A Assembleia Legislativa do Ceará deve realizar, nesta semana, uma audiência pública sobre denúncias apresentadas por parlamentares cearenses acerca de suposta exploração do trabalho do Povo Pitaguary, em Maracanaú. As principais vítimas, conforme o deputado estadual Renato Roseno e o vereador Gabriel Aguiar, ambos do Psol, são mulheres indígenas. Conforme eles, elas começaram a realizar um trabalho precário e com baixíssima remuneração: a remoção de retalhos de tecido das espumas de poliuretano utilizadas na confecção de roupas e lingeries, conhecido como “puxa-puxa”.
O material é originado de indústrias do ramo da confecção feminina que atuam na região. Conforme denúncia a qual o OPINIÃO CE teve acesso, o Instituto Asas e Raízes, tomando ciência da situação, elaborou um projeto que propunha a reutilização desses resíduos na confecção de peças de artesanato, como uma forma de “compensar” pelos danos causados. As famílias que desempenhavam a atividade relatam que os retalhos acumulados eram muitas vezes descartados na natureza e que algumas delas chegaram a queimar o material, o que estava causando problemas respiratórios entre os moradores da região. Além disso, também houve a contaminação do Riacho Timbó por esses resíduos.
A audiência ocorrerá na próxima terça-feira, 9, às 14h, na Escola Indígena Chuí, localizada na Rua Professor José Henrique da Silva, 5888, Aldeia Olha D’água, em Maracanaú. O encontro atende um pedido da Assembleia Legislativa. Também foram oficiados o Ministério Público do Trabalho e o órgão ambiental do Município. O OPINIÃO CE entrou em contato com a Prefeitura de Maracanaú, que informou a situação ser de competência do Governo Federal por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai). A reportagem também contactou o órgão federal, mas não houve retorno até o fechamento.
CRIME AMBIENTAL
Em abril, o vereador Gabriel Aguiar realizou uma denúncia sobre despejo ilegal de resíduos de tecidos em um riacho no território Pitaguary. O local é terra demarcada do povo indígena homônimo ao território desde o dia 3 de junho de 2000, por meio de relatório oficial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). De acordo com representante de instituto de desenvolvimento sustentável e tecnológico do Povo Indígena Pitaguary, uma empresa explorou o trabalho do povo por quase seis anos.
Os resíduos acumulados em um riacho do território desaguam no rio Timbó, uma das principais nascentes do Rio Cocó. De acordo com Gabriel Aguiar, esses resíduos “podem demorar centenas de anos para se degradarem”.
“Todo esse resíduo se acumula na natureza, pior ainda, em recursos hídricos, e podem ser fatais para inúmeras espécies que vivem nesse ambiente, as quais podem ingerir esses resíduos, além de também poderem obstruir os rios gerando enchentes, e inclusive até entrar nos tecidos dos seres vivos quando viram microplástico”, completou o biólogo. Gabriel informou, também, que a indústria da moda desperdiça o equivalente a 1 caminhão de lixo por segundo no mundo.
Segundo o vereador, além de multas ambientais, a empresa pode ser ainda obrigada a reparar o dano ambiental e realizar a completa remoção e limpeza dos resíduos.
Segundo o indígena Paulo Sérgio Pitaguary, representante do Instituto Asas e Raízes, a empresa que explorava o povo ficou do início de 2017 a 2022 no território. De acordo com ele, a instituição mandava a matéria-prima para a população, que produzia os materiais que a companhia solicitava. Conforme informou o representante, a matéria-prima chegava ao território por caminhões da empresa, e após retirada de retalhos desse material para manufatura do produto, eles voltavam com esses artigos, mas deixavam as sobras, que acabavam se amontoando nas casas das pessoas do território.
“As pessoas não tinham como dar destino a esses retalhos porque não tinham como mandá-los para uma empresa especializada em destinação adequada, então acabavam amontoando nos seus quintais, em áreas, e aí quando vinha a chuva acabava levando esse material para dentro do leito dos rios”, disse Paulo.
Conforme a Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, o rejeito da produção deve ser encaminhado para disposição final ambientalmente adequada, na forma estabelecida pelo órgão competente do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) ou pelo plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, se houver.
Ainda de acordo com o indígena, não havia contrato trabalhista com as pessoas, que ganhavam apenas “em média R$ 250 a R$ 380 por mês”. “Era de acordo com a produção, então eles entregavam um peso ‘x’, e as pessoas tinham que devolver, sendo que esse processo de pesagem não era pesado com as pessoas que trabalhavam com isso, mas sim na empresa, então eles levavam esse material para lá e pesavam e diziam para as pessoas, que não conseguiam nem acompanhar ou conferir esse processo de pesagem da esponja”, informou.
Conforme Paulo, foi tentado contato com a empresa em agosto do ano passado, através do Instituto Asas e Raízes, com envio de proposta de reaproveitamento dos resíduos para o artesanato por meio de oficinas realizadas pela empresa em parceria com o povo Pitaguary. Em outubro, após dois meses do contato, entretanto, foi informado que a companhia não poderia seguir com a proposta, alegando não possuir condições financeiras para realizar as oficinas de artesanato.
Algumas lideranças Pitaguary realizaram denúncia à Funai, mas não receberam nenhuma resposta.