País se aproxima de 14% no índice de desemprego neste ano. Passados quase cinco anos da Reforma Trabalhista, os 6 milhões de empregos prometidos não aconteceram
Rodrigo Rodrigues
rodrigo.rodrigues@opiniaoce.com.br
O Brasil deve apresentar uma das maiores taxas de desemprego do Mundo este ano, batendo um índice de 13,7%. O dado alarmante foi divulgado na semana que se encerra neste sábado, 30, pela agência de classificação de risco Austin Rating, elaborado a partir de projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global. O ranking abrange um total de 102 países, no qual o Brasil aparece com a nona pior estimativa e bem acima da média global prevista (7,7%).
O índice exemplifica uma constatação abordada por especialistas ouvidos pelo OPINIÃO CE: o País entra no quinto ano após a aprovação da Reforma Trabalhista ainda no governo de Michel Temer (MDB), sem conseguir gerar os seis milhões de empregos prometidos.
“A reforma veio com a intenção de modernizar as relações de trabalho e atender a novas demandas, criar novos postos de trabalho. Os números dão a concluir que não houve essa geração de empregos”, destaca a advogada, professora universitária e membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil – Ceará (OAB-CE), Érica Martins.
“Para o trabalhador, que representa a parte mais frágil da relação, acaba pesando mais. Observamos uma série de perdas de direitos. O 13º salário e as férias, por exemplo, foram mitigadas com a reforma. Além disso, cria a ideia do trabalhador ‘hiperssuficiente’, que, na teoria, pode negociar diretamente com o empregador. Isso vai contra a realidade que a gente vê no dia a dia.”
Ao todo, a Reforma Trabalhista alterou mais de 200 pontos da legislação vigente até 2017, como a flexibilização da jornada de trabalho, tempo de descanso, férias, contribuição sindical e o chamado trabalho intermitente – formalização da prestação de um serviço de forma não contínua, no qual se alternam períodos de atividade e inatividade. Lucyvania Medeiros Bandeira, conselheira do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará (CRC-CE), destaca que, embora a pandemia tenha agravado a situação de geração de empregos no País, a própria legislação já não conseguia dar respostas positivas.
“A gente já observava esse cenário mesmo antes da pandemia”, aponta, destacando que uma das principais promessas, da diminuição de encargos para as empresas, também não se concretizou de maneira efetiva na realidade brasileira. “Talvez, essa redução seja referente à flexibilização de horários e formalização de contratos intermitentes, mas, de um modo geral, não diminuíram os encargos para o empresário.”
“DESMONTE COM A REFORMA TRABALHISTA”
Gabriel Motta Rochinha, sociólogo e advogado trabalhista, entende que houve uma “fragilização” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, reconhece, precisava de uma atualização, mas distante dos parâmetros colocados.
“A reforma aconteceu em um momento [político] propício para se fazer um desmonte. Tem um ou dois pontos positivos e uma série de retirada de direitos. É um momento em que há uma legalização do trabalho precário e das relações de contratação precárias.”
Segundo o especialista, três principais pilares justificam o que entende como “desmonte”: fragilização dos sindicatos trabalhistas, retirada de direitos e desamparo ao trabalhador. Para o jurista, a situação causa ainda o desencorajamento da legislação em o funcionário buscar seus direitos na Justiça.
“A legislação visa à proteção quando o trabalhador perde o emprego. De um modo geral, não existe essa busca quando o trabalhador está empregado. Mesmo nesses casos, hoje, de cada 100 pessoas, apenas 10 reclamam seus direitos por não saber ao certo se podem ganhar a causa.”
Uma das mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista trata justamente desse ponto. Conforme a norma, pessoas que têm direito à justiça gratuita teriam que arcar com honorários de advogados e peritos, caso chegassem a perder uma ação trabalhista.
Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, decidiu que os beneficiados com a justiça gratuita não terão essa necessidade. A justiça gratuita é concedida aos trabalhadores que recebem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – até cerca de R$ 2.500. Em paralelo, analisa Rochinha, a reforma deu um destaque à “visão ultraliberal” das relações de trabalho, potencializando o chamado “empreendedor de si.”
“Estão banalizando o termo para justificar um trabalhador sem direitos. Houve uma ‘pejotização’ [quando uma empresa realiza a contratação de uma pessoa jurídica para a prestação de serviços]. Não tem direito nenhum, não tem férias, não tem 13º salário”, detalha. A visão é compartilhada por Érica. A especialista cita o fenômeno da ‘uberização’, caracterizada pela prestação de serviços de forma informal.
“Esse conceito nasce de um contexto da economia liberal que visa à implantação de uma ideia de empreendedorismo. A reforma traz a possibilidade da prestação de serviços e esse contexto traz uma perspectiva de flexibilização da jornada, quando, na verdade, as pessoas passam a não ter o direito trabalhista, uma proteção previdenciária. O que há é uma precarização do mercado.”
DA VIDA REAL
Pintor que atua em mais de um aplicativo de transporte e de entregas, José Edmilson, 40, reconhece que há uma limitação na prestação de assistências nesse modelo de trabalho, mas aponta que, ainda assim, tem preferência pelo serviço autônomo. “Olhando por esse lado, eles [aplicativos] não prestam esse tipo de assistência. Eu pelo menos nunca ouvi falar. São coisas que precisam ser balanceadas.”
Hoje, ele se divide entre trabalhos autônomos como pintor e atuação nos aplicativos. “Há dias que termino um serviço de pintura às 3 da tarde, digamos, descanso um pouco e faço mais algumas horas no [aplicativo de transporte].”
“Antes, eu trabalhava de carteira assinada e, quando se trabalha assim, tem que estar sujeito à disciplina do lugar. Trabalhando com aplicativo, é você quem faz o seu horário. A área que eu tava, de supermercado, tomava muito meu tempo. Não tinha tempo para mim e nem para a minha família. Foram coisas que pesei para tomar a decisão e buscar outra forma de me manter”, frisou.
O pintor saiu do último emprego formal no primeiro semestre de 2021. “De lá para cá, venho me virando da forma que dá.”
MUDANÇA DE PERFIL
Embora apontem para a necessidade de que a estrutura seja revista, os especialistas reconhecem avanços tímidos na legislação.
“Tornou-se possível o fracionamento das férias em até três meses. Antigamente, não se podia. Entendo que para ambos os lados isso pode ser positivo. Para alguns empregados, por exemplo, ele consegue combinar com a empresa e dividir melhor esse período”, aponta Lucyvania.
“Além disso, houve uma garantia maior aos funcionários terceirizados, que não tinham os mesmos direitos do funcionário daquela determinada empresa. Isso também considero um ponto positivo.”
Para a conselheira, no entanto, além da modernização das leis, também é necessário que a mentalidade do empresariado brasileiro seja atualizada. “Toda tomada de decisão precisa ser analisada pelos dois lados. O trabalho intermitente, que da forma como está é péssimo para o empregado, poderia ser muito vantajoso na realidade de algumas atividades, por exemplo, que têm pico de trabalho sazonal. Acho que essa balança é importante”.
Para Érica, a mudança de perfil passa por uma legislação mais forte. “Ao meu ver, condições de trabalho que sejam compatíveis com a saúde do trabalhador podem render melhores frutos. A sobrecarga de trabalho pode gerar uma quantidade de afastamento e ter, como consequência, um rombo previdenciário e atrapalhar a própria estrutura da empresa, que precisa ter um maior número de desligamentos e contratações. É necessário fortalecer regras de qualidade no trabalho, estruturar a empresa para cumprir a legislação para evitar um passivo futuro”, pondera.
Nos últimos dias, o Partido dos Trabalhadores (PT), sigla do ex-presidente Lula e nome que lidera a disputa pela presidência nas pesquisas de intenção de voto no momento, afirmou que pode revogar a Reforma Trabalhista caso chegue ao poder
Pela legislação, para que isso ocorra, é preciso que passe por ambas as Casas do Congresso Nacional e seja sancionado pelo presidente. Outra possibilidade é por meio de Medida Provisória (MP), editada diretamente pelo chefe do Executivo, mas que deve ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para seguir em vigência.
Para o advogado e sociólogo Gabriel Motta Rochinha, o posicionamento funciona muito mais como discurso político do que como uma proposta, de fato. “Acredito que não, por criar uma insegurança jurídica. Porém, há de ser revisto posicionamentos. Rever e criar dispositivos para garantir os direitos aos trabalhadores.”
Passados quatro anos da nova legislação, outros setores também ponderam o surgimento de uma “nova reforma”. No fim de 2021, o Governo Federal encomendou um estudo para propor esse conjunto de mudanças. Segundo o informado, mais de 300 alterações podem ser propostas à legislação atualmente válida. O texto ainda está em análise.”