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17 de fevereiro de 2025

As valiosas lições de quem cria borboletas

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Eu crio lagartas e borboletas. Sim, você não leu errado, realmente adotei algumas lagartas, alimentando e zelando pelo seu bem-estar para que se transformassem em segurança nas borboletas.

Tudo começou por acaso, em 2021, bem no início da pandemia, quando já estávamos reclusos. Era abril e em uma sexta-feira da Paixão, fui comprar um cará tilápia na frente de casa e, na volta, uma lagarta parecida com um extraterrestre caiu quase na minha cabeça. Era marrom, com umas listas verdes no comprimento do corpo gordinho. Uma cabeça grande e duas anteninhas como as dos caracóis, nas duas extremidades do corpo.

Como há tempos queria fazer esse exercício de transformação, porque ensinava meu caçula em casa, aproveitei a oportunidade. Levei a cobrinha marrom, que tinha caído no capô do carro estacionado, em uma folha e coloquei em um pote de vidro de palmito. Cobri a abertura com um plástico furado e notei que talvez estivesse com fome. Não quis a folha que tinha vindo com ela.

Chamei os dois filhos para um passeio e colhemos folhas de todos os matos da redondeza. Mesmo assim, não quis e começou a fazer uma dança e a tecer uma teia em uma das paredes do vidro. No outro dia, tinha se transformado em um casulo marrom com umas bolinhas douradas discretas.

Pesquisando na internet, descobrimos que era uma lagarta-dos-coqueiros. Deve ter caído das palmeiras que estão plantadas na parte de fora do condomínio. A borboleta seria marrom com uns olhinhos miúdos de tamanho médio nas asas.

Aguardamos longos onze dias e quando ela parecia ter morrido de vez, porque o casulo escureceu, veio a surpresa. No dia seguinte, sangrou e nasceu uma borboleta que ocupava quase todo o pote, com uns olhinhos listrados.

Tratamos de retirar o plástico e ela logo voou para a parede e saiu, apressada, pela janela. Deu tempo nem registrar de perto sua beleza discreta.

Fotografei e filmei todo o processo de transformação dessa borboleta, que chamamos de ingrata, no meu perfil das redes sociais e passei a observar com cuidado todas as plantas da vizinhança, em busca de outra lagarta para estudarmos a transformação.

Com essa observação, aprendi os horários que os insetos, pássaros e calangos estavam no jardim. As abelhas gostavam de aparecer mais cedo, assim como os pássaros. Tinha rolinhas, pombos, pardais, beija-flores, bem-te-vis, sibites. As borboletas amavam o sol forte de perto de meio-dia, assim como os calangos, que aproveitavam para capturar as mais distraídas.

Na pandemia, eu descia logo depois do almoço para observar. Geralmente fazia isso sozinha com meu celular e ficava entregue às pequenas surpresas. Comemorava quando conseguia registrar uma com as asas abertas. Era um dos únicos momentos meus de solitude. Me encantava com as cores, pesquisava as espécies, os hábitos e escrevia as impressões.

Em tempos de sofrimento, com a morte de alguns vizinhos idosos, depressão e risco de morte de parentes próximos, o contato com essas borboletas e a natureza pouca de um condomínio na beira de uma estrada federal e de um rio poluído me salvaram do desespero e de um adoecimento mais profundo.

Às vezes, olhar para as miudezas nos livra de um caminho escuro. A luz está perto, o problema é a gente ter olhos bons para enxergar esses pequenos recados do universo. Não está totalmente revelado, tem que prestar atenção. A minha sorte foi ter esse olhar apurado para desviar a vista das coisas terríveis que estavam acontecendo ao redor e no mundo todo. Deu certo e continua dando.

Cada uma das borboletas nascidas trouxe uma lição com elas. A desse domingo, que era uma monarca, me mostrou que estamos prontos, basta seguir o instinto e sair pelo caminho. Se cair um pouco no voo, ajuste a velocidade e a direção, mas é preciso voar logo, porque as asas estão secas e precisam ser utilizadas ao nosso favor. Vamos para o mundo, então.

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