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7 de fevereiro de 2025

Caminhos e descaminhos da chamada terceira via às Eleições 2022

Criada há pelo menos um ano, a terceira via, que chegou a ter cerca de dez pessoas, assistiu a nomes caírem pelo caminho e vê alguns se segurarem na corda bamba de sombrinha.

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Criada há pelo menos um ano, a terceira via, que chegou a ter cerca de dez pessoas, assistiu a nomes caírem pelo caminho e vê alguns se segurarem na corda bamba de sombrinha

Ingrid Campos
ingrid.campos@opiniaoce.com.br

Imagem: Montagem João Maropo

A cerca de um mês das convenções partidárias, as delineações de candidaturas às eleições de outubro ficam mais claras. A nível estadual, neste momento, as legendas fecham alianças e definem nomes que disputarão os governos locais.

A nível nacional, contudo, as dinâmicas são um pouco diferentes. De início, os postulantes são definidos com maior antecedência para que se tenha mais tempo de trabalhar a figura política para o pleito.

Mas outras características também diferenciam a disputa nessas instâncias, como a existência do fenômeno da terceira via. É o que apontam especialistas ouvidos pelo OPINIÃO CE.

Normalmente, as eleições ao Planalto são carregadas de maior caráter ideológico que as nos estados. Nos últimos anos, esse fator tem sido cada vez mais intensificado, sendo uma das explicações para o surgimento da terceira via.

“Quando se fala em grandes projetos de nação, há mais espaço para trabalhar esses posicionamentos ideológicos. A terceira via surge não exatamente como um bloco apolítico, mas como um bloco de ideologia menos marcada”, explica Claudio Couto, cientista político e professor adjunto Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para a existência de uma terceira via, são necessárias duas outras. Estas são representadas pelas figuras de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta um terceiro mandato no Planalto, e de Jair Bolsonaro (PL), atual chefe do Executivo Nacional. Ambos lideram as pesquisas de intenção de voto ao mesmo tempo em que estão à frente da rejeição do eleitorado.

De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada na quinta-feira, 23, Lula tem 47% da preferência dos eleitores brasileiros contra 28% de Bolsonaro. O primeiro tem 35% da rejeição do eleitorado, enquanto o segundo, 55%. É aqui que a terceira via tenta encontrar o seu espaço.

Contudo, para Couto, é difícil que o bloco engate uma candidatura de força neste ano. “Até agora, existe muito mais uma afirmação do que a terceira via não é do que o que ela é, isso acaba deixando uma boa parte do eleitorado sem uma motivação para votar nela. Como nesse tempo todo não vingou, as pessoas começam a olhar com outros olhos as alternativas que têm mais chances reais de vitória, que é onde percebem, também, um posicionamento mais significativo”, afirma o cientista político.

Robson Carvalho, doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília (UNB), completa essa análise. O pesquisador acredita que não há, na terceira via, candidato com identidade e valores claramente diferentes de Lula e de Bolsonaro, o que inviabiliza o progresso de uma candidatura do bloco.

Exemplo disso é o ex-governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP). Na campanha de 2018, apoiou o atual presidente com a união BolsoDória, mas durante a pandemia assumiu uma postura de oposição ao governo federal. Os dois, contudo, defendem projetos muito semelhantes, como a privatização de empresas estatais.

“Não se faz política sem identidade: ou é governo ou é oposição. Tem que ter coerência, tem que ter uma linha. Todos no espectro da extrema-direita até a direita (que já foram cogitados para o bloco) defendem o mesmo que Bolsonaro, e no partido de todos eles têm pessoas que são da base do seu governo. Querem se posicionar contra Lula e contra Bolsonaro, mas no que exatamente são diferentes?”, aponta Carvalho.

“A política econômica defendida por Doria foi a prometida por Bolsonaro e Paulo Guedes (ministro da Economia) em 2018. Esse rompimento posterior soou como oportunismo. Ou seja, assim, não passa autenticidade, mostra-se como alguem que nao tem posições políticas claras”, completa Couto.

“[No decorrer do seu processo na Lava Jato] Lula poderia tranquilamente sair do País, mas ele se deixou ser preso para na Justiça provar a sua inocência, e isso tem um peso fundamental para a sua história e identidade. Por outro lado, o extremismo de Bolsonaro nunca mudou, ele apenas se moderou na mídia, mas nunca deixou de ser a mesma pessoa. Isso faz com que ele tenha uma identidade muito clara, e a identidade é um peso”, exemplifica Robson em contraste com outros nomes da terceira via.

UMA ELEIÇÃO DE EXTREMA POLARIZAÇÃO
Apesar de não ser um fenômeno novo, a polarização ideológica forte nas eleições deste ano fez personagens que se apresentam como alternativas aos dois principais postulantes do pleito se reunissem em um bloco específico. Como explica o professor da FGV, em outros tempos, Marina Silva (Rede) e até Ciro Gomes (PDT) assumiram posturas como essa.

A dicotomia que levou à criação de uma terceira via é criticada por Rubens Beçak, professor de Direito Eleitoral da Universidade de São Paulo (USP), mas a iniciativa de “sair dessa polarização” é bem vista pelo docente.

“É interessante que se resgate em uma eleição, na possibilidade de dois turnos, trabalhar candidaturas facetadas. Essa história do mata-mata já no primeiro turno não acho saudável para o sistema democratico”, diz. “Observa-se, no Brasil, um fenômeno de muita radicalização, mas isso acontece no mundo todo: na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.”

Desde o fim da janela partidária, em 1º de abril último, a terceira via perdeu quatro dos seus principais pré-candidatos e elos. O último, Doria, foi o vencedor das prévias do partido, mas não agradou a legendas aliadas e nem a alguns correligionários. O ex-governador de São Paulo, ao anunciar sua retirada da corrida presidencial, também comunicou a sua saída da vida política.

“Não vou sair do Brasil, não vou mudar do Brasil, continuarei aqui, voltando para o setor privado, de onde eu vim. […] Continuo no PSDB, não me desfiliei e não vou me desfiliar. As razões que me fizeram filiar ao PSDB no ano 2000 são as mesmas que me mantêm no PSDB em 2022. […] Vim para a vida pública para ser um gestor, em 2016. Não sou um profissional da política, sou um gestor da política. Foi esse o papel que cumpri na Prefeitura e no governo de São Paulo”, afirmou em um café da manhã com jornalistas na capital paulista.

Além de Doria, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ex-ministro Sérgio Moro (União Brasil) e o próprio União Brasil foram descartados ou desistiram de compor o grupo. Outsiders – como são chamados aqueles que têm carreira em outras áreas, não têm trajetória política ou que nunca disputaram eleição e entram de forma repentina nesse mundo – a exemplo do apresentador Luciano Huck, também chegaram a ser cogitados.

No início do mês, o União Brasil decidiu deixar o bloco de PSDB, Cidadania – já federados – e MDB e lançar o presidente nacional da legenda, Luciano Bivar, à disputa ao Planalto. A perda foi significativa, já que o UB é, atualmente, o maior partido do Brasil, que fundiu nomes dos antigos DEM e PSL. Dias depois, PSDB, Cidadania e MDB finalmente anunciaram apoio à pré-candidatura da terceira via do bloco, encabeçada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Ainda não há definição de vice, mas o senador cearense Tasso Jereissati (PSDB) tem se mostrado como um nome de convergência entre os tucanos. Ainda em maio, antes da desistência de Doria, o OPINIÃO CE adiantou em primeira mão que o nome do senador estava sendo defendido por alas do PSDB, MDB e Cidadania como vice de Simone Tebet em reunião ocorrida no gabinete do senador, em Brasília, no Anexo 1 do Senado.

Apesar de acreditar ser pouco provável que Simone Tebet alcance dois dígitos no percentual de votos, Couto avalia que a senadora pode surpreender. “Simone tem mais chances de crescer pelo fato de que ela ainda não é conhecida. Então, tem espaço para crescer. A questão é: ela vai crescer tirando voto de quem? De Bolsonaro? Pode ser até de Ciro”, aponta.

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