Invisibilizados é o adjetivo que a escritora Ana Márcia Diógenes recorre para falar da condição de pessoas como o protagonista de seu primeiro romance, “Buraco de Dentro”. Vítor vive nas ruas, e é a partir de suas experiências que o leitor mergulha numa realidade tão crua que, por vezes, parece fantástica. A vida nas ruas é incômoda, tanto para o poder público, que deseja aparecer bem na propaganda, quanto para as pessoas, que preferem desviar os olhos de problemas grandes demais, que exigem seu compromisso para se sonhar com uma solução. A literatura, contudo, não costuma desviar seus olhos do que causa desconforto.
Depois de conquistar leitores no formato de e-book e ter sido lançado fisicamente na Flip, “Buraco de Dentro” (Ed. Patuá, 196 páginas, R$ 60) chega às mãos do leitor cearense, com evento de lançamento programado para este sábado (9), das 11h às 15h, no Café Passeio, do Passeio Público (Rua Floriano Peixoto, 90).
A história é uma ficção que parece construída a partir das diversas lentes que a autora adotou em sua vida profissional. Jornalista, Ana Márcia Diógenes já atuou, coordenou a operação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Ceará e foi secretária-adjunta da Cultura do Estado. “Quando trabalhei na Secult, entre 2013 e 2014, a secretaria ficava no sexto andar do prédio do Cine São Luiz, no Centro. De lá, via muitas pessoas que viviam na praça”, relembra a escritora, entrevistada no programa Diálogos, do Opinião CE.
O olhar jornalístico combinava-se com a experiência em ações para a infância e na gestão pública, acompanhando a vida de adultos, jovens e crianças, na absoluta precariedade de uma vida em via pública. O tema martelou na cabeça de Ana Márcia e se embrenhou em seus projetos de escrita (que já rendeu publicações para os públicos infantil, infantojuvenil e adulto).
Para inventar sua história, a autora fez uma imersão no real – como quem apura dados, colhe depoimentos e coleciona fatos para uma grande reportagem. “Conheci muitas pessoas que vivem na rua, além de catadores, e criei uma história que pudesse caber cada pessoa, todas juntas. E, infelizmente, elas cabem nessa realidade”, explica Ana Márcia, jornalista e escritora.
“A gente no jornalismo convive com realidades muito duras. Inicialmente, ia fazer com um narrador que vê tudo de cima, um narrador-deus. Mas não era isso. Se a realidade dele (o personagem central da trama) é dura, a narrativa tinha que ser a mais próxima da realidade”, detalha. Do real que chega pelos olhos e pelos ouvidos, Ana Márcia Diógenes construiu seu relato duro, costurado com a precisão de quem sabe o cuidado exigido para lidar com o que se tem em mãos: a vida de quem está à margem, a vida de quem a sociedade parece acreditar que vale muito pouco.