As enchentes que acometem o Rio Grande do Sul neste ano têm gerado preocupação, tanto da população como dos agentes políticos. Em entrevista exclusiva ao OPINIÃO CE, o vice-prefeito de Fortaleza, Élcio Batista (PSDB), revelou que a Prefeitura está desenvolvendo um estudo, a ser entregue até o fim do ano, para mitigar riscos climáticos na cidade. Conforme ele, a gestão municipal, atendendo pedido do prefeito José Sarto (PDT), vem trabalhando, desde o final de 2023, no desenvolvimento de um estudo de planejamento, por meio do Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor).
O estudo engloba diagnósticos de constituição de cenários e o plano de ação para esses cenários, relacionados com resiliência, adaptação e mitigação aos riscos climáticos. O Executivo municipal também vem trabalhando com a Defesa Civil, desde 2021, na localização das inundações que afetam a cidade. “Temos todos os pontos de inundação e já está analisando todas as causas em cada um desses pontos”, revelou Élcio. Confira a entrevista completa.
OPINIÃO CE – Como garantir que Fortaleza não passe por uma situação semelhante a do Rio Grande do Sul?
Élcio Batista – A última morte em Fortaleza em decorrência de inundações tem 14 ou 15 anos. Está chovendo mais ou menos? Aparentemente, mais. Então, o que aconteceu em Fortaleza: a gente melhorou muito a drenagem na cidade e melhorou muito as áreas que antes eram muito suscetíveis a isso, como, por exemplo, o Cocó. Muitas pessoas foram retiradas ao longo do Cocó. Foi feita a barragem de contenção do Maranguapinho e a barragem de contenção do Cocó, foram retiradas pessoas do Maranguapinho. Se você for lá no Maranguapinho, teve um projeto do Governo do Estado em parceria com o Governo Federal, financiando a drenagem do Cocó, embora já esteja assoreado de novo. A cidade melhorou. A gente está botando mais intertravado e menos asfalto. Isso tem ajudado, mas não é suficiente. A gente vai ter que fazer mais.
Desde o final do ano passado, estamos trabalhando, no Instituto de Planejamento, um planejamento da cidade, com diagnósticos de constituição de cenários e o plano de ação para esses cenários, relacionados com resiliência, adaptação e mitigação aos riscos climáticos. Isso está sendo feito agora. Já temos estudos e estamos trabalhando com a Defesa Civil. Desde 2021, o Instituto de Planejamento já plotou todas as inundações da cidade, então, temos todos os pontos de inundação da cidade e analisamos todas as causas em cada um desses pontos. Com isso, a gente vai ter o plano de ação e colocar no longo prazo esse plano de ação, para a cidade ir se preparando.
OPINIÃO CE – Como você convence a ter uma estrutura que, à primeira vista, pode parecer exagerada?
Élcio Batista – Isso já está acontecendo. Na terça-feira [14] eu me reuni com a AFD, a Agência Francesa de Desenvolvimento, e eles só vão financiar projetos que trabalhem diretamente com resiliência climática, adaptação e mitigação. Se não tiver, eles nem financiam. Você tem que entender como é que funciona o mundo. É igual, por exemplo, eu querer, como a gente está discutindo muito aqui no Ceará, que o futuro seja o hidrogênio. Todo mundo está dizendo isso, mas vamos lá. Quem faz carro? O Brasil faz carro? Não, não tem carro brasileiro, tudo é feito aqui por multinacionais. O futuro é determinado por cinco países no mundo: França, Alemanha, Estados Unidos, China e Inglaterra. Esses países determinam o que vamos consumir. Se eles disserem que será hidrogênio, vai ser. Não somos nós que temos poder para definir. A China, por exemplo, já definiu que o carro é elétrico e está inundando o mundo todo de carro elétrico. Quando ela inunda o mundo todo de carro elétrico, o que ela está fazendo, atualmente, e está vendendo inclusive subsidiado, ela está perdendo dinheiro. É assim que funciona no mundo. Então, já estamos sofrendo uma imposição, as cidades, os estados e os países, que é: quem tem dinheiro no mundo diz que vai financiar, mas só financia se você apresentar um projeto de financiamento na sua cidade para resolver o problema relacionado com a questão climática. É assim que funciona.
OPINIÃO CE – E como convencer as pessoas?
Élcio Batista – O outro lado é você convencer as pessoas no nível local a saírem de uma determinada região porque ela vai alagar. Pode ser que não seja hoje, não seja amanhã, pode ser que seja daqui a 10 anos, mas vai alagar e essas pessoas iriam morrer. Temos o exemplo do Cocó. Quando eu estava no Governo do Estado, ainda conseguia bloquear e mandar a polícia. O Cocó está sendo todo ocupado, lá naquela margem da foz do rio. Se tiver uma chuva em Fortaleza parecida com a que ocorreu lá [no Rio Grande do Sul], as primeiras pessoas que vão perder tudo são aquelas que estão ali.
Então, a gente vai ter que convencer essas pessoas a saírem de lá e irem para outro canto. Porque no dia que acontecer, elas serão afetadas. É esse estudo que a gente está fazendo. As áreas sensíveis ambientais, a gente está entendendo, se vier muita água, o que vai acontecer com elas e com as pessoas que estão próximas. A gente vai começar um processo para que elas se desloquem dali e teremos que oferecer infraestrutura e moradia em outro canto para retirar essas pessoas.
OPINIÃO CE – Isso nos casos extremos, quando não tem possibilidade de elas ficarem ali?
Élcio Batista – Nos casos em que os cenários construídos, baseados em modelos matemáticos, indiquem que, se ocorrer uma precipitação de 300 mm, haveria malefícios àquelas pessoas. Por exemplo, só para você ter uma ideia: não era comum você ver em Fortaleza casas desabando. Neste ano, tivemos casos no Poço da Draga e tivemos outro caso de três casas que desabaram. Porque muitas dessas casas construídas na década de 1960 e 1970 nos aglomerados subnormais, foram feitas em regime de mutirão. Muitas delas foram feitas sem nenhum tipo de planejamento, em áreas em que você não teve ali uma infraestrutura de base suficiente para suportar. Agora, com os novos volumes de água e a movimentação do subsolo, poderemos ter desabamentos que no passado não aconteciam.
Estamos trabalhando justamente para identificar todas essas vulnerabilidades e, ao mesmo tempo, os riscos climáticos, planejando quais devem ser as ações a serem tomadas. Essa deliberação foi dada pelo Sarto no ano passado e a gente está trabalhando também em parceria com organizações internacionais justamente para desenvolver modelos, metodologias e, ao mesmo tempo um plano de ação relacionado com a questão das mudanças climáticas.
OPINIÃO CE – Quando esse planejamento deve ser finalizado?
Élcio Batista – Até o final do ano a gente conclui. Estamos fazendo ações relacionadas com o próprio planejamento que está ocorrendo agora, identificando os lugares. Por exemplo, na Heráclito Graça, a Prefeitura está fazendo a intervenção lá, que é para diminuir justamente o risco e aumentar a resiliência relacionada com aquela inundação que ocorre todo o ano por conta das chuvas. Já é um ponto crítico da cidade que a gente já conhece e que temos a primeira intervenção. Talvez não seja nem a última, talvez ainda tenha mais. Então, estamos fazendo algumas intervenções já relacionadas com os estudos que temos, mas até o final do ano a gente vai ter esses estudos mais elaborados para apresentarmos um plano de ação.
OPINIÃO CE – Vocês pensam em fazer um instrumento legal para podemos ter, independente da gestão, uma continuidade deste plano?
Élcio Batista – Como é que você faz para um plano não ficar engavetado? Como o plano de 2015, por exemplo, que foi feito e financiado pelo Governo Federal e que apontava um aumento de chuvas no Rio Grande do Sul, mas de 2015 a 2024 não foi feito nada pelo próprio Governo Federal e nem induziu o Governo do Estado e nem a Prefeitura a fazer nada. A primeira coisa é, uma vez terminado o plano, dar conhecimento. Esse processo de engajamento do setor privado, sociedade civil e meios de comunicação é fundamental para a transparência e para o acompanhamento das iniciativas que devem ser implementadas.
O segundo ponto importante, e que eu acho que Fortaleza, assim como outras cidades, têm uma vantagem, são os Institutos de Planejamento. Porto Alegre, por exemplo, não tem Instituto de Planejamento. Curitiba e Fortaleza têm. Ele é o guardião do planejamento de longo prazo, da estratégia de longo prazo, do plano estratégico. Isso faz com que, embora mudem os governos, cada um que entra, se tiver mudança desse governo, tem o Instituto de Planejamento para dialogar tecnicamente com o grupo político que assume e indicar e falar para eles que essas iniciativas precisam ter continuidade. É fundamental para a cidade e é por isso que a gente criou a Rede Brasileira de Institutos de Planejamentos, para fomentar as capacidades institucionais dos municípios a responderem aos desafios do Século XX e aos desafios do Século XXI.
Na medida em que eu identifico pessoas em áreas sensíveis, ambientalmente, que precisam sair dali para ir para uma nova área, eu já vou colocar essas pessoas em uma nova área que tem infraestrutura e que tem saneamento. Com isso, eu resolvo dois problemas. É uma forma de acelerar a nossa redução de desigualdades. Vejo uma oportunidade agora.