A Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno nesta quarta-feira (10) por 336 a 142, além de duas abstenções, o texto-base do primeiro projeto de lei complementar (PLC) que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo. O texto apresentado pelo relator deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), com 355 páginas e 511 artigos, foi votado em regime de urgência, cujo requerimento foi aprovado na terça (9).
A versão do texto inseriu uma trava para a alíquota do futuro Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), inclui remédios na lista de produtos com imposto reduzido e amplia a cesta básica nacional com imposto zero. No entanto, deixa as carnes fora da lista de alimentos com isenção.
Reginaldo Lopes incluiu, de última hora, óleo de milho, aveia e farinhas na cesta básica nacional, que não pagará IVA. Ele também incluiu salmão, atum, pão de forma e extrato de tomate nos produtos com imposto reduzido. Bacalhau e caviar continuarão a pagar a alíquota total do IVA.
Após passar pela Câmara dos Deputados, a matéria segue para o Senado, onde será apreciada pelos 81 parlamentares. O objetivo do Governo Federal é de que aquela casa legislativa também aprove a regulamentação, que é prioridade do presidente Lula (PT) em 2024, até antes do recesso parlamentar, a partir do dia 18 de julho.
O presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), já havia decidido que, na quarta e na quinta, as demais atividades de comissões e de outros colegiados ficariam suspensas, para dar celeridade à votação. Por se tratar de um Projeto de Lei Complementar, o projeto precisa da aprovação da maioria absoluta dos deputados, ou seja, 257 dos 513.
Antes do início da votação, o PL sugeriu por meio de requerimento o adiamento da discussão, com a defesa de que o projeto, extenso, não teve tempo suficiente para discussão. O partido, porém, teve o pedido rejeitado por 309 a 139 votos. Conforme o deputado federal Mauro Filho (PDT), havia “muita gente rica” ligando para demais parlamentares pedindo para que a reforma não seja aprovada.
“Isso é uma total inversão de valores”, disse em relação às críticas de opositores de que os impostos aumentariam com a nova tributação. “Hoje, o imposto é cobrado por dentro, imposto sobre imposto. Acho que a assessoria [dos deputados] precisa fazer esse cálculo para os seus deputados e deputadas. Eu quero ver um quadro dizendo que o arroz pagava tanto, e agora paga mais caro, o feijão também um tanto antes, e agora muito mais, ninguém vai mostrar esse painel. Os ricos estão tentando interferir na aprovação dessa matéria”, completou.
O QUE DIZ O PROJETO
Principal proposição da nova tributação, o projeto substitui cinco impostos atuais por dois novos gradualmente até 2033. Os novos tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), vão substituir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). Pela proposta, a alíquota média de referência da nova tributação, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), será de 26,5%. Vários setores, porém, terão descontos na alíquota referencial ou isenção total, como a cesta básica. A Reforma cria ainda o Imposto Seletivo (IS), o chamado “imposto do pecado”.
Um dispositivo do projeto visa reduzir a possibilidade de sonegação fiscal, visando melhorar a eficiência da arrecadação tributária. Isso seria possível por meio da incidência do “split payment” (do inglês “pagamento parcelado”, mecanismo utilizado para que o valor pago dos impostos por um comprador seja automaticamente dividido entre o vendedor e as autoridades fiscais no momento da transação. O projeto tenta ainda criar uma nova categoria, a do “nano empreendedor”, às pessoas com 50% do limite de faturamento anual do microempreendedor individual (MEI), que atualmente é de R$ 81 milhões. O nano empreendedor está previsto para não ser cobrado de imposto.
CASHBACK
O relator fez alterações na proposta de “cashback” – devolução do imposto para pessoas mais pobres – para água, esgoto e energia. Pelo texto, o IBS e o CBS serão devolvidos às pessoas integrantes de famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo. Segundo o deputado federal cearense José Guimarães (PT), líder do Governo Lula na Câmara, afirmou que o cashback é a conquista “mais importante” da Reforma.
A proposta afirma que o cashback será de 100% para a CBS e de 20% para o IBS, na aquisição do botijão de 13kg de gás liquefeito de petróleo (GLP); 50% para a CBS e 20% para o IBS, nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural; e de 20% para a CBS e para o IBS, nos demais casos. O texto também abre a possibilidade de que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios aumentem os descontos previstos na lei.
AUSÊNCIA DA CARNE NA CESTA BÁSICA
Uma das principais críticas da oposição, a ausência da carne na lista de itens da cesta básica – e consequentemente ter alíquota zero – gerou embate no Plenário. O Grupo de Trabalho (GT) para a regulamentação da Reforma Tributária defendeu que a inclusão da proteína poderia elevar a alíquota média. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), divulgou que a inclusão da carne aumentaria o IVA em 0,53 ponto percentual, de 26,5% para 27,03%. O impacto foi calculado pela Receita Federal. A estimativa, aliás, ainda é um pouco inferior à do Banco Mundial, que calcula impacto de 0,57 ponto percentual no IVA.
Sobre as carnes, o relatório prevê que as carnes terão o imposto reduzido em 60% da alíquota média. Na semana passada, Lula chegou a sugerir a inclusão de carnes com cortes menos nobres na cesta básica. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) argumentou, no entanto, que o cashback previsto na reforma pode ser uma medida mais efetiva para compensar o preço da carne para a população de baixa renda.
Integram a cesta básica e são, portanto, isentos do IVA, os seguintes itens: arroz, leite, manteiga, margarina, feijão, raízes e tubérculos, cocos, café, óleo de soja, farinha de mandioca, farinha de milho, farinha de trigo, açúcar, massas alimentícias e pão do tipo comum.
INCLUSÃO DE ARMAS NO “IMPOSTO DO PECADO”
Apelidado de “imposto do pecado”, o Imposto Seletivo inclui produtos que vão ser sobretaxados, considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. São eles: cigarros; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; embarcações e aeronaves; extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural; apostas físicas e online; e carros, incluindo os elétricos.
A não inclusão das armas no IS, aliás, gerou críticas de parlamentares. A bancada do Psol, aliás, apresentou uma emenda para incluí-las. “Se não houver inclusão das armas de fogo, a tributação sobre esses bens, na prática, cai de 89,5% para apenas 26,5%”, disse o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ). Seu correligionário, Chico Alencar (Psol-RJ), disse que “na prática, as armas de fogo teriam a mesma alíquota de flores, fraldas, brinquedos e perfumes”.
MEDICAMENTOS E ABSORVENTES
Outro importante trecho da proposta fala sobre os medicamentos e os absorventes. O citrato de sildenafila, medicamento para impotência sexual popularmente conhecido como Viagra, foi retirado da lista de medicamentos com alíquota zero. O princípio ativo, conforme a matéria, passa a pagar 40% da alíquota cheia. A tadalafila, outro princípio ativo usado para tratar disfunções eréteis, continuará com o IVA reduzido, na mesma categoria do Viagra.
Em contrapartida, os absorventes, que na versão original do projeto estavam na lista de alíquota reduzida de 40%, passarão para a alíquota zero. A alteração foi comemorada por deputados da esquerda. No total, a quantidade de medicamentos e produtos para a saúde que tiveram substâncias isentas de tributo ficou em 383, e a quantidade de princípios ativos com alíquota reduzida ficou em 850.