendurada nos braços e as mãos levando um carrinho de comidas, a autônoma tem obstáculos diários a serem enfrentados ou – colocando em termos práticos – desviados: os desníveis, lixos e buracos das calçadas das vias por onde passa em Fortaleza. A problemática na Capital tem perdurado ao longo do tempo e, em 2023, o desafio continua. De janeiro de 2022 a fevereiro de 2023, por exemplo, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) realizou 2.386 fiscalizações relacionadas às práticas e posturas inadequadas em passeio público.
Conforme a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a partir dos dados oficiais da Cartilha de Boas Práticas para Calçadas de Fortaleza, a calçada é o espaço público reservado ao pedestre para os deslocamentos diários realizados na cidade. Portanto, é preciso cuidar “muito bem da qualidade das calçadas de Fortaleza para trazer mais conforto e acessibilidade para todos os cidadãos”, diz o estudo.
Ainda segundo o documento, a cidade deve ter: acessibilidade para todas as calçadas, tornando o espaço público mais igualitário; plantio adequado de espécies arbóreas nas calçadas para trazer conforto às caminhadas; pavimentação apenas os materiais adequados; não obstrução com mesas, cadeiras ou outros objetos que possam bloquear a passagem dos pedestres.

Rodrigues revela que já caiu duas vezes e torceu o pé em 2021 quando voltava para casa. “É muito ruim porque tem esses matos altos que a gente não sabe onde tem ou não um desnível. Acabei pisando em falso aqui nesse ponto em 2021 e torci o pé esquerdo. A partir desse dia, tento sempre desviar para a rua, mas tenho outro obstáculo: os carros”.
O mestre de obras Emanuel Filomeno, de 63 anos, caminha da avenida Dom Manuel até a Costa Barros, também no Centro de Fortaleza, para pegar sua condução diária. Para ele, os dias mais difíceis são os de chuva.
“Quando está chovendo muito, eu tento ir pelas ruas adjacentes da avenida, mas as calçadas prejudicam nosso caminho. Muitas dela têm lixo e resto de comida. Perto do Mercado dos Pinhões, por exemplo, tem até bar que coloca cadeira na calçada. Vejo isso quando volto pelo mesmo caminho à noite”, denuncia o Emanuel.
A problemática da acessibilidade física ao ambiente construído vem sendo trabalhada já há algum tempo no Brasil. Contudo, o tema se encontra em diferentes situações nas diversas cidades brasileiras. De modo geral, segundo o Guia de Acessibilidade do Governo do Estado, observa-se uma transformação a partir da década de 1990, quando alguns projetos iniciam a incorporação de elementos acessíveis, e os movimentos e associações de pais, amigos e pessoas com deficiência trabalham no sentido de garantir a todos o direito de ir e vir, sem o qual nenhuma pessoa pode realizar atividades cotidianas, obter os benefícios e usufruir o direito à saúde, à educação, à cultura e ao lazer.
Há mais de 20 anos, com a determinação do Decreto n.º 5.296/2004, que definiu prazos para atendimento das condições de acessibilidade (tanto nas vias públicas, como nas edificações), a inserção da acessibilidade passa a ser uma questão prioritária no planejamento das cidades e nos projetos urbanos e de edificações.
Nesse sentido, vale ressaltar a definição de via pública, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB): “superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central”. Devendo, portanto, a via pública oferecer condições de segurança e conforto a todos os seus usuários, inclusive aos que têm deficiência ou mobilidade reduzida, com atenção especial ao pedestre.
Também consoante o CTB, calçada é a parte da via, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário, sinalização, vegetação e outros afins.
A Prefeitura explicou ao OPINIÃO CE, por ligação e por nota, que a responsabilidade de manter as calçadas privadas são dos donos do imóvel, mas que a fiscalização é feita pela Agefis. Já os passeios públicos são de responsabilidade de cada gerência.
“Esses espaços devem ser mantidos livres de obstáculos e construídos segundo as normas técnicas estabelecidas pelo Código da Cidade. Esse trabalho foi intensificado desde janeiro de 2019, com a operação Calçada Acessível, que percorre as ruas e avenidas de maior fluxo, alcançando também as imediações. A Agefis também participa da execução do Plano de Caminhabilidade em parceria com a Seuma e outros órgãos da Prefeitura de Fortaleza”.
A população pode acionar a fiscalização por meio dos canais de denúncia da Agefis: o aplicativo Fiscalize Fortaleza (disponível para Android e IOS), o site denuncia.agefis.fortaleza.ce.gov.br e o telefone 156.

De acordo com o artigo 889 do Código da Cidade (Lei complementar no 270/2019), embaraçar ou impedir o livre trânsito de pedestres, veículos, nas vias, calçadas e logradouros públicos sem as medidas preventivas e/ou licenciamento da Prefeitura é uma infração grave, cuja penalidade inclui multa que varia de R$90 a R$ 14.400,00, e remoção do obstáculo.
Conforme o artigo 863, também é considerada irregularidade “Deixar de executar calçadas públicas quando exigido, ou executá-la em desacordo com este Código”. O valor da multa, neste caso, varia entre R$ 30,00 a R$4.800,00, além da imposição da obrigação de adequação da calçada às normas municipais. Os valores das multas variam a depender de alguns fatores, como a gravidade da infração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e a capacidade econômica do autuado.