Sábado, dia 30, depois de duas reuniões pela manhã e aula a tarde toda, eu tinha direito aquela angústia da condição humana, que só pode ser sentida por uns poucos (entenda-se: uma boa música). Sim, esse tipo de angústia, hoje em dia é um privilégio dos que dispõem de ócio. Pois então, no dito sábado à noite tive esse privilégio, ali, no Cantinho do Frango. O Caio já o havia indagado sobre o por que do Cantinho do Franco para realização daquele show, depois de um período de tratamento nada fácil, já que existiam outros lugares, outros equipamentos como o próprio Theatro José de Alencar.
“Porque aqui é uma mistura do Bar do Anísio com o Estoril”, respondeu-lhe, Ednardo. Ao chegar, encontro a Bete e o Ricardo Bezerra com quem tomo um copo de cerveja e, ele foi logo lembrando: “Não esqueci, dia 14 de maio é o lançamento do livro do Augusto Pontes, na Biblioteca Pública e depois aqui no Cantinho”. Olho em volta, bar lotado e energia para todo lado para ouvir música, e que músicas. Fiquei pensando sobre a condição social do artista. O nosso grande poeta, Ferreira Gullar, quando perguntado sobre essa necessidade da arte pelo homem, disse: “Porque o homem não se basta”.
E lembrei de Ernest Fischer que faz a seguinte reflexão: “Por que milhões de pessoas leem livros, ouvem música, vão ao teatro e ao cinema? Que estranho, misterioso divertimento é esse?”. Pois é, lá estava eu. Ednardo sentado com microfone em punho cantando aquelas canções gravadas em 72, com o devido apoio luxuoso do vilão do Patriolino. Pô! Mas quando, vagarosamente, ele foi soltando a voz e contou Bip Bip, eu senti aquele prazer, aquela angústia sentida por poucos. Ao perceber o Caio chamou-me.
E, o artista não se conteve com aquele público de gerações e de idades diversas. Ficou de pé e de forma emocionada falou da canção Mucuripe e de seus compositores, Belchior e Fagner, mas não deixou de cobrar dos autores a ausência ou citação do nome de Augusto Pontes, autor da frase: “Vida, vento, vela, leva-me daqui”. Quando de pé com os braços abertos, Ednardo cantou de forma emocionada a canção Paralelas, não teve jeito, os olhos marejaram. Mas, aquele pertencimento dos lugares de memória e dos espaços da cidade levou a plateia a cantar e aplaudir de pé a canção Terral:
“Eu venho das dunas brancas /Da onde eu queria ficar/ (…) Eu tenho o sol e areia / Sol da América /Sul da América /South América /Eu sou a nata do lixo /Eu sou do luxo da aldeia /Eu sou do Ceará”. (…) O velho que apagado/O novo que espantado/O vento a vida espalhou/Luzindo na madrugada/Abraços corpos suados/A praia fazendo amor”. Vida longa, Ednardo!