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24 de abril de 2025

Como Socorro Luna se tornou ‘a solteirona mais famosa do Brasil’

Ícone da Festa de Santo Antônio de Barbalha, que começa neste sábado, a advogada criou a "Noite das Solteironas", momento que reúne simpatias para conseguir um casamento
Foto: Reprodução

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A Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, em Barbalha, é um dos mais populares eventos juninos do país. Não à toa, é reconhecida, desde 2015, como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan). Com tradição secular, inevitavelmente o evento é envolvido por muitos personagens, mas poucos são — e serão — conhecidos como Socorro Luna, a solteirona mais famosa do Brasil, símbolo da “Noite das Solteironas”, que acontece neste sábado (1º). O momento se convencionou como a abertura dos festejos do padroeiro. Mas como começou essa história?

Colocar de cabeça para baixo, amarrar um fio de cabelo ou tirar o Menino Jesus do colo da imagem de Santo Antônio. As simpatias envolvendo a imagem do jovem franciscano português, que viveu entre os séculos XII e XIII, se tornaram comuns para quem deseja conseguir um casamento. Em Barbalha, elas saltaram para outro patamar em função da Festa do Pau da Bandeira, que tem como ponto alto o hasteamento de árvore gigante com a bandeira do padroeiro — costume que existe em outros municípios e distritos da zona rural, é importante ressaltar.

Na terra dos verdes canaviais, como é conhecida Barbalha, os registros dão conta que o carregamento do mastro acontece, pelo menos, desde 1928, mas alguns pesquisadores acreditam que pode ter iniciado na virada do século XIX para o século XX. Advogada e professora aposentada, Socorro Luna pegou carona na tradição de criou a “Noite das Solteironas”, em 2002, unindo as simpatias e a fé em Santo Antônio que, para muitos, é o santo casamenteiro.

Tem a pinga “Xô Caritó”, o pó “cata-marido” e um kit com a casca da madeira que serve de mastro, oração e uma fitinha dizendo “Santo Antônio, tens piedade de nós, as solteironas”. Da casca é feito um chá, servido gratuitamente na noite da festa para quem quer colocar em prática o desejo de subir ao altar.

Mas antes de entrar de vez no calendário do evento, a iniciativa da advogada era vista com chacota. “Faziam era debochar da minha cara. Aqui tinha jornalista que fazia graça com as simpatias, mas o pessoal foi bebendo o meu chá e se casando. Logo, a imprensa local repercutiu”, lembra Socorro. A prática do chá, especificamente, não foi bem aceita, a princípio, pela própria Paróquia de Barbalha. “Falavam que ia parecer ‘bruxaria’”, brinca a advogada.

Contudo, a “Noite das Solteironas” nasce de uma preocupação da própria Socorro com os rumos da festa. As quermesses vinham de uma queda grande no público, recorda. A cultura de confraternizar no entorno da Igreja estava diminuindo. Um amigo da advogada, Josafá Magalhães, já falecido, suplicou para a advogada: “Não podemos deixar isso morrer. Isso é nossa cultura. Isso é nosso!”. Ela relutou, mas decidiu pensar em algo.

Ao lado de uma amiga, Socorro decidiu ir ao corte do pau, outro momento muito tradicional na cidade e que reúne dezenas de carregadores. Na época, a atividade só reunia homens, mas isso não foi encarado como obstáculo. “Como geralmente é uma árvore medicinal, tive a ideia de ir até lá e pegar a casca para fazer o chá”. Naquele primeiro ano, o mastro foi um jatobá. Surgia ali a “Noite das Protegidas de Santo Antônio”, que notoriamente se tornaria “Noite das Solteironas”.

Atualmente, o evento é o segundo momento mais popular dentro dos festejos do padroeiro, atrás apenas do dia hasteamento do Pau da Bandeira, que acontece sempre no domingo e reúne milhares de pessoas no Centro Histórico de Barbalha. “É tradição que abre o pau e já me levou a várias homenagens em várias partes do Brasil. Fui destaque em escola de samba do Rio de Janeiro, e de uma quadrilha junina de Pernambuco”, se envaidece Socorro.

Casamento? De jeito nenhum!
Aos 70 anos, Socorro Luna permanece firme em seu desejo de permanecer solteira. “Não. Não quero mais homem, não!”, diz enfática. A decisão não é uma aversão ao casório, mas ela quis tomar um rumo diferente para a sua vida. “Eu escolhi estudar, viajar. Eu disse a mim mesma: ‘eu quero ser dona do meu nariz’”.

Seus pais, José Antônio de Luna e Julia Mendes de Luna, que moravam no sítio Riacho do Meio tiveram oito filhos, Socorro, uma das mais jovens, que era pra noivar cedo, foi “enrolando” os pretendentes, como ela admite. “Eu tive uma infância difícil. Consegui uma bolsa de estudos e fui para um colégio de classe média. Eu era uma moça acanhada, que vivia isolada. Aí conheci a biblioteca e o mundo se abriu para mim pelos livros. Ninguém me segurou mais”.

Aos 16 anos, terminou o “científico”, equivalente ao Ensino Médio, e começou a dar aulas de português e redação, ganhando seu primeiro dinheirinho. Com ele, decidiu viajar para Fortaleza e conhecer o mar. Era um sonho realizado. “Aí não parei mais de viajar”. Socorro ainda cursou Letras e Direito, onde se tornou advogada. Nessa correria, adiou noivados e até um casamento com um rapaz de Custódia, Pernambuco. “Eu sonhei casando e amanheci foi chorando”, brinca.


Desde pequena, a advogada nutria devoção por Santo Antônio. Sua mãe levava todos para a “rua”, como chamavam a zona urbana, para participar dos festejos. Hoje, Socorro possui incontáveis imagens do frade franciscano, espalhadas por todos os cômodos. Muitas delas são presentes de amigos. A fachada de sua casa, por exemplo, tem azulejos portugueses com o padroeiro. Por isso, ali se tornou um ponto de parada obrigatória para carregadores que atravessam Barbalha com o pau da bandeira nos ombros. “A solteirona mais famosa do Brasil” é festejada e erguida pelos homens.

Em 2022, na primeira festa após a interrupção por causa da pandemia da covid-19, Socorro sofreu um acidente ao cair de um palco. O episódio causou fraturas e escoriações e a fez pensar em desistir. “Achei que ficaria sem andar”, conta emocionada.

Ano passado, os próprios carregadores fizeram questão de homenageá-la, fazendo um corredor de isolamento para que, sozinha, a advogada pudesse se ajoelhar e rezar para Santo Antônio aos pés do pau. “Passa um filme. Eu mesma estou cansada. Já disse que não ia mais fazer a ‘Noite das Solteironas’, mas quando se aproxima a festa, nada me segura. Todo ano, a gente fica com o coração a mil. É indescritível. É a maior emoção que um ser humano pode sentir”.

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