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16 de fevereiro de 2025

Desigualdade estrutural sentida no prato e na pele

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Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Essa é a frase que consta no artigo 3º – inciso III da Constituição Federal do Brasil. Todavia, o objetivo ainda parece ser algo distante quando se fala das diferenças sociais no Brasil, sobretudo no Ceará, onde mais de 60 mil pessoas entraram na linha da pobreza ou pobreza extrema na pandemia, de acordo com o Ministério da Cidadania.

A lista Forbes 2021, por exemplo, traz o Estado com 17 bilionários entre seus 345 nomes. A partir das cifras somadas no bolso e no patrimônio de cada um dos cerca de 20 privilegiados, o Ceará figura como primeiro no Nordeste em número de pessoas muito ricas e de valor de patrimônio que se aproxima a R$ 80 bilhões, todos juntos. O ranking leva, ainda, a unidade federativa a ocupar a sexta colocação no Brasil.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em 2020, os mais ricos do Ceará ganhavam 40,5 mais que os mais pobres. Estes que sobreviveram com R$ 314 por mês naquele ano. Em 2022, a desigualdade social ainda persiste e a origem disso está em vários fatores econômicos e sociais. É o que explica Erick Padilha, mestre em Políticas Públicas. Para o também historiador, a desigualdade social no Ceará se inicia na exploração advinda dos portugueses.

“O Ceará é parte do Brasil, uma colônia de exploração portuguesa. De modo geral, podemos dizer que, enquanto país, fomos ocupados por europeus que olhavam para nosso território procurando o que poderiam tirar daqui para enriquecer um outro lugar. A exploração de alguns locais contribuiu também, posteriormente, para processos de urbanização e desenvolvimento econômico mais acelerados, não obstante os cenários cruéis de desigualdade”.

PACTO FEDERATIVO FRÁGIL
Wellington Maciel, professor de Ciências Sociais da Universidade Estatual do Ceará (Uece), acredita que essa desigualdade é muito marcante ainda hoje e que tem a ver com, segundo o docente, um pacto federativo frágil e que passa pelo desenvolvimento de políticas redistributivas contínuas.

“O Brasil tentou isso no início da década de 2000, com os governos ditos progressistas. Obviamente que são políticas importantes, de redistribuição de renda, de melhoria da renda média da população mais pobre, mas que ainda não foi capaz de atingir de fato as raízes do problema das desigualdades sociais.”

Para que aconteça uma mudança significativa na sociedade e se diminua a desigualdade, uma das soluções, ainda segundo o sociólogo, é a melhoria nos níveis de educação. “Quanto melhor o nível educacional de uma população, melhores serão as ocupações. Quando se melhora a escolaridade, melhora o acesso à saúde, melhora a mão de obra. É um ciclo, que se retroalimenta. É uma medida a médio e longo prazo.”

Padilha acredita que se deve ter um diagnóstico mais preciso sobre essa desigualdade, e isso inclui, também, investimentos em educação, emprego e políticas de distribuição de renda. “Quanto mais precisos e específicos forem nossos diagnósticos, melhor, principalmente para podermos investir em escolaridade, em criação de emprego, em políticas de distribuição de renda, na criação e manutenção de instituições públicas, como escolas e hospitais que ofereçam serviços de qualidade e que passem confiança para a população de que suas necessidades serão atendidas e não estamos cada um por si etc”.

Para o historiador, não adianta dizer que “todo mundo é empreendedor e responsável por si, cabendo a cada um apenas ser criativo. Precisamos voltar a reproduzir discursos e buscar ações que nos ajudem a nos constituir como seres mais responsáveis enquanto sociedade, pessoas que veem nossos problemas como problemas sociais, que exigem soluções coletivas”, finaliza.

POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS CONTINUIDADES
Em relação às políticas públicas,  Maciel defende que elas precisam ser contínuas para surtir um efeito satisfatório no âmbito social. “O principal desafio para qualquer política pública é a sua continuidade ao longo do tempo, ao longo dos governos. De fato, sejam políticas de Estado e não políticas de governo. É necessário a interferência de um ator externo, visto que a sociedade por si só ainda não consegue se resolver. O Estado deve assumir isso.”

No âmbito do Governo do Ceará, as ações são definidas a partir do Plano de Governo elaborado a cada início de uma nova gestão. De 2017 até 2021, foram identificados 18 programas sociais com 21 projetos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que mostra todas as ações do Governo cearense, especificamente voltadas à erradicação da pobreza no Estado.

O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), desde 2006, também é um dos mecanismos do governo estadual que vem acompanhando as ações e políticas públicas que direta ou indiretamente podem contribuir nessa erradicação. O volume de investimentos realizados pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop) em projetos para a redução da pobreza e da desigualdade no Ceará saltou 35,6% em 2021, em comparação com o ano anterior, totalizando R$ 639,9 milhões.

Desse montante, foram empenhados R$ 588,2 milhões, representando 91,9% do valor investido, um aumento de 25,8% em relação a 2020. Entre os projetos que receberam investimento do Fecop, destacam-se o Cartão Mais Infância, o Hora de Plantar, Ceará Credi, Fabricando Oportunidades, Bolsa de Estudos e Permanência Universitária, Agentes da Leitura, Bolsa Catador, da Secretaria do Meio Ambiente e Ceará Atleta. O Fecop também destinou recursos para a seleção e contratação de professores, por meio da Secretaria da Educação, o suprimento de medicamentos e materiais hospitalares, odontológicos e laboratoriais e para melhorias urbanas e ambientais dos rios Cocó e Maranguapinho.

Considerando a distribuição dos recursos do Fecop, 12 secretarias estaduais foram contempladas, sendo a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) a que recebeu a maior fatia: R$ 235,9 milhões. Em seguida, aparecem Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), com R$ 118,4 milhões; Secretaria da Saúde (Sesa), com R$ 96 milhões; Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), com R$ 66,4 milhões; Secretaria das Cidades, com R$ 50 milhões; e Secretaria da Educação (Seduc), com R$ 44,5 milhões.

 

 

Priscila Baima

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