Sábado, dia 25, bateu saudade da confraria e fui jogar conversa fora com a turma. No canto da longa mesa, eu e o poeta declamador de Limoeiro do Norte, por um instante, ficamos a conversar e curtir os poemas. O cuidador de carros e pedinte aproximou-se e pediu uma dose. O poeta deu-lhe uma dose de whisky e, diante da situação do homem, com os olhos marejados, falou-me: “o poeta Olavo Bilac bem diz: ‘Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o teto; e o que deu uma esmola ao primeiro mendigo’, abençoai”. Começamos, então, a falar da violência contra mulheres e crianças nas guerras modernas e da miséria no mundo. No resto do fim semana, fiquei lembrando do trecho do poema. Na segunda, dia 27 de janeiro, após o acordo de cessar-fogo do conflito entre israelenses e palestinos, vi a realidade estampada na TV. Aquele corredor humano com mais de 650 mil pessoas de volta para casa no Norte da Faixa de Gaza, naquela triste e longa caminhada de 25 a 40km pela via costeira à beira do Mar Mediterrâneo, comoveu-me. Na hora, perecia mais uma foto ou a cena de um filme de milhares de famílias judias fugindo ou de prisioneiros judeus. Mas de volta para quais casas? As cidades tornaram-se escombros e entulhos. Ao amigo que assistia ao lado, perguntei-lhe: “O que você sente ao ver essa cena? Ela tem alguma importância?”. “Não sei muito bem, mas sinto pena, tristeza”, disse-me. Guarde-a bem na memória, pois essa imagem estará no próximo ano como ilustração nos livros de história que seu filho vai estudar. Todo ano, no dia 27 de janeiro, comemora-se a libertação dos judeus do maior e mais mortal campo de concentração, o de Auschwitz, na Polônia. Campo onde foram exterminados mais de 1 milhão de judeus, milhares de soviéticos, “comunistas”, ciganos, sociais-democratas etc. O primeiro campo construído foi Dachau, na Alemanha, em 1933. Até 1945, a Alemanha nazista construiu mais de 44.000 campos de aprisionamento e extermínio. No decorrer da Segunda Guerra, os EUA e seus aliados europeus sabiam da existência desses campos. Por outras questões envolvidas, omitiram-se em dar um basta ao sofrimento do povo judeu nesses campos de extermínio. Ironicamente, a ex-URSS, um país declaradamente ateu e não democrático, para conter o seu “arqui-inimigo”, o nazismo – anticomunista, antissocialista e defensor do extermínio dos eslavos, considerados, pelos nazistas, raça inferior -, aliou-se aos EUA, à Inglaterra e à França, também desejosos para aniquilar os inimigos nazistas – antidemocráticos, antiparlamentares e antiliberais. Ironicamente, naquele fatídico dia 27 de 1945, foi o Exército Vermelho, dito “comunista”, que invadiu a Polônia libertando os judeus de Auschwitz. Pelo feito histórico, o dia 27 de janeiro foi definido pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o “Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto”. Em todas essas comemorações de libertação do Campo de Auschwitz pelo Exército Vermelho, os dirigentes russos eram convidados e participavam dos eventos, com exceção dessa comemoração de 80 anos, em 2025, em que a Rússia não foi convidada para a cerimônia de homenagem. Como reação na mídia, Vladimir Putin declarou que “tudo será feito para impedir a disseminação do antissemitismo, da russofobia e de outras ideologias racistas”. No contexto da Guerra Fria, a Rússia apoiava os árabes-palestinos, enquanto os EUA apoiavam e apoiam o Estado de Israel. Pois é, os judeus, de vítimas do Holocausto, agora são os que praticam o terror, a violência e o massacre sobre as populações inocentes de palestinos, criando um campo de concentração a céu aberto. Putin não foi convidado por ser acusado de não respeitar a soberania, pela invasão da Ucrânia e pelas mortes de civis, então, por que o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, também acusado de “crimes de guerra e crimes contra a humanidade” em Gaza pelo Tribunal Penal Internacional, foi convidado a participar do evento? A partir do dia 27 de janeiro do próximo ano, deveria ser celebrado, na cerimônia, o “Dia internacional da lembrança do Holocausto judeu e do massacre e do corredor humano do povo palestino”. Será? Até quando vingará esse cessar-fogo e a paz entre os dois povos irmãos?

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