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19 de janeiro de 2025

Cartão corporativo: prerrogativa ou farra assustadora com o dinheiro público?

Palácio do Planalto

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Só neste ano, foram mais de R$ 8,8 milhões usados pela Presidência da República. O OPINIÃO CE conversou com especialistas que explicam como é feito o controle dos gastos

Rodrigo Rodrigues
rodrigo.rodrigues@opiniaoce.com.br

O Cartão Corporativo do Governo Federal consiste em um meio de pagamento que funciona de forma similar ao cartão de crédito utilizado pela população em geral, mas dentro de limites e regras específicas para além das comuns (Foto: Natinho Rodrigues)

Em menos de quatro anos de mandato, os gastos do governo de Jair Bolsonaro (PL) com o cartão corporativo já extrapolam a média dos últimos chefes do Executivo. Só neste ano, foram mais de R$ 8,8 milhões usados pela Presidência – uso este em investigação no Tribunal de Contas da União (TCU).

Nos três primeiros anos de Governo (2019, 2020 e 2021), foram cerca de R$ 29,6 mi, segundo revelado pelo jornal O Globo – valor quase 20% superior aos de presidentes anteriores, como Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) – R$ 24,9 mi ao longo de quatro anos.

O presidente decretou o sigilo do detalhamento dos gastos por 100 anos, impedindo que a população saiba onde é empenhado, de fato, o dinheiro. Mas quem é o responsável por controlar o uso dos cartões, qual sua finalidade e qual a importância, neste debate, da transparência da prestação das contas? Para entender, o OPINIÃO CE conversou com especialistas em direito constitucional e em ciência política, que relatam a importância de mecanismos de controle e o prejuízo com a eventual falta de transparência na gestão pública.

“É condicionante da natureza do Estado democrático o controle, a provisoriedade, a efetivação e o alcance existente para se determinar a existência de mecanismos de verificação. Quando se fala em controle dos gastos públicos, está se falando de um direito da própria coletividade e só posso ter a existência desse direito a partir do acesso à informação”, destaca a professora de Direito Administrativo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fernanda Cláudia Araújo da Silva.

“Os protagonistas desse controle são, no âmbito da União, a própria Controladoria Geral da União, o Ministério Público e o cidadão”, explica. Uma das conquistas neste contexto é a Lei da Transparência (LC 131/2009), criada para divulgar em tempo real, pela Internet, a receita e despesas de entidades e figuras públicas. Ainda assim, é recorrente a aplicação de sigilos para algumas informações, como, por exemplo, no caso do Governo Bolsonaro, do uso do cartão corporativo. Em maio último, o filho do presidente e senador, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), tentou justificar pelo Twitter os gastos do pai.

“Bolsonaro usa cartão corporativo para, principalmente, garantir a sua segurança”, escreveu. Apesar da alegação, não é publicizado, hoje, o detalhamento do montante utilizado, o prestador de serviços e o período de tais gastos. Para o cientista político e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Filomeno Moraes, “o segredo que tem ultimamente marcado a Administração Pública brasileira é preocupante.”

O especialista cita como exemplo “o que se dá em torno de gastos governamentais por meio de cartões corporativos, sobretudo os da Presidência da República. Depois, a tendência de impor sigilo até centenário a tais gastos é frontalmente contrária aos princípios constitucionais que regem a mesma Administração Pública. Um dos desfalecimentos sérios da democracia brasileira é o do princípio republicano, com a imposição de segredos aos gastos públicos, que devem estar disponíveis à correção não só dos órgãos estatais de controle, mas fundamentalmente ao seu custeador, que é a sociedade civil.”

CARTÃO CORPORATIVO
O Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF) consiste em um meio de pagamento que funciona de forma similar ao cartão de crédito utilizado pela população em geral, mas dentro de limites e regras específicas. Segundo o Portal da Transparência, o governo utiliza o CPGF para pagamentos de despesas próprias que possam ser enquadradas como “suprimento de fundos.” A professora do Departamento de Ciências Sociais da UFC, Monalisa Lopes, explica que o mecanismo foi criado justamente para coibir fraudes por parte da administração.

“Um dos fundamentos da democracia é o que chamamos de ‘check benefit’, que são pensados para equilibrar e ponderar excessos”, inicia. “É necessário que esses gastos, principalmente os que não necessariamente sejam voltados ao público, como do cartão corporativo, que não é uma política pública, é digamos um ‘privilégio do presidente’, passem pelo controle por parte da população. No final, quem paga essa conta é o contribuinte.”

Fernanda Cláudia corrobora com a ideia de melhorar os mecanismos de controle. “Para que ocorra a responsabilidade da fiscalização, há a necessidade da implementação de políticas públicas para instaurar no Estado brasileiro a cultura da denúncia. Só assim, o Estado vai identificar e transferir a responsabilidade da fiscalização não só ao Ministério Público e Controladoria [Geral da União], mas à coletividade”, pondera.

“JAIR GASTA O BRASIL PAGA”
Em maio deste ano, uma campanha nas redes sociais com a hasthtag “JAIR GASTA O BRASIL PAGA” se manteve em alta no Twitter. No geral, a pressão era para que o Palácio do Planalto explicasse os gastos realizados no cartão corporativo pelo presidente. Até o último mês, o Palácio havia gastado R$ 8,8 milhões, segundo o Portal da Transparência.

Apuração do deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) com base nos dados públicos mostra que os gastos chegaram a R$ 4,2 milhões em apenas 35 dias, entre 1º de abril e 5 de maio. Já uma auditoria sigilosa do TCU, em curso, revela cerca de R$ 21 milhões em cartões corporativos na gestão do presidente com despesas secretas, entre janeiro de 2019 a março de 2021.

Os dados foram revelados em reportagem da Revista Veja, na semana que se encerra neste sábado, 4. Conforme o material, boa parte do dinheiro foi usado para compra de alimentos para as residências oficiais do presidente e do vice, Hamilton Mourão – R$ 2,6 milhões; e para alimentação de seguranças e pessoal de apoio administrativo nas viagens de Bolsonaro e do vice pelo Brasil – R$ 2,59 milhões.

O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, usou cerca de R$ 1,3 milhão para o mesmo propósito. Para o cientista político Filomeno Moraes, o debate de controle passa, necessariamente, pelo processo de conscientização política e rito democrático. “Penso que este ano de 2022 seja propício ao debate acerca de como estancar a corrupção do princípio republicano e afastar os desfalecimento da democracia brasileira”, finaliza.

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