Uma das primeiras medidas do governador Elmano de Freitas após assumir foi solicitar formalmente a suspensão do edital que estabelece a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara, no litoral cearense. A medida é envolta em polêmica, pois confronta os interesses de sustentabilidade em detrimento do interesse de investimentos da iniciativa privada, estes mencionados por Elmano em campanha.
O governador do Ceará informou, na última quarta-feira, 11, que solicitou à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a suspensão do edital por meio de ofício. “Da área total do parque, 6.150,29 hectares pertencem ao Governo do Ceará. O Estado realizou ações e investimentos nos últimos anos, buscando promover a preservação da área, o estímulo do turismo sustentável e o desenvolvimento socioeconômico da região que é um dos principais cartões postais do país”, defendeu o chefe do Executivo estadual.
Para o especialista Fábio de Oliveira Matos, do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar-UFC), “a privatização do parque, do modo como foi sendo construído, não deixa claro a responsabilidade social e ambiental da eventual vencedora da licitação em atender os princípios previstos na nossa legislação, bem como no próprio plano de manejo existente”. A empresa vencedora terá que desembolsar, no mínimo, R$ 7,5 milhões, pela concessão de 30 anos. Segundo o texto, assinado pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, a empresa que assumir o parque deverá prestar serviços de “apoio à visitação, revitalização, modernização, operação e manutenção dos serviços turísticos”, além do “custeio de ações de apoio à conservação, proteção e gestão” do local.
Elmano de Freitas, por sua vez, afirma que “todo esse processo de elaboração do edital foi realizado de forma arbitrária, sem qualquer diálogo técnico com o Estado”. “Jericoacoara é um patrimônio do povo cearense”. Nesse sentido, Fábio Matos afirma que a decisão da gestão estadual é bastante positiva, “pois possibilitará que o edital possa ser amplamente discutido pela sociedade cearense”. “Tendo em vista que Jericoacoara é um patrimônio natural do nosso Estado, a população e representantes da área ambiental precisam ser ouvidos. Uma proposta dessa magnitude precisa ser debatida em sua base local e regional, ao invés de vir de modo impositivo da esfera federal”, defende.
A intenção de conceder o parque à iniciativa privada foi formalizada pelo Governo Federal em 2019, quando a recomendação foi publicada no Diário Oficial da União pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão do Parque, o órgão está trabalhando no projeto há mais de um ano. “Todas as etapas passaram por consulta pública, e fizemos duas audiências: uma em Cruz (praia do Preá) e outra em Jijoca”, disse o instituto ao OPINIÃO CE.
A iniciativa de concessão não é de todo ruim e pode ter efeitos positivos, como destaca o especialista do Labomar. “A concessão da gestão à iniciativa privada do Parque concentraria principalmente na possibilidade de ampliação da infraestrutura de salvaguarda ambiental, com potenciais investimentos em equipamentos e projetos que foquem na preservação das espécies animais e vegetais ali existentes, bem como relacionado ao equilíbrio ecológico”, pontua.
Segundo ele, no entanto, os pontos negativos seriam, sobretudo, “a falta de clareza de que os recursos poderiam ser de fato investidos na preservação ambiental e, não, em equipamentos voltados para o turismo”.
“Isso poderia ser um agravante, pois atualmente o Parque já sofre com a expansão da atividade turística na região, com as trilhas sobre dunas, infraestruturas irregulares, poluição do ar, da água e do solo, por exemplo”, finaliza. Juliana Melo, doutora em Planejamento Territorial e Gestão Ambiental e professora da UFC, explica que a concessão não é uma privatização, e sim uma desestatização com transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União.
“Esta desestatização visa a reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Assim, serviços públicos poderão ser objetos de concessão, permissão ou autorização, por tempo determinado”.
O Parque Nacional de Jericoacoara situa-se nos municípios de Jijoca de Jericoacoara, Cruz e Camocim, no litoral oeste do Ceará. O local foi criado em fevereiro de 2002, a partir da recategorização parcial da Área de Proteção Ambiental de Jericoacoara, estabelecida pelo decreto 90379, de 29 de outubro de 1984, nas cidades de Jijoca de Jericoacoara e Cruz.
Colaborou Priscila Baima