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11 de novembro de 2024

E aí, Jeri, tu é de quem?

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“Quem é a dona da vila de Jeri? Quem é essa Iracema que nunca ninguém ouviu falar? É a do José de Alencar?” Não se fala em outra coisa na cidade dos meus parentes paternos. O tal do Zé Maria, como era conhecido o dono da Firma Machado, que comprou terrenos imensos para plantar coqueiros e cajueiros no início dos anos 1980, pegou a época em que era fácil trocar terra por qualquer coisa. Embora não saiba o valor da compra, certamente devia ser muito barato.

Conversando com os mais velhos, escutei que era comum trocar terrenos por sacas de feijão ou farinha, especialmente nos períodos de seca. Sim, mesmo em um lugar tão bem servido de rios e lagoas, um mau inverno trazia consigo muita pobreza.

Fui testemunha de muita privação nos arredores da casa do meu avô quando criança. A opção para melhorarem de vida naquela época era a mudança para cidades maiores. Esse foi o destino do meu pai e da maioria dos seus irmãos. Quem ficou, permaneceu agricultor e com muitas dificuldades para sobreviver. O solo arenoso só dava mandioca, milho e feijão. E, mesmo assim, só para comer. Não dava para sustentar direito as famílias numerosas. Era complicado. 

Em Jeri, quando o turismo começou a ter força, foi um tempo de muita exploração. Quem lá vivia e era nativo, morava em quartinhos sem muita estrutura. Não tinham qualquer direito trabalhista, nem mesmo folgas. Cheguei a visitar alguns primos que moravam lá e era muito difícil até falar com eles, porque eles sempre estavam trabalhando. Minhas primas que faziam crochê fora da Vila vendiam para atravessadores e ganhavam uma miséria por meses de trabalho confeccionando colchas, toalhas de mesa e varandas de rede. 

Por isso, muita gente preferiu ir embora para Fortaleza, nem que fosse para trabalhar na construção civil ou como empregada doméstica. Era melhor do que viver desse jeito, sem perspectiva e ganhando tão pouco. A escola, a maioria abandonava antes de concluir o quarto ano do Ensino Fundamental. Para fazer o Ensino Médio, tinha que ir para outras cidades, porque não havia escola desse tipo por perto. 

Hoje, muita gente voltou para a cidade para empreender e trabalhar no transporte de turistas. A terceira geração da minha família tem muitos bugueiros e donos de caminhonetes que fazem frete para a Vila. Outras primas se tornaram professoras. Tem gente trabalhando na prefeitura como funcionário público. As coisas mudaram.

No entanto, a cidade vive uma explosão de especulação imobiliária. O que antes se trocava por comida, hoje vale milhões. Muitos pedaços da vegetação nativa, que era cheia de coqueiros, carnaubeiras, mangueiras e cajueiros, já foi desmatada para dar lugar a loteamentos.

Tem de todo jeito: financiado, à vista, de alto padrão, médio padrão, casas populares construídas e abandonadas… Também hotéis de luxo e pousadas para todos os gostos. A impressão que eu tenho é que os moradores estão arribando para dar tudo aos forasteiros.

Os irmãos do meu pai que ainda têm terras perto de onde nasceram, ou estão se desfazendo desses trechos ou estão construindo, para mostrar que a terra tem dono. 

A velha casa dos meus avós, com fundos para o Córrego do Urubu e o Boqueirão da Lagoa do Paraíso, depois de um tempo conservada pelos novos donos, está se transformando em ruínas. O senhor que comprou o terreno faleceu e os herdeiros estavam vendendo tudo, incluindo as terras do meu avô, por 4 milhões. Em 2000, o valor desse terreno não era 10% do que vale hoje. 

Com toda essa valorização, um tio com mais de 80 anos chegou até a pensar em vender sua casa com o terreno e ver algum outro lugar para morar. Podia até ser uma casinha na cidade, quem sabe. No entanto, a esposa dele bateu o pé e disse que não sairia de onde ela criou seus filhos, netos e bisnetos, onde tudo construiu e viveu desde que nasceu. Depois de morta, os filhos que decidissem o que fazer com as terras. Mas ela, viva, não ia sair da sua casa por dinheiro nenhum. 

Fico me perguntando como será aquela cidade daqui a 20 anos. A Lagoa do Paraíso ainda será balneável? E os muitos rios e córregos que cortam a cidade? O mangue do rio Guriú, será que vai resistir? E qual será o desfecho desse imbróglio pelas terras da Vila de Jeri? Vamos aguardar os próximos capítulos.

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